sábado, 2 de junho de 2007

1-A BAIXA DE COIMBRA: QUE FUTURO?





 Como foi amplamente noticiado, vai ser levado a efeito na Câmara Municipal, no dia 5 de Junho, pelas 21 horas, uma conferência, cujo tema será “A Baixa de Coimbra: que futuro?”-Estratégias de Revitalização Comercial-, inserida, segundo um folheto distribuído com o logótipo da autarquia, "URBE VIVA –NORTH EAST SOUTH WEST –INTERREG IIIC ESTE", e com a bandeira da Comunidade Europeia. Pressupõe-se assim –para os mais lerdos como eu- que se tratará de uma conferência inserida, provavelmente, no III quadro Comunitário de apoio. Digo eu, sei lá. Podiam ter tido essa preocupação de esclarecer. Bom, mas não tiveram…está bem, continuemos. Eles também não têm culpa que eu seja ignorante, sejamos justos. Pela solenidade, com abertura da sessão pelo presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Carlos Encarnação, tudo indica que esta CONFERÊNCIA FINAL LOCAL DO PROJECTO URBE VIVA INTERREG III C ESTE… é coisa para intelectuais.
Mas como às 21h45 é feita (finalmente, abrenúncio!) a apresentação da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC): apresentação, objectivos e intenções, tudo indica que foi uma maneira enfeitada e floreada de, finalmente, fazer o arranque da ex-defunta e agora ressuscitada, candidata a finada APBC.
Como às 22h15 estará anunciado o debate sobre a tão propalada revitalização comercial e, inevitavelmente, da Baixa, já que ambos, como siameses, dependem um do outro. Ou seja, não haverá revivificação comercial sem a subsequente revigoração da Baixa. Se morrer um morrem os dois. É uma pena que os gestores da polis, nos últimos 15 anos não o tenham entendido. Isto é -retiro o que disse-, claro que entenderam, mas como a sua função é entreter as hostes com palavras quiméricas, os actos ficarão para quem vier a seguir. Estes apanharão os cacos do que restar de uma jóia que, por desleixo e incúria, todos -e incluo, por desleixo, os próprios comerciantes-,  a têm abandonado à sua sorte.
Eu que, sou muito modesto, digo que sou presciente, que adivinho, posso já garantir antecipadamente o que se vai passar na pomposa conferência. Posso garantir que se vai dizer que a crise dos Centros Históricos é transversal ao país. Uns vão acusar a câmara de ser culposa na diáspora dos dos residentes. Irão dizer que devido à endémica diarreia crónica dos PDM (Planos Directores Municipais) -como canídeo a sofrer mal dos intestinos, qualquer lugar serve para evacuar-, qualquer zona à volta da cidade também serve para construir e o resultado está à vista: novas centralidades à custa do esvaziamento do Centro Histórico. É claro que, perante este exemplo, um bocado para o merdoso, como quem diz a cheirar pouco convenientemente, vai intervir um comerciante e, aproveitando-se do mesmo exemplo, irá dizer que o comércio dito tradicional sofre do mesmo enquistamento. Dirá que os milhares de empregos precários criados nas grandes superfícies têm sido feitos à custa de empregos efectivos do comércio de rua.
Depois este comerciante –porque atenção serão poucos os que vão lá estar, quase que podia dizer o número, mas depois iam dizer que me estou armar…e isso não…eu sou muito modesto- irá dizer que a autarquia não tem tido sensibilidade para a deslocalização de serviços públicos da Baixa, nomeadamente, com a saída da 2ª esquadra para a Solum, com a provável mudança do Tribunal para a margem esquerda, assim como, se houvesse dinheiro, o encerramento da Estação Nova –aqui o Governo também não será poupado pelo ostracismo a que votou Coimbra. Continuará este comerciante a fitar, olhos-nos-olhos, o presidente da autarquia e dir-lhe-à que não haverá nenhum centro histórico que resista a uma burocracia emperrativa, como é o caso de uma loja danificada no dia 1 de Dezembro -em consequência da ruína de dois prédios- e que hoje, passados mais de seis meses, continua fechada. O comerciante, dono da loja, por tantas vezes ser visto a correr para a Câmara, já é chamado de o "Al Paciente, o árabe", porque pensam que o edifício da autarquia é uma mesquita e ele, certamente, irá rezar, de cócoras, em direcção a Meca. Continuará o comerciante orador a dizer-lhe, também, que a câmara, não mostrando nenhuma sensibilidade para os mercadores de rua, aproveitando-se do cataclismo que foi a ruína dos dois citados edífícios, e, contrariamente, ao que deveria ter feito, passou a exigir a qualquer profissional do comércio uma série de documentos. Como por exemplo, se requerer um simples horário de funcionamento, passarão a pedir a licença de utilização acompanhada de um estudo de sustentabilidade do prédio, assinada sob responsabilidade de um engenheiro. Acontece que falamos de prédios centenários cuja bitola de segurança deveria caber por inteiro à autarquia, através dos bombeiros e protecção civil. Dá-se também a coincidência, apenas coincidência, de acontecer que qualquer engenheiro para assumir uma imensa responsabilidade destas quer mais de um milhar de Euros.
Dirá este comerciante, ainda –“mais?”..Perguntará Carlos Encarnação com as orelhas a arder, “que mal fiz eu a Deus para levar com um trambolho reivindicativo destes?”- que não
haverá revitalização possível, quando um órgão do Estado é completamente insensível
à harmonização entre os interesses deste (que representa o colectivo) e os interesses particulares. Apresentará exemplos concretos de vários prédios que estão entaipados, há um ano, á espera de poderem continuarem as obras de restauro e bloqueadas pelo IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico). É que o maior absurdo é que, simplesmente, as obras estão paradas e nem sequer se vêem lá técnicos a trabalhar em arqueologia, dirá de chofre ao impacientado Carlos Encarnação. Dirá ainda que é um absurdo insistir, pelo menos actualmente, na erradicação de automóveis de algumas artérias, como tem sido seguido pela autarquia.
Dirá ainda mais: que é preciso apostar na discriminação positiva para inverter a actual desertificação de moradores. Como é que isso se faz? Ele explicará que é necessário cativar os donos dos prédios devolutos –uma vez que o Novo Regime de Arrendamento Urbano não veio resolver absolutamente nada…antes pelo contrário- e os comerciantes que têm nos andares superiores armazéns, através da isenção de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis)deveriam ser incentivados a colocar estes locados inertes no mercado de arrendamento. Além disso, é necessário que haja vontade, pela autarquia, de agilizar e facilitar projectos de aberturas independentes para os andares superiores. Como se sabe, devido à antiguidade dos imóveis, a entrada para os andares cimeiros é feita, em muitos casos, por uma única porta que é, ao mesmo tempo, a entrada para o estabelecimento. É claro, posso adivinhar, que Carlos Encarnação vai dizer que está previsto, em projecto, pela SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana) uma espécie de emparcelamento destes andares e que será feito por uma porta única que dará acesso a todos. Porém, arguirá o comerciante, que é um contra-senso, vai fazer-se o assassínio dos interiores de casas de cariz medieval –fogo, que este comerciante é chato como as melgas, quem é que o pode aturar?
Como se não chegasse, vai dizer que é urgente criar um Gabinete de apoio ao arrendamento. Este gabinete serviria para a captação, quer de novos locados para arrendamento, quer no "aliciamento" de novos casais candidatos a moradores. Serviria, também, de apoio jurídico aos jovens futuros residentes, para que não aconteça novamente o mesmo que se viu, esta semana, aqui na baixinha. Ou seja, uma casa ser arrendada, sem licença de habitabilidade, a precisar de obras urgentes, não ser passado recibo. E para terminar este cenário terceiro-mundista o dono da casa ainda lhes trocou as fechaduras numa acção completamente indigna e ilegal, para os obrigar a despedir-se. É evidente que foram porque não tinham dinheiro para consultar um advogado e também, como a maioria dos jovens, carregados de ignorância e falta de coragem. Já agora, vou lembrar que o comerciante vai dizer que esta renda era de 400 euros. Rematará que perdemos todos, com esta acção indigna.
E agora, estou a prever, vão começar os problemas para este comerciante, o moderador, começa a admoestá-lo, que está ser muito longo, que outros querem falar. O trabalhador do comércio continua e chama a atenção para o facto de a baixa ter comércio a mais, nomeadamente, de sapatarias e pronto-a-vestir. Sublinha que é necessário apostar em actividades de vanguarda, com comércio alternativo e indústria hoteleira, com casas de hotelaria viradas para fado e jazz (como é o caso do Salão Brazil) e, o mais importante, que os seus horários de abertura vão para além da meia-noite –claro que sem esquecer a harmonização, por causa do ruído, entre os estabelecimentos e os moradores que habitualmente é conflitual, remata.
É aqui que se dá o estrondo, como quem diz, o moderador desliga o microfone ao comerciante. Este homem, porque gosta muito da Baixa, é lá que trabalha e, por isso, muito interessado em tudo o que diga respeito ao centro histórico, com ar embasbacado vai perguntar ao moderador: “porque me desligou o micro? “
O moderador vai responder: "MEU CARO SENHOR, O TEMPO TOTAL QUE TÍNHAMOS DISPONIBILIZADO, NO PROGRAMA APRESENTADO, ERA DE 15 MINUTOS…ORA O SENHOR…FOI O ÚNICO A FALAR E DEMOROU 16 MINUTOS".
O comerciante, com ar de parvo, vai retorquir: “ai o tempo programado era de 15 minutos?...Entendi…sou parvo…mas não sou burro…”. Este comerciante sou eu.


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