quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A DAMA DE NEGRO SOZINHA

Gosto de observar as pessoas. Dá-me um prazer imenso sentar-me num qualquer café e, mesmo estando a ler um jornal, apreciar os gestos; um arranhar na cabeça, um contrair de feições ou uma sonora gargalhada saída da boca de qualquer um.
Como habitualmente faço, um destes domingos, depois de comprar o jornal, instalei-me, num café, no Luso, que dá de frente para a fonte de S.João. Daqui “sinto” o pulsar da pacatez desta Vila célebre pelas suas águas medicinais e de mesa. Do meu ponto de observação apercebo-me da forma calma como alguns visitantes passeiam e outros que encostam o seu carro ao lado da fonte e, do seu interior, como sacando coelhos de uma cartola, retiram garrafões vazios, e mais garrafões, às dezenas, num processo sem fim. Pergunto-me para que quererão estas pessoas tantos garrafões de água.
Depois de me instalar numa mesa, junto ao vidro, de onde tinha boa visibilidade de toda área circundante, comecei a ler o “Público”. Foi então que na mesa ao lado se sentou uma mulher. O meu interesse por ela não foi imediato; começou quando ela se levantou e foi fumar para a esplanada na rua. Ela teria cerca de quarenta anos –ou mais? É daquele tipo de rostos que por mais que olhemos não conseguimos aproximar a idade- magra, de longos cabelos negros, de pele bem cuidada e de porte fino. Com pouco mais de um metro e meio de altura. Saltava à vista que teria tido uma educação refinada, certamente num bom colégio. Vestia bem, roupa de marca e de bom corte.
Um pormenor saltou-me à vista quando a vi a fumar na esplanada: esta mulher tremia tremendamente. “Deve ter Parkinson”, pensei com os meus botões, “mas tão nova”!? Estava lançada a semente no campo lavrado da minha curiosidade. A partir desse momento, os meus olhos dividiam-se entre o jornal e a dama de negro. Durante duas horas reparei que bebeu cinco chás, sempre acompanhado com muito gelo. Punha uma das mãos em concha para conseguir colocar o máximo de pedras de água no estado sólido. A seguir era sempre o mesmo ritual: o bule, na sua mão direita, a dançar, por força das tremuras, como movido por forças paranormais, com o fio de chá oscilante entre metade a entrar no copo e metade a sair para o pires. Depois, rigorosamente, eram oito comprimidos de adoçante para cada copo de chá. No intervalo dos vários copos de chá, falava ao telemóvel, numa conversa que, mesmo não prestando atenção, teria forçosamente de ouvir parte da conversa –ela estava mesmo ao meu lado- numa voz suplicante, com frases entrecortadas, exclamou: “tia, estás a ouvir-me? Ouve-me, por favor, preciso de falar contigo. Preciso que me escutes. O papá mal fala comigo, diz que tem muito trabalho. Tu és a minha única amiga, tia…por favor não deixes de me ouvir. (…) Não tia, não preciso de dinheiro, isso é o que menos falta me faz, preciso, isso sim, é de alguém que fale comigo…”- retorquiu a mulher em lamento lancinante. Senti uma profunda pena e vontade de me oferecer para falar com ela.
Depois de fazer outro telefonema, levantou-se. De porte altivo, saiu e dirigiu-se a um táxi. Sobre a mesa ficaram duas caixas de adoçante, tentei chamar a sua atenção para esse facto. Em vão, como dama de extirpe real que não liga a um qualquer súbdito, continuou o seu caminho imperturbável.
Ao meu lado, numa outra mesa, duas senhoras, talvez mãe e filha. Ao ver-me quase gritar, entabularam conversa comigo e sossegaram-me: as caixas estavam vazias. Ali fiquei a saber toda a história trágica da dama de negro. Era filha de um fulano importante ligado à arquitectura. Fora a droga que, num vício destruidor, transformara aquela mulher num farrapo humano oscilante. Estava internada num estabelecimento ali na Vila. Assoberbada entre um excesso de amparo material e uma infinita carência de amor, assim era a vida trágica daquela mulher que teve o azar de nascer num berço de ouro. O que para mim, durante um escasso tempo, foi motivo de vigilância moralmente recriminável, para aquelas duas mulheres, aquele quadro dramático do ponto de vista humano, era a rotina que conheciam bem numa pessoa que, provavelmente, o sucesso e a fama do pai condenara a filha a uma indigência de afecto continuado e sem fim.

sábado, 26 de janeiro de 2008

SER E NÃO SER

Eu gostava de ser um ser,
ser insensível à dor,
passar a ser cego e ver,
ser amado sem dar amor;
Amar um ser é tramado,
é ser marinheiro sem ser,
estar numa Galera, ser aprisionado,
é ser livre sem poder;
Como sou não quero ser,
do meu ser sou um escravo,
quero ser poeta e escrever,
ser indolor, tomar a dor de um trago;
Eu não quero ser sofredor,
fazer tudo para ser amado,
dar, dar, a um ser, tudo por amor,
e depois de tudo dar, ser maltratado;
Quero ser estóico, duro e arrogante,
ser cínico e narcisista,
ser bandido, ser meliante,
cantar canções de amor, ser fatalista;
Sei que ter fraqueza é ser caridoso,
condoer-me com a iniquidade social,
gostava de ser muito mais corajoso,
ter fé e acreditar na justiça universal.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A ESCULTURA IMAGINÁRIA

Nos últimos dias os leitores de Jornais, desde o “Diário de Coimbra”, “As Beiras”, o “Público” e outros diários, têm sido matraqueados com a “Escultura” de Cabrita Reis para aqui, “Escultura” para ali. Para melhor se entender lembro que esta “obra de arte “ foi colocada, em Coimbra, num pequeno largo paralelo ao Pátio da Inquisição, em Dezembro de 2003 ao abrigo da “ Coimbra Capital da Cultura”. Saliento, para melhor objectividade, que esta obra de Cabrita Reis representou Portugal na 50ª Bienal de Veneza.
Seguidamente, sem ironia, perguntaria ao leitor se conhece esta “escultura “. Como presumirei que não, vou tentar descrevê-la. Trata-se de uma estrutura em alumínio anodizado, penso, dividido em barras, em forma de cubículos, com cerca de cinco metros de altura, com várias armaduras de lâmpadas fluorescentes, ainda, fixas. Reza a história desta “ obra de arte” que aquando da inauguração, em Dezembro de 2003, teria cerca de 30 portas, que hoje, passados mais de três anos, desapareceram, ou pelo menos não estão acopladas à estrutura. Aconselho o leitor a visitar esta “obra”. Palavra que gostava de saber a sua opinião. Bem sei o que está a pensar: que a arte é a expressão de um ideal estético através de uma actividade criativa. E aqui, eu, que fiz um tremendo esforço para entender a sua resposta, fiquei na mesma. Pode você explicar-me o que é um ideal estético? E uma actividade criativa? Ai não sabe? Não pode saber por não existirem padrões objectivos, apenas uma elevada subjectividade individual? Está a referir-se à abstracção da arte? A imanente interrogação que, saindo de dentro do seu ser, procura suscitar sentimentos estéticos pelo jogo (imaginário) das formas, texturas ou cores? Isso quer dizer, desculpe insistir, que o famoso quadro branco, a sátira da arte, lhe assenta que nem uma luva? Ai não? Você não se deixa levar nessas rasteiras? Então, depois de ter visitado a “ escultura “ no Pátio da Inquisição, responda-me com sinceridade: se visse aquele emaranhado de barras de alumínio abandonado num qualquer campo deserto, você levaria “aquilo” para o seu jardim? Ai não levava? Então pode admitir que “aquilo “ é uma fraude à arte? Não sabe o que dizer? Nem eu!
Bom, mas vamos por partes, mesmo sendo quase impossível definir um conceito de obra de arte, uma coisa estaremos de acordo: uma obra artística tem de fazer algum sentido, quer estético, metafísico, transcender a realidade, dando-nos a ilusão de uma ou várias realidades –já o dissemos. E a “escultura” de Cabrita Reis diz-nos alguma coisa? Porque é que chama escultura “àquilo”? Ah, porque todos outros chamam? Está bem. Faz sentido! Parece mal não apreciar uma obra de arte daquelas, ainda por cima assinada por Cabrita Reis. Pois é, podem pensar que você é um mastronço insensível que nem sabe apreciar uma obra de arte de…Cabrita Reis. E quem é este artista que se chama Cabrita Reis, conhece alguma coisa dele? Ai não? Eu também não. O que sabemos é que “lá fora” dizem, que uns dizem, que outros dizem, que ele é um grande artista.
Olhe lá, seu intelectual da piolheira, contribua para a limpeza visual e para a dignificação de um espaço histórico, se por acaso encontrar o presidente da Câmara Municipal de Coimbra diga-lhe que mande lá retirar aquela porcaria do pátio da Inquisição, que só está a desfigurar os arcos em pedra quinhentista. Diga-lhe que aquilo é um aborto. Ora, se tivesse dez semanas de gestação era possível fazê-lo sem penalização, neste caso, como tem três anos, se preciso for penalize-se mas destrua-se o monstro. Mesmo indo contra as normas do Código do Direito de Autor, não se entre em acções substitutivas pelo criador de tal aborto. Pelo amor à arte…tenham dó!

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

CANÇÃO DAS JANEIRAS

Senhora que estais lá dentro,
Vem cá fora vem-nos ver,
Traz contigo qualquer coisa,
Qualquer coisa p’ra comer;

Já agora sem abusar,
Um dinheiro por favor,
É p’ra dar ao Deus menino,
Filho de Nosso Senhor;

Tenta ser mui generosa,
Dá uma nota mui contente,
A ti pouca falta faz,
E a nós muita, certamente;

Somos os reis cá da terra,
Vassalos e sem peneiras,
Cantamos canções de amor, (ESTRIBILHO)
Na tradição das janeiras.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

SALVEM OS VELHOS ANIMATÓGRAFOS

Sou um amante de cinema. Por ordem dos meus passatempos, depois de gostar de ler, de escrever, a seguir vem, inevitavelmente, o cinema. Vou, pela força de circunstâncias, como quem diz, pelo maior leque de escolha, aos novos e pomposos “multiplex”, onde posso ter uma dezena de filmes para optar. Mas, a verdade, ir a um velho cinematógrafo (cinema), para mim, é como encontrar um velho conhecido que não via há dezenas de anos, é fazer-me voltar aos tempos de menino. É qualquer coisa de espantoso. É como viajar de comboio, do Luso até à Pampilhosa, numa daquelas carruagens ronceiras com bancos de madeira. Sem esquecer, na estação de Luso, a vendedeira, com duas bilhas de barro na mão, a gritar aos quatro ventos: “áagguuaaa de Lusooooo…fresquinha”.
Ir a um velho cinema hoje, fazendo-nos viajar no tempo, é impagável. Vou amiúde vezes ao cine-teatro Messias da Mealhada. Na maioria das vezes o filme é o que menos importa. O que mais aprecio é a ambiência retro de outros tempos. Faz-me lembrar quando, em Coimbra, com 11 anos, ia ver filmes para 12 e pagava vinte e cinco tostões, hoje dois cêntimos e cinquenta. A ginástica que eu fazia para que o porteiro não desconfiasse que eu estava aquém da idade mínima. Chegava a entrar, quer no velho Tivoli, no Avenida, ou no Sousa Bastos, em bicos de pés, para parecer mais alto.
É inexplicável o que sinto hoje ao entrar num destes velhos cinemas, que constituem um monumento às reminiscências da nossa memória .
Há uns anos estive uma semana de férias em Vila Nova de Milfontes. Para minha surpresa o cinema lá da terra funcionava num velho barracão meio esconso. As suas cadeiras eram em ferro, a apresentação dos filmes era feita, como antigamente, em voz “off”. Lindo, lindo, creio que fui todos os dias ao cinema, independentemente do título a projectar. Saudosismo? Provavelmente. Ou então estou mesmo a envelhecer.
Agora, com o anúncio no “Jornal da Mealhada” de que a Câmara Municipal da Mealhada adquiriu o velho cinema do Luso, com toda a sinceridade, só posso dizer: Parabéns professor Cabral. E também ao senhor Homero, o presidente da Junta de freguesia de Luso, homem dinâmico que conheço bem e, certamente, estará por detrás dessa alienação.
Apenas deixo duas sugestões: a primeira que no restauro subsequente deixem a traça original e tentem manter ao máximo, entre mobiliário e decoração, a fidelização o mais original possível. Ou seja, tentar uma harmonização entre o antigo e o moderno, sem esquecer a necessária comodidade dos nossos dias, mas prevalecendo a memória de outros tempos. A segunda sugestão é que se faça o mesmo em relação aos velhos moinhos de água existente na freguesia. Certamente, tenho a certeza, a seu tempo, se fará um roteiro turístico destes velhos museus do pão.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

AS CONTRADIÇÕES DO BASTONÁRIO

Gosto do estilo do novo Bastonário dos advogados, António Marinho e Pinto. Através da imprensa, há muito tempo que sigo o seu percurso de intervenção Social. Sinceramente, embora discorde de alguns dos seus pontos de vista, fiquei muito contente com a sua eleição. Fez-me acreditar que as convicções não estão em colapso e renascer a esperança de que os mais pequenos, se forem tenazes, alcançarão lugares de topo. Como a maioria, certamente, nunca pensei que seria eleito entre os seus pares. Considerava-o um Quixote a lutar contra as rotinas das velas instaladas, ao sabor dos ventos fortes, senhor omnipotente e responsável pelo movimento cíclico do anacrónico e ultrapassado moinho. “Um moinho”, –entenda-se o tribunal-, prenhe de ritos, onde o “moleiro”, –entenda-se o Juiz-, muitas vezes exacerbando o seu irresponsável poder, consignado por um sistematismo secular e de uma cegueira obstinada, reiterados pela importância elevada do pódio social, desrespeita os restantes trabalhadores –entenda-se advogados, testemunhas, réus e oficiais de justiça- que estão na base do pleito e de um trabalho possível, tantas vezes mal compreendido por aquele. É evidente, no tocante aos juízes, que não estou a generalizar. Como em todas as profissões, há bons e maus profissionais, e também não quer dizer que o novo bastonário tenha razão em tudo o que proferiu. A verdade, diga-se, é que teve o mérito de trazer à discussão pública algumas arbitrariedades perpetradas por uma classe que se considera quase intocável e ao arrepio dos anseios de uma sociedade que reivindica e comunga de uma justiça justa. Especulando um pouco, embora se saiba que exigir justeza a uma justiça racional, feita por humanos, tem algo de irreal e de metafísico. A comunidade exige bom senso, razão, rectidão e imparcialidade, a uma justiça desempenhada por homens; sabendo todos que o homem é naturalmente e intrinsecamente injusto como é que se pode pedir equidade a uma magistratura que os representa e exerce o poder judicial? É silogismo. Ou filosofia do direito, mas, no fundo, embora ansiemos todos pelo equilíbrio dos pratos da balança, temos todos de compreender as dificuldades e as limitações implicantes da virtude de “atribuir a cada um o que é seu”.
Voltando ao Bastonário dos advogados, e pegando na entrevista de Marinho e Pinto concedida ao Diário de Coimbra (DC), em 07 de Dezembro passado -que, naturalmente e coerentemente, ratificavam algumas das suas anteriores afirmações, verbalizadas e escritas, ao longo dos últimos anos, sobretudo, enquanto membro da equipa e entrou em rotura com Júdice, ex-bastonário da Ordem- analisemos, então, algumas das suas afirmações, nomeadamente a “desjudicialização” da Justiça –a seu ver, a negação da justiça que o Estado pratica, num afã de solucionar os problemas de uma sociedade emergente eminentemente litigante, quando recorre a instituições como os Julgados de Paz e centros de mediação de conflitos a fim de esvaziar os tribunais de 1ª Instância de pequenos litígios- e os “Numeros Clausus” de ingresso de novos alunos nas 26 instituições que ministram cursos de Direito. Em seu entender, “bastava haver cinco faculdades de Direito. Temos de limitar. Não podem entrar dois mil advogados por ano na Ordem. Não há possibilidade. A Ordem em cerca de 20 anos passou de cinco mil para quase trinta mil advogados. A maioria dos licenciados em Direito encontra saídas profissionais que nada têm a ver com a formação académica que tiveram”-afirma Marinho e Pinto.
É aqui que discordo e lamento o curto rasgo de vista do bastonário, numa visão proteccionista, restrita, egocêntrica e inconstitucional –sabe disso muito melhor do que eu- em querer limitar o livre acesso à jurisprudência. Como se o direito de sonhar com uma profissão fosse apenas um privilégio de alguns e só depois de ter em conta os rácios estabelecidos. É aqui que é profundamente contraditório. Por um lado pugna pela concorrência, por uma reforma da justiça de acordo com uma nova sociedade de mercado livre, contra os “barões assinalados” num sistema, entre juízes e grandes escritórios de advogados, por outro defende o Cambismo do século XIX, a criação de barreiras e as restrições de acesso à advocacia. Ou seja, é liberal por convicção pragmática e programática e conservador quando toca aos seus interesses de classe. É difícil entendê-lo –e conseguirá ele, em catarse, entender-se a si mesmo? Duvido. Mas também não me espanta, todos os revolucionários só são coerentes na…incoerência.
Voltando às disparidades de rácio elevado de advogados –um para cada 380 habitantes-, esquece-se que um licenciado em direito pode exercer outra qualquer profissão. O Direito deve ser entendido socialmente como o “Quid”, o supra-sumo das regras sociais. Como é a educação, a ética e a moral. Aliás, o que está hoje na base de um aumento desmesurado de litigância é exactamente a ignorância legislativa que grassa na nossa sociedade. A confirmá-lo é um recente estudo da Faculdade de Economia da Universidade de Lisboa sobre a Reforma da justiça, investigação financiada pela Fundação Luso-Americana, que conclui que o caos da justiça em Portugal só se resolve com uma alteração de comportamentos, a nível individual e num maior desempenho processual por parte dos magistrados.
Hoje, qual é a licenciatura que não deva ser encarada como polivalente? Há excesso de licenciados em todos os cursos. E isso é mau? Para o bastonário é, para mim não. O Estado não tem obrigação de garantir emprego a nenhum licenciado. Uma licenciatura é uma formação superior subsidiada pelo Estado – por todos nós- a um individuo. Ou seja, é um complemento acessório intelectual pago por todos. No fim dessa formação, cada um terá de cuidar da sua vidinha. A única imperatividade é a obrigação de todas as faculdades informarem os seus alunos das saídas profissionais possíveis. Apenas isso.
Os crimes e a corrupção nascem geralmente de anseios económicos mas quase sempre proliferam pela ignorância do corruptor, não é pela falta de leis que defendam a transparência. Cada vez mais a introdução ao Direito deveria começar no 10º ano e seguintes. Felizmente, creio, que o Protocolo de Bolonha veio simplificar e tornar o curso mais formativo-cognitivo-intelectual, ao invés de um “massudo” e incompreensível ensino monástico praticado nas faculdades de Direito. Neste aspecto, pelo menos, VIVA A EUROPA!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

GOUVEIA MONTEIRO: O NOVO PRETOR URBANO

Segundo o Jornal “Campeão das Províncias”, o vereador da CDU, Jorge Gouveia Monteiro, não irá recandidatar-se, nas próximas eleições autárquicas, à Câmara Municipal de Coimbra (CMC). Esta declaração foi proferida pelo edil comunista no programa “Praça da República”, transmitido aos sábados do Hotel D. Luís, em Coimbra.
Fazendo um pouco de história, Gouveia Monteiro, está há cerca de seis anos à frente do pelouro da habitação da CMC e fazendo parte da equipa de Carlos da Encarnação desde 2002. Uma jogada de mestre do actual presidente da autarquia Coimbrã, ao chamar ao seu executivo o seu amigo marxista-leninista. No anterior mandato de Manuel Machado, Gouveia Monteiro, pelas suas intervenções acutilantes, era considerado o “enfant terrible” do executivo machadista. Daí, as más-línguas coimbrinhas, chamarem, amiúde, a esta aliança, entre o santo e o profano, de Vodka-Laranja. Seja o que for a verdade é que, reconheça-se, este vereador comunista, para além da sua natural e exagerada demagogia, tem feito um bom trabalho. É uma pessoa simples, afável, inimigo da gravata, e, contrariamente aos seus colegas de vereação, gosta de se misturar com o povo. Muitas vezes se vê por estas ruas estreitas da Baixinha. Por aquilo que parece ser, pelo muito que se tem escrito na comunicação social, e por aquilo que conheço dele –já falei algumas vezes com ele-, descontando alguma natural inclinação para o auto-exagero da sua prestação à frente da habitação, e retirando-lhe alguns sofismas apriorísticos contra os proprietários do edificado urbano –certamente próprios do seu ADN partidário avermelhado, que, muitas vezes, o impedem de ver o óbvio. Retirando estes “senãos”, sinceramente, gosto dele. Inspira-me confiança. Até vou mais longe, facilmente votaria nele para o novo presidente da autarquia em 2009.
Sem ter a prosápia de querer ser presciente, creio que Gouveia Monteiro se prepara para outros voos. Daí, penso que este anúncio de retirada, apenas será para um tempo necessário e, unicamente, para um afiar de espadas e preparar o exército para a nova guerra que se avizinha, ou seja, a conquista da cadeira do poder da Praça 8 de Maio. A ver vamos…

O PRÉMIO EDMUNDO BETTENCOURT

Como já foi publicamente anunciado o prémio Edmundo Bettencourt mais uma vez este ano não foi atribuído –concurso instituído e concebido pela Câmara Municipal de Coimbra (CMC) para galardoar o melhor trabalho da Canção de Coimbra, vulgo fado de Coimbra.
Segundo o jornal Público, de 15 de Janeiro, “em nota de imprensa que ontem emitiu sobre o assunto, o vereador da Cultura, Mário Nunes, ensaia um suave “puxão de orelhas” aos artistas. Comenta que a presente situação denota algum desinteresse revelado pelos vários grupos de fado de Coimbra perante a promoção de uma das mais internacionais das linguagens que Coimbra tem para oferecer no âmbito cultural, dentro e fora de portas (…)”.
Várias questões se poderiam aqui levantar das diversas razões, que, aliás, eram esmiuçadas no citado jornal, com ainda vários depoimentos. Porém, quanto a mim, uma não foi levantada: que fez a CMC para publicitar este concurso? Sinceramente, não me julgo mais informado que qualquer um; leio vários jornais ao dia e, confesso, não vi em nenhum deles publicidade ao dito evento camarário. Tenho a certeza de que foi um lapso meu. Não duvido. Mas assim sendo, certamente, não seria porque houve pouca insistência na publicidade ao aparecimento de concorrentes? Uma coisa que reparo amiúde: raramente os eventos de Coimbra aparecem publicitados na televisão pública. Se havia interesse na publicitação deste concurso porque não foi utilizado esse meio? Ou foi? Confesso, poderia também não ter visto.
Partindo do pressuposto de que a publicidade ficou muito aquém do desejado é evidente que não apareceram interessados. Depois, como sempre, lá caímos no fadinho-desgraçadinho de que ninguém se interessa por nada. Pode ser, mas também pode haver razões objectivas a concorrer para essa omissão. Enfim, um desabafo…

PINA PRATA E A CEGUEIRA DO OURO

  Há muito que reconheço no ex-vice-presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), e outrora presidente da Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC), uma capacidade inata de se antecipar ao próprio futuro. Eu sei do que falo. Trabalhei com ele na ACIC. É um homem com uma capacidade política fora do comum. Quase dotado de presciência. Um estratega espectacular. É um pensador que, antecipadamente, pondera todos os contras e constrói cenários dentro duma rejeição possível. Coimbra –se…se…, mais à frente explico estas reticências- teria muito a ganhar se tivesse um presidente camarário como ele. Pina Prata é um homem muito para além dos políticos do seu tempo. É mestre em “show-of”, sabe antecipar-se aos seus adversários políticos. Sabe criar expectativas nos eleitores, como um publicitário sabe criar falsas necessidades; ainda que não passem disso mesmo: expectativas vãs. É um sofista, um guerrilheiro da dialéctica urbana. Quem não se lembra das suas frases-chavão “empreendedorismo”, “autoestima” e “amar Coimbra”? São frases lançadas no ar, tipo bomba de Carnaval, que fazem barulho, mas não passam de isso mesmo, sem qualquer acção prática. São palavras que tentam ir ao encontro das necessidades de quem as ouve, que tentam funcionar como dogmas sem explicação e, ao mesmo tempo, justificar uma atitude proactiva –outra palavra que Pina Prata adora. Foi assim com Manuel Machado, que, com este bem orquestrado programa pseudo social, muito contribuiu para a sua queda em 2002, na CMC, era então, desde 1998, Pina Prata presidente da ACIC. É agora com a criação do seu site de apelo à cidadania do povo de Coimbra. Mais uma vez, aos olhos dos conimbricences, este homem, saído da bruma demagógica, veste a armadura de D. Sebastião, e de site “em punho” surge como salvador da Lusatenas, na defesa dos ofendidos e descamisados.
Porém. E aqui é que reside o busílis da questão. Pina Prata não controla a sua ambição. A sua sede de conquista não tem limites. Só o infinito o contenta. A nível regional é um Santana Lopes, para melhor. Pina Prata, como o ex-primeiro ministro não joga no acaso. Tem um grande carisma e convence com uma dialéctica estudada ao pormenor. Aposta forte e sempre prevendo os diversos cenários. Sabe que é um bom “general”. Sabe fazer-se rodear de todas as tropas necessárias para ganhar as sucessivas escaramuças. Mas chegado à batalha final perde a guerra. Os seus generais-ajudantes de campo, apercebendo-se que ele não olha a meios para alcançar os fins, abandonam-no, por se sentirem utilizados, ou porque não partilharam, em seu proveito, dos despojos da conquista que tinham previamente idealizado. Foi assim na ACIC, onde os seus outrora amigos do peito são hoje seus inimigos de estimação. E o mesmo se passou na CMC, a sua destituição de vice de Carlos Encarnação não foi mais do que uma antecipação deste. Carlos Encarnação, como sósia-figurante do desaparecido Abecassis, presidente da Câmara Municipal de Lisboa na ida década de 1980, parece que, de olhos meio cerrados, está sempre a dormir, mas quando menos se espera o “dolente” acorda estremunhado e parte a louça toda em seu redor. Mas sabe resguardar-se dos estilhaços. A destituição de Pina Prata, em 2005, não foi mais do que um antecipar, por parte do actual Presidente da CMC, de grandes problemas que iriam surgir num futuro próximo. Por acaso, para o bem e para o mal, esses imbróglios ficaram aquém das expectativas. Resumiram-se à novela “IParque” –parque industrial e tecnológico, a construir em Taveiro- e pouco mais. Mas Carlos Encarnação, ao destituí-lo, esperava um terramoto de grau 8, na escala de Richter. Felizmente, para Pina Prata, não passou de grau 4. Às vezes as placas tectónicas de grande porte podem ser amparadas por outras de ínfima dimensão e podem impedir o seu movimento de cataclismo. Foi o que aconteceu. Essas placas, desprezíveis, do ponto de vista de importância, devido à sua implicância directa, são por vezes o suporte que impede a deslocação e a queda da superstrutura e ampara o movimento de todo o centro nevrálgico da terra. E foi o que aconteceu aqui também. Essas desprezíveis e miseráveis placas, que nunca deixarão de o ser, evitaram um terramoto.
Deixando as metáforas convulsivas sísmicas, volto então a Pina Prata. Sinceramente, reconheço-lhe imensas qualidades. Às vezes ponho-me a pensar o que seria Coimbra se este homem fosse verdadeiramente um estóico em relação à sua desbragada ambição pessoal. Infelizmente não é. É um materialista demasiado ambicioso. Quem perde é ele, que nesta triste odisseia, acaba por não ser tomado a sério por ninguém. Mas, o mais grave, é que perdemos todos muito mais. Coimbra perde muito em não ter à frente dos seus destinos um homem com a sua inteligência. Escrevo isto com tristeza e lamento.
Porque é que Deus –sem ofensa para os crentes-, sendo o supra ente transcendental-divino-“político” de eleição, não fez o homem perfeito à Sua imagem e semelhança? Tenho a certeza que foi para nos castigar a todos. Só pode.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A JUSTIÇA E A CIDADANIA

Pegando na frase do novo Bastonário dos Advogados, António Marinho e Pinto, de que “Não há justiça sem cidadania. Não há cidadania sem justiça”, podemos especular um pouco sobre o tema justiça e cidadania, hoje, tão candente, na boca de toda a gente.
Afinal o que é isso de cidadania? Comecemos por aqui. Será apenas a prerrogativa, a regalia aplicada a um cidadão, que na sua qualidade de burguês ou habitante que vive e trabalha na cidade? Vejamos o que diz o dicionário: “qualidade de cidadão; vínculo jurídico-político que, traduzindo a pertinência de um individuo a um Estado, num conjunto de direitos e obrigações”.
Nesta acepção é o mesmo que nacionalidade. Nos termos da Constituição, são cidadãos todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional. Não deixa de ser curioso, a partir de 1791, sobre os auspícios da Revolução Francesa, atribuir-se este qualificativo citoyen a todos os habitantes da cidade com direito a voto e que, por decreto, deveria substituir todas as antigas formas de cortesia “monsieur e madame”. Os seja, pressupõe-se que, em pleno iluminismo, contrariamente ao Ancien Regime, havia a preocupação de consignar a todos os mesmos direitos e as mesmas obrigações. Acabando com os títulos valorativos de classe. Curiosamente por cá tudo continuou na mesma. Apenas uma curiosidade.
Retomando então o vínculo “jurídico-político” relativo a cidadania, e acolhendo a frase do Bastonário dos Advogados, analisemos então, hoje, de que modo esse vínculo é exercido. Para se exercer uma obrigação –reivindicar um direito é mais fácil-, no caso a cidadania, ela deveria ser respeitada e considerada um “valor” –muito mais que um princípio Constitucional, que, no fundo, não passa de algo estático e plasmado no supremo livro das leis da República- despoletada, acarinhada e incentivada pelo poder político. Acontece que não é. Os gestores da res publica não gostam de quem exerce em pleno o valor cidadania. Aliás, criam barreiras desmotivadoras, que só sendo bastante teimoso se consegue calcorrear. Aos olhos do gestor da polis este indivíduo é considerado um “outsider”, um não alinhado, um perigoso promotor de conflitos. Só quando, mais tarde, este cidadão começa a ser reconhecido pelos seus entes com respeito, alguém que se preocupa com eles, um defensor que advoga a bandeira das suas fragilidades perante um poder tantas vezes absolutista, só então o domínio político desce do seu pedestal aparentemente inatingível, e, quase como milagre passa a tolerar este “invasor” do seu poder omnipotente. Da tolerância passa ao aliciamento, e do aliciamento à proposta de mudança de posição para o seu lado. Sabendo que assim calará uma voz incómoda.
Por acaso o leitor já tentou exercer um direito simples de cidadania, por exemplo, tentar falar numa assembleia, ou executivo Municipal? Certamente, talvez não. Mas posso contar-lhe aqui os escolhos que quem o quer fazer terá de pisar. Vou contar o que se passa em Coimbra. Imagine que é a primeira vez que o faz. Entra nos Paços do Concelho. Mesmo à sua frente depara-se-lhe um “securitas”. Conta-lhe ao que vem. Ele mandá-lo-á subir um grande lance de escadas, lá ao cimo destas que vire à esquerda e bata na segunda porta. Você sobe, vira à esquerda, e encontra uma pequena saleta com uma série de portas fechadas, de um lado e de outro, com três metros de altura. Aí começa a sua primeira dificuldade: é do lado esquerdo ou direito? Depois de uma hesitação, arrisca no lado direito, na segunda porta. Bate, bate e…nada. Bom, nesse caso, arrisca a terceira porta. Bate com força e nada. Continua a bater, como se martelasse a aldraba de uma quinta no Minho. Finalmente alguém abre. Teve sorte, é uma bonita mulher e, ainda por cima, muito simpática. Transmite-lhe o que o traz ali. Vai mandá-lo esperar. Você espera e quase desespera. A bonitaça demora. Finalmente vem com uns papéis na mão para você preencher. A sua identidade, a sua profissão, e que assunto o leva ao executivo Municipal? Saberá que tem de preencher este formulário com uma semana de antecedência? Não sei o que se passa noutras autarquias, certamente que os seus processos estarão de acordo com o Código de Procedimento Administrativo, mas a verdade é que por vezes, mesmo estando “dentro da lei” são criados pequenos entraves que, a quem não está habituado, à primeira dificuldade esmorece. Até porque expor-se e falar em público não é fácil. É aqui, nesta inacessibilidade, que a comparticipação cívica, a cidadania, ao invés de ser motivada, morre à nascença.
Repetindo o mesmo aforismo, de que não há cidadania sem justiça, afinal o que é a justiça? Justiça será “apenas” a aplicação da lei que se exerce no tribunal através do direito? Nada disso. Pode haver direito e não haver justiça –basta lembrarmo-nos dos Tribunais Plenários no Estado Novo. Mas também pode haver justiça sem direito – o direito é um conjunto de normas gerais e abstractas, dotadas de coercibilidade, que regulam os comportamentos e as relações numa sociedade-, o direito natural respeitava o homem independentemente de qualquer convenção ou legislação.
Então, nesse caso, o que é afinal a Justiça? Aristóteles deixou-nos em legado que a Justiça é a soma de todas as virtudes, a virtude universal. A justiça é um desejo de equidade, uma transcendência humana, uma realização imanente de igualdade que sai de dentro (de nós) para fora –o direito, contrariamente, é algo imposto de fora para dentro (de nós). Embora, há que ter atenção, como dizia Cícero, a obsessão pela igualdade pode levar à iniquidade, se não se levar em conta a alteridade, as diferenças de cada um.
É então chegado o momento de concluirmos que quando falamos em crise da justiça, associando-a essencialmente aos tribunais, mais não estamos do que a desonerar-nos da nossa responsabilidade, do valor “aequitas”, de que falava Cícero. A verdadeira crise começa em nós, pessoa, depois perpassa às instituições públicas, acabando toda esta falta de respeito pelo próximo, como diarreia conflitual, nos tribunais. Penso que a crise das religiões, num continuado e cada vez maior agnosticismo e ateísmo, leva a um “endurecimento”, a uma maior insensibilidade humana. Fala-se numa nova sociedade emergente, apelidada de litigante, associada a um consumo exacerbado e à criação de novos produtos e de novas necessidades materiais, que no fundo, penso, tentam preencher o vazio existencial que existe dentro de cada um de nós.

sábado, 12 de janeiro de 2008

ATÉ AMANHÃ...MINHA AMIGA MARIAMARES

(IMAGEM DA WEB)



 Hoje, ao entrar no site do Netlog, abri os recados e nem queria acreditar. Uma mensagem de um cibernauta de Castelo Branco, que, embora não tivesse contacto comigo, fez o favor de me avisar. De forma lacónica escrevia assim: “Fui informado pela (…) que a MariaMares morreu. O Netlog está de luto. Flores para ela”.
Bolas! Há pessoas que pelo seu espírito imanente de positividade, pelo brilho intenso do seu olhar, como se fossem candeeiros acesos numa qualquer noite escura, que sem nada fazerem a sua áurea transmite-nos um bem-estar inexplicável. A sua companhia proporciona-nos uma espécie de fuga, uma transmutação para um qualquer lugar paradisíaco. As palavras saídas da sua boca são sempre de alento. No meio de uma qualquer narrativa triste, de repente, sai uma sonora gargalhada. Estas pessoas nunca deviam morrer!
Assim era a Guida, mais conhecida como MariaMares, aqui no Netlog. Todas as suas raízes estão aqui em Coimbra, de modo que vinha amiúde vezes à cidade do Mondego. Conhecemo-nos pessoalmente há menos de um ano. Logo no primeiro encontro de amigos falámos das nossas vidas, das preocupações familiares e as tristezas que, por vezes, esta nossa família que, em princípio, sempre deveria estar ao nosso lado e não está. Muitas vezes, porque somos diferentes, estes nossos parentes directos, não nos entendem. Outras vezes, por questões de partilhas –esses malditos bens materiais que, ao invés de nos aproximarem, acabam por nos afastar para sempre de pessoas que muito amamos- acabamos por romper para sempre os laços de uma reminiscência que deveria ser cultivada por todos. Enfim é a vida. E acerca destes conflitos familiares conversámos bastante, nas duas vezes que estivemos juntos e em que ela fez o favor de me visitar. Ao mesmo tempo que me ajudava em explicações acerca da Internet, na qual sou muito nabo, e ela, pacientemente, me ensinava.
A Guida preservava muito os seus laços familiares e gostava muito de Coimbra. Nunca perdeu o cordão umbilical que a ligava a esta cidade que considerava sua. Esta era o seu berço que, mesmo longe, a viver em Castelo Branco, na sua adorada quinta, onde as toutinegras vinham poisar à sua janela, como a saber de novas da sua amiga. Por imperativos ia ser obrigada a “desapegar-se” do seu paraíso terreno. Não sei o que a fez partir tão precocemente, mas, provavelmente, acredito que o separar-se de um projecto que tanto amava, certamente, essa tristeza contribuiu para a sua partida.
Sinceramente, estou triste. Acredito que muitos mais seus amigos estarão. Muitos, muitos. A Maria Mares era muito rica em amigos. Que me resta dizer?! É a vida…
A Guida partiu. Até amanhã MariaMares.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

BAIXA DE COIMBRA: A TRAGÉDIA DA RUA VELHA

“Não há justiça sem cidadania. Não há cidadania sem justiça”, assim se refere o novo Bastonário dos Advogados, António Marinho e Pinto, na sua página pessoal de candidatura na Internet.
“(…) Os homens livres fazem-se na vida urbana, em que as cidades, pelo movimento de pessoas e de ideias, enraízam a necessidade de igualdade e de cidadania. (…) A coesão social é um dos maiores (problemas) e exige não apenas capacidade para oferecer níveis razoáveis de conforto e bem-estar a todos os cidadãos, mas também estímulos à própria identidade da população e ao desenvolvimento de legítimos sentimentos de pertença que ajudem a cimentar os laços da comunidade” –António Barreto, em palestra da comemoração do 6º aniversário de Rui Rio como presidente da Câmara Municipal do Porto, em 6 deste mês. Extracto retirado de um texto de José Eduardo Macedo, no Jornal Público de 9 de Janeiro.
Pegando no pensamento destas duas iminentes figuras da actualidade, reparamos na sua preocupação em apresentar a justiça como o vector máximo estruturante de uma comunidade socialmente coesa, em que as suas disfunções contribuem para as desigualdades, para a insegurança, e geram no cidadão, vítima de abandono, dessa (des)promoção da justiça, um sentimento de injustiça. Por um lado, fazem germinar uma frustração, que no limite leva a actos individuais de verdadeiro desespero, com consequências inimagináveis. Por outro, levam ao descrédito e à erosão relacional entre este mesmo cidadão e o poder político, que ao invés de resolver as suas pequenas/grandes dificuldades, prefere seguir um caminho autista, insensível ao apelo isolado, apregoando e escudando-se numa defesa colectivista. Na prática, raramente toma em atenção as necessidades do cidadão, individual/pessoa, como elo intrínseco desse mesmo colectivo. Em consequência, desta displicência, deste falso colectivismo, assistimos a um individualismo feroz, em que é cada um por si. Cada indivíduo, num compreensível egocentrismo gerado por uma iniquidade crescente, se defende a si próprio e apenas acredita em si mesmo e nas suas possibilidades, recorrendo à “acção directa” na defesa do que é seu.
Vem isto a propósito do que se passa na Baixa, na Rua Velha. Com um estabelecimento de hotelaria no fundo desta artéria de cerca de 50 metros de comprimento e três de largura, conhecido como a “tasquinha da Graça”, Esta pequena petisqueira foi literalmente entaipado há mais de dois anos, pela Câmara Municipal de Coimbra (CMC), com o propósito da construção de um abrigo para carenciados. Esta obra está parada por ordem do IPPAR, agora IGESPAR, pelo menos foi essa a explicação aventada pela CMC, senhoria da D. Graça e também proprietária de um imóvel contíguo. No inicio da obra, há cerca de dois anos, foi deixada apenas uma pequena nesga de cerca de 80 centímetros de acesso ao “ganha-pão” da Graça, em que apenas pode passar uma pessoa de cada vez, e que, pelo entaipamento, fica completamente escondido e desapercebido a quem circula na rua principal, a Rua Eduardo Coelho. Além da subsequente quebra de negócio, a D.Graça já foi assaltada 8 vezes em cinco meses. Sim repito, 8 vezes. Sete durante a noite e uma em pleno dia. Podemos até pensar que esta continuada má sorte desta desdita senhora até pode ser maldição da Rua Velha, tomando em conta a toponímia da rua. Mas não, este azar continuado é provocado pelo taipal, propriedade da CMC. Mas se assim é, pensará o leitor, provavelmente a autarquia não saberá, ou não tomou conhecimento, do prejuízo que está a causar a um seu cidadão. Pois desengane-se. A autarquia está farta de saber o que se passa e faz de conta que “no lo passa nada”. Além do Diário de Coimbra, ter noticiado ao longo de todo o ano transacto, várias vezes, o drama desta trabalhadora, um comerciante, seu vizinho, denunciou este acto discricionário e discriminatório da administração pública, em 8 de Outubro findo, em Reunião do Executivo Municipal. Além disso, referiu o estado psicológico em que se encontrava esta senhora. Perante mais uma provocação de um segundo empreiteiro, contratado pela CMC, em estreitar a passagem, a D. Graça pegou numa rebarbadora e, com ela ligada, ameaçou o encarregado da obra, e só assim ele parou. Depois deste alerta, uma vez que a obra continua adiada sine die, seria suposto que o Paço do Concelho, sendo abstractamente pessoa de bem, certamente, mandaria retirar o taipal e deixaria apenas a estrutura em ferro que assegura o mantimento da fachada. Nada disso. Limitou-se a colocar uma placa no inicio da rua a indicar o café da D. Graça. Se não fosse trágico, daria vontade de rir.
No dia 8 e 9, deste mês de Janeiro, mais uma vez o “Diário de Coimbra” e o “Correio da Manhã” noticiam em título: “Café da Baixa assaltado oito vezes em cinco meses”.
Quando lhe pergunto como se sente e como vão as suas forças, responde: “ vou ficar a dormir aqui. Quando “limpar” a vida a um ou dois, talvez então me dêem atenção”.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

O FERRO FORJADO EM COIMBRA (1)

Lourenço Chaves de almeida (1876-1952) foi, entre outros grandes mestres do ferro forjado de Coimbra, talvez um dos seus mais ilustres obreiros. A propósito da sua biografia saída recentemente do prelo, pela mão do historiador José Amado Mendes, que, segundo o Jornal “Campeão das Províncias”, “o levaram a escrever um notável trabalho de recolha e repositório de informações que modestamente intitulou “Memórias de um Ferreiro” e que agora foram dadas à estampa”. Estas “memórias” “foram elaboradas na década de 1940, quase no final da sua vida, altura em que já lhe faltavam condições para se dedicar à arte. Além da idade, foi perdendo familiares e amigos, ao mesmo tempo que escasseava a matéria-prima, em plena II Guerra Mundial”. –extrato retirado da contracapa do Livro de José Amado Mendes.
Porque possuo alguma bibliografia de Lourenço Chaves de Almeida, sobretudo recortes de Jornais da sua época áurea de “trovador do ferro”, como lhe chamou o grande poeta Afonso Lopes Vieira de quem, aliás, era um grande amigo, e, o mais importante, possuo”As Minhas Memórias”, escritas pelo punho do grande mestre do ferro burilado, ou seja, uma segunda versão, escrita pelo punho de Lourenço Chaves de Almeida, como mais abaixo compreenderão.
Infelizmente, não pude contribuir com este legado, que certamente muito teria enriquecido a obra (re)escrita por José Amado Mendes –que segundo o prefácio da sua obra, existem actualmente três versões das “Memórias de um Ferreiro”, uma delas manuscrita pelo próprio Lourenço Chaves de Almeida, e “permaneceu até há pouco no Brasil (na cidade de S.Paulo)”- porque não tomei conhecimento dessa recolha biográfica de Lourenço Chaves de Almeida. Só agora, através do “Campeão das Províncias”, li e me apercebi, certamente, se tivesse sabido antecipadamente, o quanto teria podido contribuir para uma obra excelente que é uma justa homenagem a um grande artífice do ferro.
Para que o leitor entenda como surgiu o ferro forjado em Coimbra, mesmo fugindo um pouco ao tema do homenageado, citando o jornal “Rádio Nacional”, da Emissora Nacional de Radiodifusão, de 7 de Março de 1943. Com o título “Os Escultores do Ferro”, e assinado por José Viana, relata o jornal: “Li algures não importa rebuscar onde, que –“quando a obra é gigantesca a vida do homem que a produz amesquinha-se.
Eis, precisamente, o que se dá com os buriladores do ferro, esses artistas de Coimbra, os primeiros que puseram em relevo e chamaram a atenção de todo o Portugal e do estrangeiro para a arte do ferro, até há umas dezenas de anos atrás julgada impossível de reviver.
Foi há quarenta e poucos anos, mais ou menos, que ressurgiu a nova era dos lavrantes do ferro.
Mestre Gonçalves (António Augusto Gonçalves), nome que vive na recordação de todos os conimbricenses e cuja obra de carinho artístico se encontra patente no Museu Machado de Castro, hoje superiormente dirigido pelo eminente professor dr. Virgílio Correia, regressara de Paris, impressionado com a Exposição de novecentos e os trabalhos em ferro que ali vira.
(…) Então, graças ao seu entusiasmo e à acção da “Escola Livre das Artes do Desenho”, por ele criada e que instalou na velha “Torre de Almedina”, surgiram os novos artistas.
Ali, no ambiente daquelas enegrecidas e pergaminhadas paredes, teve início a obra do renascimento dessa arte de extraordinária beleza!
(…) Dizia-se, quando Mestre Gonçalves tomou sob os seus ombros tão pesado encargo, que a única indústria artística com condições de vida, no país, era a da ourivesaria, nascida no Porto e ali vivendo, de geração em geração, como herança sagrada que atravessa os tempos, conseguindo resistir a todas as vicissitudes.
Principiou o ferro a ser martelado por forma diferente. E, no carinhoso afago com que era trabalhado, sempre a obedecer às regras do desenho e a um verdadeiro sentido artístico, nasciam novos trabalhos, em que se encontravam novos artistas.
Salientam-se, nesse período, os nomes de João Machado, Manuel Pedro de Jesus, Conceição, Fernandes Costa, e depois, mais recentemente, Lourenço Chaves de Almeida, Daniel Rodrigues e Albertino Marques.
Continuando a citar o “Rádio Nacional”,(…) “hoje, só os três últimos nomes que citei nos dão esses trabalhos em ferro, obras primas, irmãs daquelas que nos legaram os grandes lavrantes do ouro.
E com a mesma simplicidade, com que Gil Vicente se notabilizou como artificie do ouro, estes, desconhecidos da maioria dos portugueses, vão produzindo obras como o “Satiro” e “Salomé”, castiçal e candelabro, em que Chaves de Almeida se afirma autêntico estatuário.
(…) As obras destes lavrantes abraçam os mais variados estilos. Os dois primeiros, talvez mais familiariazados com o gótico, o manuelino e o rocaille, também não encontram segredos no renascimento, mais da simpatia de Albertino Marques.
(…) Coimbra possuía já uma notável escola de canteiros, escultores também, que demonstraram nitidamente, graças ao superior critério de um bispo-artista –o saudoso D. Manuel de Bastos Pina-, a profundeza da intuição escultural, também inspirada no renascimento, artistas que se afirmaram e continuam afirmando num meio como o actual, em que nem sempre vence o sentido estético do artista.
(…) É necessário que as casas portuguesas saibam acarinhar as portuguesíssimas obras em ferro, divorciando-se do mau gosto de tanto e tanto estrangeirismo, ou do “pirismo” da maior parte das concepções da chamada “Arte Decorativa” moderna. (Cont.)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O PAI NATAL DA PRAÇA 8 DE MAIO

Do alto da sua chaminé de quatro metros, o Pai natal, instalado como ícone na Praça 8 de Maio, em Coimbra, se tivesse cérebro humano, em catarse, pensaria certamente: “quem sou eu, que faço aqui, os fins justificaram todos os gastos com a minha instalação? Será que consegui atrair mais pessoas à Baixa? Será que não começarei a ser um personagem “déjà vu” que já cansa o olhar, e nem as crianças acreditam em mim? Não serei um fantasma de mim mesmo?
Será que estes lojistas, cerca de oito centenas, estarão certos a continuarem a insistirem em gastos de animação? Esta continuada injecção de animação forçada levará a algum lado? Não será como tentar reanimar um velhote com 90 anos, que se encontra em morte clínica? Mesmo que ele recobre o que se espera dele para além das suas nove décadas de vida. Espera-se que, através de umas injecções rejuvenescedoras volte a ter 25 anos? É loucura não admitir que a Baixa está velha e pode competir com os novos Centros Comerciais, pujantes de vitalidade, cheios de força de capital e adorados por todos, sobretudo os mais novos, que são o futuro deste país. Continuar a querer competir com estas novas catedrais de consumo, é o mesmo que pôr a capela da nossa aldeia a pedir meças ao Vaticano. Neste caso, perguntar-se-á, então não se faz nada? É evidente que se deve fazer alguma coisa, não se pode ficar de braços cruzados. Mas o que se está a fazer está errado, é como bater em ferro frio. A primeira medida racional é aceitar que a Baixa com o comércio que existe não tem viabilidade económica. A maioria das lojas, sobretudo sapatarias e pronto a vestir, vão ter de ser reconvertidas em comércio alternativo ao que existe nos centro comerciais. Só resistirão as de marcas internacionais, o resto será paisagem, com passaporte para a falência. A Câmara Municipal, tendo em conta o melhor para a comunidade, deve desenvolver “demarches” no sentido de facilitar a reconversão daquelas lojas para outras actividades, embora, à partida, em face do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), tal mudança de ramo comercial se não afigure fácil. Os comerciantes instalados estão atados de pés e mãos. Não podem trespassar porque, em face das alterações do NRAU, as transmissões foram tornadas completamente inviáveis. Por outro outro lado, mudar de ramo implica novas negociações de renda com o senhorio, o que se torna, também, completamente inviável. Se não houver sensibilidade os comerciantes de rua estão entregues à sua sorte. A curto prazo será um verdadeiro cataclismo humano. A maioria do comércio de rua subsiste por obra e graça de rendas de miséria. Se os proprietários accionassem os novos mecanismos de avaliação, através das CAM, Comissões de Avaliação Municipais, a maioria das lojas encerravam em menos de um fôlego. A sua sorte é o receio dos senhorios perante o aumento desmesurado do IMI, Imposto Municipal sobre Imóveis. Como o Governo quis ser mais papista que o Papa, quis mamar a montante e a jusante, acaba por não levar nada e prejudicar fortemente os centros históricos, que assim continuarão a definhar em morte lenta, e, com estas falsas medidas revitalizadoras, vai-se adiando as necessárias medidas pró-activas que poderão salvar da falência os poucos sobreviventes.
Há muito que a autarquia deveria ter criado um gabinete denominado de via-verde para instalação de novos comércios alternativos e que não existem na baixa, sobretudo apostando na hotelaria. Hotelaria de qualidade, obviamente. É por aqui que a revitalização destas zonas velhas deve começar. Mas se é assim, porque continuam a insistir na animação, nas “noites brancas”, em palhaços e outras alegorias?
Será que eu estou errado? Se calhar estou! Afinal sou só um boneco instalado na Praça 8 de Maio. Posso parecer –apenas e só parecer- que vejo mais do que os outros, mas isso será talvez por me encontrar a 6 metros do chão. Só isso poderá justificar a minha aparente clarividência. Mas não tenham ilusões, são mesmo aparências premonitórias da imagem de um boneco centenário. Por isso mesmo não me levem muito a sério”.

sábado, 5 de janeiro de 2008

E AGORA SENHOR BARROS?

Há dias, em resposta a uma longa entrevista do encenador de teatro de “A Escola da noite”, António Barros (AB), em que zurzia a torto e a direito, em tudo o que mexia na cultura, desde Filipe La Féria a Quim Barreiros, desde o Vereador da Cultura da CMC, Mário Nunes até aos ranchos folclóricos. Excepto o teatro, de que faz parte, tudo o resto é, a seu ver, uma porcaria de cultura baixa, destinada a iletrados, como no seu entender é o povo. Nas suas declarações, depreendia-se ser um escândalo o Departamento da Cultura de Coimbra, timonada por Mário Nunes, conceder subsídios a estes grupos desde 1000, até 9000 euros, que, a seu ver, eram puras “macaqueações”. Como lhe respondi em carta publicada no Diário de Coimbra, com o título “O Bombista Suicida da Cultura Coimbrã”, este senhor Barros não conhece nada, não sabe nada do que se passa dentro destes grupos. Não sabe, certamente, que a maioria deles são constituídos por cerca de duas a quatros dezenas de pessoas, onde se incluem muitas crianças. Nalguns deles estas crianças aprendem música. Não deve saber que a maioria de saídas destes ranchos só é possível graças a trocas de espectáculos entre si, precisamente porque não existe dinheiro para “cachet”. O trabalho cultural destes eméritos grupos deve-se praticamente só ao seu amor às suas terras e à carolice desprendida de interesses financeiros pessoais. Em quase todos os grupos, exceptuando o acordeonista –porque é mais raro- todos trabalham pró bono. Até as roupas que vestem são pagas do seu bolso, assim como as deslocações, na maioria dos casos, são feitas nos seus automóveis e a expensas próprias. Já não falando do tempo despendido, quantas vezes com licenças sem vencimento para poderem acompanhar os seus grupos em saídas para fora.
Como dizia eu, então, este senhor Barros escandalizava-se completamente, pondo-se em bicos de pés, por estes grupos terem uma pequena fatia de subsídio da Câmara Municipal de Coimbra -mais que justa, e só peca por ser ínfima. A seu ver, só o teatro, e nomeadamente o seu, teria direito a receber subsídios e ainda mais: o Teatro da Cerca. Este Teatro está-lhes prometido e, pessoalmente, não contesto esta decisão. Coimbra precisa de boas salas de espectáculos, não só teatrais melodramáticos, mas também teatro de Revista à portuguesa.
Acontece, agora, que a “Escola da noite” foi contemplada, pelo ex-Instituto das Artes, na importância de 100 mil euros. Ou seja vinte mil contos em moeda antiga, saídos dos nossos impostos. Esta notícia está plasmada no Diário da República de 3 de Janeiro deste ano, conforme refere o Diário de Coimbra de 04 deste mesmo mês. Então interrogo: estará satisfeito o senhor Barros? Só espero, como todos os conimbricenses, que esta verba seja bem aplicada na cultura de que tanto se faz apregoar, quase como pastor adventista. Tenho de ser justo, a “Escola da Noite”, como outros grupos de teatro, têm feito um bom trabalho em prol da arte cénica, ressalvo. O que entendo é que, por vezes, para reivindicar algo que nos pertence por direito legitimamente, não precisamos de arrasar tudo à nossa volta, inclusive o Vereador da Cultura, Mário Nunes. As suas decisões, no seu cargo, não foram as mais justas? Não sei, se calhar não. Mas, como é costume, se tivessem sido outras, certamente, teriam sido contestadas na mesma. Quem consegue contentar Gregos e Troianos? Obviamente, ninguém. Porém, uma coisa é certa, este homem merece o nosso respeito, muito tem feito pela cultura em Coimbra, nomeadamente à frente, durante muitos anos, no GAAC, Grupo Arqueológico de Arte do Centro. Chamar-lhe vereador da anticultura, como fez António Barros, é baixo e rasteiro. É sobretudo uma profunda falta de respeito.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A (DES)AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA

Os boatos começaram em Setembro. Circulavam de boca em boca, em Coimbra: “ o Continente, do Vale das Flores, vai fechar”. Como é normal nas atoardas, a cada conto acrescenta-se um ponto, então para tornar mais dramático e justificar de que a cidade estava esgotada, para além do admissível, em quotas de oferta de vendas, per capita, em grandes superfícies na Lusa Atenas. Comentava-se à boca cheia que este encerramento se deveria à falta de viabilidade económica daquela primeira grande superfície que foi criada em Coimbra, em 1993, perante os seus opositores directos; as marcas francesas da grande distribuição mundial, o Carrefur e o Jumbo, do grupo Auchan, implantadas, respectivamente, nos Centros Comerciais, Fórum Coimbra e Dolce Vita. Bem no fundo, por parte do comércio tradicional, existiria uma ponta de prazer sádico de que o evolucionismo também se aplica à economia, e, também aqui, numa luta de titãs, os gigantes também se abatem. E quando o bolo do consumo interno, que já há muito é dividido por estes grandes grupos económicos –cerca de 88% do total nacional, segundo o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal- é natural, pelas leis da economia, que estes dinossauros se exterminem uns aos outros, numa espécie de luta “corpo-a-corpo”, como quem diz, de baixa, a rebaixa de preços. Basta lembrar que durante o mês de Novembro e princípio de Dezembro, estas duas megasuperfícies, digladiando-se entre si nos preços de venda ao consumidor, fizeram “dumping” –prática comercial desleal, proibida por lei, que consiste em vender os produtos abaixo do preço de custo. O Continente, de Belmiro de Azevedo, vendeu brinquedos com 50% de desconto, cujo preço final ao consumidor era muito abaixo do seu custo no fornecedor, pelo menos pelas tabelas praticadas ao comércio de rua. Com o Carrefur de Coimbra, a mesma coisa; vendeu artigos para o lar muito abaixo do seu preço nominal. Um comerciante com loja na Baixa, com vários funcionários, quase de lágrimas nos olhos, interrogava-me, em que país estaríamos, quando esta prática, sendo ilegal, era feita nas barbas de toda a gente, como lhe seria possível sobreviver e pagar salários aos seus empregados.
Perante a maior surpresa de todos, comerciantes de rua e consumidores, e contra todas as estimativas admissíveis, contra tudo o que se entende pelo âmbito da Autoridade da Concorrência –segundo o seu presidente Abel Mateus, em entrevista à Revista Visão, em 11 de Janeiro de 2007, esta entidade reguladora do Estado, “visa combater o abuso das posições dominantes e proteger a sociedade dos prejuízos que o monopólio pode causar e a preservar a democracia económica e política”- esta Entidade Reguladora permite ao grupo Sonae a compra da marca Carrefur em Portugal. Implicando os espaços já abertos e licenças de construção aprovadas e a aprovar.
Não é preciso ser guru em economia para ver que alguma coisa vai mal neste reino dos gigantes do consumo a retalho. Pode argumentar a Autoridade da Concorrência que esta “fusão” não vicia a concorrência em Portugal? Lá poder pode, e fê-lo do alto do seu pedestal revestido de dupla autoridade! Porém deve ser para os franceses (do Carrefur) verem, não deve ser para os Portugueses entenderem.
Hipoteticamente, admito que grandes cidades, como Lisboa e Porto, esse vício formal possa não ser sentido por parte dos consumidores, mas cidades médias, como Coimbra, esta aquisição prejudica claramente muitíssimo os consumidores. Bem pode argumentar a Autoridade da Concorrência que, em deliberação, obrigou o grupo Sonae Distribuição a prescindir do Modelo de Eiras e do projecto de Condeixa e que “essa medida não é susceptível de levar à criação ou reforço de posição dominante da qual poderiam resultar entraves significativos à concorrência efectiva”. Metaforicamente, fazendo-nos passar pelo “Zé Povinho”, de Bordalo Pinheiro, com “manguito” e tudo, é caso para interrogar o presidente da Autoridade da Concorrência, Abel Mateus: IMPORTA-SE DE REPETIR?