terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

BAIXA: FALECEU O MOURA, O DECANO DOS GRAVADORES







Pelo anúncio necrológico colado em várias esquinas do Centro Histórico, ficámos a saber que faleceu o António da Costa Moura, com 92 anos, nosso estimado amigo, colega e precursor da arte de gravação.
Durante cerca de meio-século com oficina na Rua Ferreira Borges, número 162, quarto-andar, foi talvez o decano do registo manual e digitalizado em carimbos, placas em acrílico e noutros materiais onde era preciso firmar o logótipo comercial e outras memórias do tempo. Felizmente deixou familiares que aprenderam e seguem fielmente o seu elevado saber de conhecimento artístico, mais concretamente na Rua da Gala.
Há várias décadas que conhecia o nosso considerado amigo. Alto, esguio, olhar perscrutador, agilidade vincada num passo apressado, o senhor Moura, em metáfora, fazia lembrar aquelas árvores altaneiras que na floresta, pelo carisma personalista, parecem eternas, identificam as congéneres e marcam tudo em redor.
Há cerca de seis anos, já com 87 anos, entre o mecânico e o digital, num caos organizado, fui encontrá-lo no velho sótão oficinal a desenvolver a sua actividade de gravador como se aparentasse metade da idade que marcava, de facto, no Bilhete de Identidade. Quando lhe perguntei o segredo da sua longevidade laboral, respondeu assim: É muito simples, tenho algum cuidado a comer; bebo só às refeições e sem exagerar –bebidas brancas não entram no cardápio; para chegar à oficina e voltar, todos os dias subo e desço estes cerca de 170 degraus. Para além disso, todos os domingos faço uma hora de bicicleta. Ainda agora fui ao médico mostrar análises e exames gerais e estavam todos muito bons. Não há milagres, meu caro! Você chegou aqui, depois de subir os 83 degraus, mais cansado do que eu! Olhando a sua barriga, dá para ver que se perde nos petiscos. Faça desporto, homem! Cuide-se, pela sua saúde!
À família enlutada, em meu nome pessoal e da Baixa, se posso escrever assim, os nossos sentidos pêsames. Descanse em Paz! Até sempre, senhor Moura.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

BAIXA: O SILÊNCIO DOS INOCENTES

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)






Começo com uma ressalva, cada vez escrevo menos sobre a Baixa e mais concretamente sobre a actividade comercial. E porquê? Perguntará o leitor? Simplesmente porque, por um lado, ando a pregar ao vento há cerca de 13 anos sobre o acentuado declínio comercial, por outro, com franqueza, já me cansa dissertar sobre um tema mais que esgotado e que ninguém liga. Acima de tudo, porque tenho noção que, numa espécie de corvo negro a anunciar que vem lá o lobo mau, me tornei repetitivo.
Há muitos anos que os encerramentos de lojas comerciais se transformaram numa banalidade. Sendo substituídos por espaços ligados à hotelaria, a diversidade, que deve funcionar como um equilíbrio natural, está a desaparecer. O executivo municipal, nomeadamente o Partido Socialista com Manuel Machado à frente, não deveria preocupar-se com o que está acontecer? Deveria, mas não quer saber.
E os interessados, que são os pequeníssimos operadores comerciais, não deveriam também alertar para as extremas dificuldades que estão a atravessar e que, em consequência, levam a encerramentos acima da média? Desde o último Novembro, portanto, três meses, já fecharam cerca de uma dezena de comércios e três restaurantes. Perante esta realidade, caiu-se num mutismo que mete dó. Os pequeníssimos empresários parecem ter vergonha de se queixarem dos seus problemas. É curioso, noutros tempos, os antigos comerciantes, que fizeram fortuna na Baixa da cidade, quando eram interrogados como estava o negócio respondiam sempre na mesma ladainha: “como estão as vendas? Ui, ui! Muito más, senhor! Não se vende nada!
Contrariamente, hoje, se se fizer a mesma pergunta a qualquer negociante a resposta é óbvia: “Vamos andando, felizmente muito bem!”. O problema é que as lojas caem como perdizes abatidas por caçadores furtivos.
O que mudou? Talvez muito, ou talvez nada. Se noutras épocas era um exagero pela falta de sinceridade, neste tempo que atravessamos, ainda que inversamente, constatamos igualmente uma inquietante falta de transparência. Só que agora trata-se de uma pobreza envergonhada, cuja falta de revolta arrasta todo o sector.
E comecei a escrever esta crónica porque amanhã é o último dia da Calzedonia, na Rua Visconde da Luz. Abandonando a Baixa, a marca vai manter-se no Fórum Coimbra.
Sendo a Calzedónia uma chancela de prestígio nesta parte velha, e que nos vai deixar, este êxodo continuado não deveria fazer pensar?