(IMAGEM DA WEB)
“Entre, entre! Obrigado por ter vindo. Sabe que nunca recebo ninguém em casa? Vivemos tempos perigosos. Entende, não é? A gente sabe lá o que vai na cabeça das pessoas? Praticamente não vejo televisão e jornais só mesmo de vez em quando, mas apercebo-me do que se passa à nossa volta. Por cinco euros mata-se uma pessoa. Nunca a vida humana valeu tão pouco.
A conversa é como as cerejas, ainda há dias li sobre a condenação dos dois polícias da PSP que foram condenados a quatro anos de prisão efectiva. Fiquei preocupado, sabe? É evidente que eu não sei o que se passou. Não sei se as agressões ao alemão teriam sido como contam, mas fiquei a pensar nesta condenação. Terá de haver muito cuidado ao sentenciar agentes. É que, não havendo sensibilidade, qualquer dia os polícias não querem mesmo saber de nada. E tenho de lhe confessar, perante este julgamento, se eu fosse polícia, acho que diante de uma qualquer ocorrência na rua me encolhia. Mas entre… entre… não fique à porta.
Está a olhar para esse desenho? Sabe de quem é? É de mestre Júlio Resende. É belo, não é? E esta tela, sabe quem a pintou? Carlos Ramos… é espantosa, não é? Ora afaste-se um pouco. Veja agora. Olhe esta beleza. Era um “espatolista” de categoria. Olhe a mistura de cores. É uma maravilha, não é? Olhe este prato de faiança portuguesa. É bom não é? É um “aranhões”, do século XVIII. Olhe esta estampa, está a ver? É antiga… olhe ali a data… 1819… está a ver? Olhe este pote chinês antigo… é lindo não é? Olhe, trouxeram-mo de Macau, poucos anos antes de perder a administração portuguesa. Olhe aqui este prato “Companhia das Índias”. É maravilhoso, não é? Está a gostar? Obrigado por ter vindo. Sabe, converso com pouca gente sobre arte. Não se pode confiarem ninguém. Olhe este livro… é um manuscrito. Veja aqui a data…”Coimbra, 1795”. Espantoso, não é?!
A conversa é como as cerejas, ainda há dias li sobre a condenação dos dois polícias da PSP que foram condenados a quatro anos de prisão efectiva. Fiquei preocupado, sabe? É evidente que eu não sei o que se passou. Não sei se as agressões ao alemão teriam sido como contam, mas fiquei a pensar nesta condenação. Terá de haver muito cuidado ao sentenciar agentes. É que, não havendo sensibilidade, qualquer dia os polícias não querem mesmo saber de nada. E tenho de lhe confessar, perante este julgamento, se eu fosse polícia, acho que diante de uma qualquer ocorrência na rua me encolhia. Mas entre… entre… não fique à porta.
Está a olhar para esse desenho? Sabe de quem é? É de mestre Júlio Resende. É belo, não é? E esta tela, sabe quem a pintou? Carlos Ramos… é espantosa, não é? Ora afaste-se um pouco. Veja agora. Olhe esta beleza. Era um “espatolista” de categoria. Olhe a mistura de cores. É uma maravilha, não é? Olhe este prato de faiança portuguesa. É bom não é? É um “aranhões”, do século XVIII. Olhe esta estampa, está a ver? É antiga… olhe ali a data… 1819… está a ver? Olhe este pote chinês antigo… é lindo não é? Olhe, trouxeram-mo de Macau, poucos anos antes de perder a administração portuguesa. Olhe aqui este prato “Companhia das Índias”. É maravilhoso, não é? Está a gostar? Obrigado por ter vindo. Sabe, converso com pouca gente sobre arte. Não se pode confiar
Tinha muito mais coisas. Então louças?! Nem lhe conto. Tinha várias peças de Estremoz. Antigas, claro. Mas divorciei-me há poucos anos e então disse à minha mulher: escolhe o que quiseres! E ela escolheu as melhores peças. Mas eu não me importei. Somos amigos. Isso é que interessa. Vivemos muitas décadas juntos. Essas recordações são o que ficam no nosso coração. As boas memórias são o sal da nossa vivência enquanto por cá andamos.
A arte, esta arte que eu tanto amo, é muito importante, mas são objectos, são coisas. Qualquer dia morro e isto fica tudo. Não somos donos de nada. Somos apenas usufrutuários das coisas. Não estou a maçá-lo, com a minha conversa, pois não?
Olhe aqui esta máquina de encher garrafas de champanhe. Já viu alguma assim? Olhe era de umas caves dali de Anadia. Faliram e então comprei-a a um funcionário que a recebeu como pagamento, uma vez que já não havia dinheiro. Mas depois fiquei a pensar e sabe o que fiz? Liguei ao dono das caves e disse: eu tenho uma máquina de encher champanhe, muito antiga, que era da sua adega. Comprei-a a um seu ex-funcionário. Calculo que esteja muito ligado a ela… o senhor quere-a? Vendo-lha pelo mesmo preço que comprei. Não quis. Agradeceu-me muito o gesto. Respondeu-me que ficasse eu com ela. Estava em boas mãos. Fiz bem, não fiz?
Sabe, apesar do que disse atrás, que os objectos são coisas, a verdade é que, quando somos velhos como eu, são muito mais do que isso. É a nossa existência espelhada neles. É como se a nossa vida estivesse retalhada em bocados. Cada peça conta um bocadinho de nós. Olhe esta garrafa de vidro. É linda, não é? É Murano. Comprei-a em Itália, há mais de 20 anos. Fui com a minha ex-mulher. Ainda me lembro do hotel onde ficámos. Éramos tão felizes?!... Enfim… tudo passa!
Já esteve em Itália? Não? Ai que pena! Aquilo é lindo. Não deixe de visitar. Não estou a maçá-lo, pois não? Está gostar de ver os meus tesouros? Obrigado… obrigado por ter vindo…”
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2 comentários:
Muito bonito.Luís.Gostei,li este post com imenso prazer,parecia que estava a assistir ao diálogo.Curiosa a forma como se «retirou» e deixou o protagonista da história a falar.Ás vezes os contos mais simples são os mais interessantes.
Abraço,Marco
Obrigado, Marco. Só um pequeno esclarecimento: este monólogo foi verdadeiro. Ou seja, não se trata de um conto. Claro que na situação real eu falei. E, como sempre nestas situações, com muitas frases de apreço, porque é isso mesmo que o anfitrião procura... para além de alguém com quem conversar.
Um grande abraço.
Luís
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