quinta-feira, 29 de novembro de 2007

MEGACOMÉRCIO: O MITO DO DESENVOLVIMENTO

(IMAGEM DE BRAGA PINHEIRO)


  Neste último fim de semana, de 25 de Novembro, ficámos a saber, quer pelo “Expresso”, quer pelo “Diário de Notícias”, que o patrão dos patrões, o presidente da Confederação do Comércio Português, José António Silva, ponderava a hipótese de, conjuntamente, com o presidente da CGTP, Carvalho da Silva, de aderir a uma greve geral, em face do crescente aumento de falências e subsequente desemprego no comércio, quer de pequenos empresários, quer de funcionários. Ficou-se a saber que a partir de 2004 este sector perdeu 250 mil empregos. Prevê-se, também, que para os próximos quatro anos desapareçam mais 100 mil postos de trabalho.
Não vou pronunciar-me se, sendo uma medida inédita, é a mais indicada ou outra qualquer –sabe-se, agora, que foi fumo sem fogo, uma vez que o presidente da Confederação veio desmentir e afirmar que tudo não passou de um mal-entendido. Uma coisa é certa, José António Silva ficou numa posição periclitante, muito fragilizada, e, das duas uma, ou avança com medidas reivindicativas ou então dever-se-á demitir. Caso não o faça deverão ser as diversas associações comerciais do país a pedir a sua cabeça. Depois deste "mal-entendido”, penso, iniciou-se um processo sem retorno que não pode parar mais e o “big boss” do patronato tem de mostrar que está à altura do lugar que ocupa. Criou expectativas nos operadores, agora, alguma coisa terá de fazer para chamar a atenção do governo perante este continuado empobrecimento de um sector, o pequeno comércio, que foi um dos maiores empregadores do país. Hoje, corre-se o risco, caso não se tomem medidas drásticas de salvação de todos, de assistirmos ao seu desaparecimento, e, no caso concreto, se se concretizar o anteprojecto do novo licenciamento das grandes superfícies, que liberaliza ainda mais a abertura de hipermercados e centros comerciais.
Bem sei que o consumidor comum está perfeitamente de acordo que abram mais grandes superfícies e, se possível, que estejam abertas 24 sobre 24 horas. Egocentricamente, acha até que esta guerra não é sua, diz respeito apenas aos comerciantes, a quem considera atávicos e anacrónicos, que não conseguiram modernizar-se e adaptar-se aos novos tempos, sobretudo, tendo em conta os horários praticados hoje; iguais há 50 anos atrás. Se levarmos à letra a doutrina neoliberal desta desbragada liberalização, que nos é impingida, e aceite pela maioria, como um mito do desenvolvimento, esse acto legislativo, levará a uma maior concorrência entre as grandes superfícies e, no limite, a um embaratecimento dos produtos. Aparentemente, no curto prazo, assim é. Mas a médio prazo todos pagaremos bem caro este excessivo laivo de concorrência, esta falta de limites. Basta atentar no abandono dos Centros Históricos. -Chamei-lhe mito, porque, a meu ver, mesmo produzindo impacto sobre a sociedade, na sua constante repetição, nunca deixará de o ser e jamais se tornará uma verdade sem contestação. O desenvolvimento implica uma concertação de factores –como a saúde, a educação, a habitação, o emprego, etc.- e sustenta o crescimento económico do todo social, bem como o político e até o filosófico. O desenvolvimento é um progresso de um estado a outro, de tal modo que o seguinte é sempre mais perfeito que o anterior, mas sempre, verticalmente, devendo ter em conta a maximização da sociedade no seu todo, atingindo-se um nível de vida razoável. Como se vê facilmente, no caso da extinção do comércio de rua, apenas uma franja, ainda que elevada, consegue obter um melhor nível socio-económico, mas esse patamar é alcançado à custa do esmagamento de milhares de pessoas e de uma classe (os comerciantes). Então pergunta-se, quem vai sustentar estas pessoas, empresários e funcionários, empurradas para o desemprego? É óbvio que serão os nossos impostos, aumentando a despesa no Orçamento Geral do Estado. Diga-se a propósito, presentemente, por parte de alguns comerciantes com menos de 60 anos, está a assistir-se a uma corrida desenfreada às pré-reformas. Mesmo com as penalizações associadas é preferível receber pouco do que ter de pagar sem se ganhar para isso.
O Estado, tendo apenas em meta o racionamento económico, a concentração, espalha a crença na sociedade de que o mito do desenvolvimento assenta na grandiosidade dos fins, sem ter em conta os meios, no presente e no futuro. Tudo se sustenta na mega estrutura: é a mega superfície comercial, é o mega transporte em alta velocidade (TGV), é o mega aeroporto (OTA, ou outro), é o mega hospital, é a mega maternidade. Pouco importa que no futuro a população média esteja impossibilitada de usar estas estruturas, por falta de suporte financeiro. O que interessa é construí-las hoje, em nome do desenvolvimento de amanhã.
Todos sabemos que os consumidores (que somos todos) são agentes privados que exercem livremente os seus direitos de adquirirem os bens de consumo ao mais baixo preço. Até porque o estado da economia nacional empurra-nos a todos para os produtos de menores dígitos, mesmo sabendo, antecipadamente, que serão inferiores a outros, comparativamente. O problema é que ao escolhermos o mais barato, normalmente, é importado, e, em bloco, numa cegueira continuada, estamos todos a contribuir para o encerramento de estabelecimentos e produtores nacionais. 
Valerá a pena pensar nisto?

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

NATAL

É Dezembro,
a chuva cai,
o inverno espreita,
o sol não sai,
o mar agita-se,
a tristeza é uma maleita,
parece que nos atrai,
ficamos enviesados,
deprimidos em solidão,
a saudade que aí vai,
parecemos transviados,
um aperto no coração,
apetece chorar e dizer ai,
mas nós somos soldados,
mercenários de geração,
e um duro nunca cai,
não fungamos, mesmo apertados,
mas dói ver o pobre em abstracção,
de mão estendida, sem fazer mal,
à chuva e ao frio enregelado,
só a neve lhe enche a mão,
e talvez por ser Natal,
condoídos, damos um trocado,
envolvidos em emoção,
no lado sentimental,
como um sol enfocado,
aquecemos um coração,
e sentimo-nos menos mal.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A OBSESSÃO DO ESTADO PELA NORMALIZAÇÂO

Encontrei o meu amigo num destes Domingos ao comprar o jornal no mesmo Quiosque. Já não o via há uns tempos largos. Somos, sensivelmente, da mesma idade: cerca de 50 anos. Palavra puxa palavra e, inevitavelmente, caímos na malfadada crise económica. Quase sem o querer, relembramos os velhos tempos em que, juntos, íamos fazer uma semana de férias ao Algarve e, nos últimos anos, praticamente, pela necessidade financeira, nem encerrar os estabelecimentos podemos, quanto mais ir para as terras do sul. “Velhos tempos”, exclamamos em uníssono, como barítonos de um coro conhecido.
Achei-o muito apagado, uma estrela sem luz. “O que tens? Não andas bem… para além da subida em crescendo do petróleo, será que a tua tensão arterial também teima em subir?” Interrogo, tentando adivinhar uma depressão iminente.
Ele tem um pequeno café onde trabalha conjuntamente com a sua mulher há muitos anos. É o seu ganha-pão diário. Foi de lá, através do esforço conjunto dos dois, que formaram os dois filhos. Como uma mola contida e que de repente dispara, perante a minha pergunta acerca do seu estado anímico, o seu rosto transformou-se: parecia uma máscara com esgares de granito. Até bufava. Estava indignado, entre um misto de tristeza e revolta. Ao falar revolvia os braços no ar, como tentando atingir os seus invisíveis opressores, ou então para melhor expurgar a fúria que o dominava interiormente. “Não vale a pena continuar, pá! Isto é lutarmos contra forças invisíveis, superiores às nossas posses anímicas. Estamos perante um Estado absolutista, insensível às necessidades de cada um, que actua a mando de uns burocratas, assentes em Bruxelas, que, sem terem conhecimento das características e especificidades de cada país membro, emana directivas como se fôssemos todos ovelhas da mesma espécie. Vou fechar o meu estabelecimento”. Notei que arfava de uma espavorida indignação.
A esposa tinha participado numa formação patrocinada pela ASAE, no sentido de tentar ir ao encontro das novas obrigações substantivadas pela directiva comunitária de Abril de 2004, e chamada HACCP, traduzido para o direito português como Sistema de Análise de Perigos e Controlo de Pontos Críticos. Durante a formação, e perante um esclarecimento de um agente daquela polícia da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, a consorte do meu amigo descai-se com este lamento: “ó senhor agente, como podemos continuar a exercer a nossa actividade perante tantas exigências, num momento em que estamos completamente descapitalizados, e em que até recorrer ao crédito para obras de beneficiação é difícil?”.
-Não dá…feche! –Respondeu o agente sanitário com alguma rispidez, segundo o relato do meu amigo.
“Diz-me, interroga-me o meu amigo, achas que isto é postura perante um agente económico? Nós que trabalhámos toda a vida, somos tratados como “coisas” imprestáveis, sem ter em conta as diferenças de cada um? Pouco importa se sou coxo ou paralítico, as obrigações são iguais para todos. Mesmo sem poder, se tiver uma perna amputada, tenho de correr como os outros. Que Estado é este? As exigências são modernizar, modernizar até ao absurdo, como se a modernização fosse a panaceia de todas as doenças que grassam por aí. E, se não modificar para os parâmetros exigidos, tenho de encerrar. Acredita que lhes faço a vontade. Ai é isso que querem?!. Vão ver! –Exclama o meu amigo em fúria.
“Que vai ser dos nossos pratos e produtos típicos, que exigem ser confeccionados nos dias anteriores, como, por exemplo, a chanfana? E certas açordas, com receitas dos nossos ancestrais antepassados. Acaba-se tudo e passamos a comer só congelados? Será que está tudo doido? Para onde nos querem conduzir? Acabaram com o bom vinho de pipa, com o bom bagaço, com os “jaquinzinhos”, com as laranjas e com tudo o que não seja normalizado. Isto é obsessão, pá! Já viste esta nova lei para proibição de fumar nos recintos pequenos? Agora querem extractores de fumo. Dá impressão que querem é salvar alguma fábrica de extractores”.
“Não tardará muito entramos na normalização dos povos europeus, na eugenia –aplicação racional das leis da genética à reprodução humana, com o fim de obter melhoria das estirpes, tanto do ponto de vista físico como mental e da qual, de triste memória, foi Hitler um percursor. Quem nos defende?”
Mas será que não vêem que é impossível tornarem iguais países, nas pessoas dos seus nacionais e nos seus costumes, que são geneticamente, e pela força da sua história, diferentes entre si, numa amálgama esteriotipada e fabricada num parlamento composto por políticos que pouco contacto têm com o povo?”
“Para onde caminhamos?”. Sei lá! Respondi, encolhendo os ombros…

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

"A EXCELÊNCIA E A DIFERENÇA"

“Após 25 anos a pregar no deserto, decidi, há um ano, abandonar definitivamente o ensino, porque me convenci de que era completamente impossível introduzir no sistema qualquer medida que fosse minimamente inteligente. Com efeito, o sistema só está preparado para adoptar medidas estúpidas e irracionais, as únicas que colhem o aplauso das nossas elites. É bom não esquecer, a título de exemplo, que a academia de futebol do Sporting só consegue excelentes resultados porque pode seleccionar os melhores praticantes a nível nacional. Se fosse obrigada a receber todos os praticantes do concelho de Alcochete e a aguentá-los lá até aos juniores, os resultados não seriam os mesmos. Obviamente. Por muito boas que sejam as instalações, por muito bons que sejam os treinadores, por muitos treinos que tenham, não se consegue fazer um Figo ou um Cristiano Ronaldo de um “perna-de-pau”. Sem matéria-prima não há resultados. O mesmo se passa nas nossas escolas.
Ora, quem é a favor da escolaridade obrigatória não pode ter um discurso do género “quem sabe passa, quem não sabe chumba” em que está subjacente uma ideia de exigência, excelência e de rigor que é a negação pura da escolaridade obrigatória, porque pressupõe a existência de objectivos para cada disciplina antecipadamente fixadas para cada ano de escolaridade.
As pessoas, em geral, e as nossas elites, em particular, confundem escolaridade obrigatória com a obrigação de ir à escola. São duas coisas completamente diferentes. A escolaridade obrigatória, ao contrário da obrigação de ir à escola, impõe que a escola se adapte ao tipo de alunos que recebe (…). Na escolaridade obrigatória, não pode haver objectivos antecipadamente fixados. Os objectivos têm de ser fixados tendo em conta cada aluno em concreto, consoante as suas capacidades, aptidões, nível de conhecimentos e ritmo de aprendizagem.
Ser exigente não é impor uma fasquia igual para todos os alunos. Não se pode exigir a um aluno aquilo que ele não pode dar. (…) Mas é precisamente isso que se faz nas escolas. E depois admiram-se de que haja abandono escolar. (…) Além disso, a colocação de fasquias de conhecimento por anos de escolaridade, com base no aluno médio, tem um efeito perverso, uma vez que elimina precocemente indivíduos cujas capacidades ainda não desabrocharam completamente. Com efeito, é totalmente falsa a ideia de que as qualidades e as capacidades dos alunos podem ser comparadas nas mesmas idades, ou seja, o facto de um aluno brilhante e outro da mesma idade ser um idiota não significa que aos 18 anos as posições não se possam inverter completamente. (…) Agora não se pode é atirar o desgraçado para um canto da sala, porque o professor não tem tempo para lhe dedicar, uma vez que só tem duas horas de aula por semana, tem um programa a cumprir e a maioria dos alunos da turma está numa fase muito mais adiantada. (…) No entanto, por aquilo que eu leio e ouço, a maioria dos professores e as nossas elites são contra a escolaridade obrigatória. Defendem, antes, uma escola onde todos devem ser obrigados a ir, mas onde só devem ficar aqueles que correspondam às expectativas do aluno médio tipo. Os restantes deverão reprovar tantas vezes quantas necessárias até se convencerem de que o seu lugar não é ali. Acontece que as reprovações acabam por provocar o efeito precisamente contrário ao pretendido.
Com efeito, as reprovações dos alunos com menos aptidões, para além de não resolverem o problema destes alunos (…), só servem para desestabilizar, por completo, a turma onde irão ser integrados no ano seguinte, tornando-a ainda mais heterogénea e qualitativamente pior. Com a agravante de os alunos reprovados, por serem mais velhos, acabarem por liderar a turma, com toda a carga negativa que isso tem (…). As reprovações na escolaridade obrigatória têm o mesmo efeito numa turma que as pedras num carrinho de mão: quanto maior for a carga de pedras, mais dificuldade tem o professor de andar com o carrinho.”

(Texto extraído, com a devida vénia ao seu autor, Santana-Maia Leonardo, inserido no Jornal Público na edição de 13 de Novembro de 2007)

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

CARTA-RESPOSTA AO DIRECTOR DO CENTRO HISTÓRICO

Li com atenção, no Diário de Coimbra (DC), as declarações de Sidónio Simões, Director do Gabinete do Centro Histórico da Câmara Municipal de Coimbra, enquanto convidado para falar sobre a “Área central da cidade de Coimbra –Potencialidades e debilidades ao nível do comércio e serviços”.
Confesso que não me surpreende a sua posição demolidora em relação aos lojistas e, em particular, ao apelidá-los de individualistas. Eu já o tinha constatado, há cerca de dois meses, aquando da apresentação da nova direcção da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, no Salão Nobre da Câmara Municipal. Também aí, nessa apresentação, tal como agora ao ler as suas declarações no DC, fiquei com uma dúvida: O senhor engenheiro, enquanto funcionário, representa apenas a autarquia? É que nessa reunião do Salão Nobre, em minha opinião, em face do seu exagerado protagonismo, este senhor defendia acerrimamente a ACIC e a Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra. Ora bem, enquanto parte interessada no futuro da Baixa, é legítimo que defenda estas instituições. O problema é quando as suas intervenções vão ao ponto de substituir e apagar completamente o presidente do Agência, senhor Armindo Gaspar, e o presidente do Sector Comercial, Senhor Arménio Pratas, ambos presentes nessa noite, no Salão Nobre. E isso aconteceu realmente.
Mesmo aqui, nas declarações prestadas no Colóquio enunciado e transcritas no DC, é notório a invasão e extrapolação em áreas fora da sua competência, sobretudo quando afirma que “a ACIC fez uma proposta de cursos, que foram um êxito noutras cidades, aos comerciantes, mas só dois é que se inscreveram; temos (sic) curso de vitrinismo para arrancar, mas precisamos, no mínimo, de oito pessoas e só temos quatro”.
Vamos por partes: É verdade que os comerciantes são profundamente individualistas. Já o escrevi neste jornal e concordo. Porém, não é por esse facto, como parece querer transparecer, que se lhes pode assacar todas as responsabilidades da falência dos Centros Históricos e nomeadamente o de Coimbra.
Comecemos pela pouca aderência ao projecto da Agência para a Promoção da Baixa: esta ideia foi apresentada, em 2002, numa assembleia, na ACIC, por Paulo Ramos, da Românica. A partir daí, começou a ser trabalhada dentro daquela Associação Comercial, com a participação directa do seu criador. Passando à frente alguns episódios que não interessam aqui, passaram 5 anos de gestação, e resultados do Condomínio da Baixa continuam a não ser visíveis. O único facto saliente são umas bandeirolas pregadas ao lado dos estabelecimentos aderentes. Como quererá o senhor Director que os comerciantes acreditem neste projecto, sabendo que os dogmas estão em declínio, se nada se vê em concreto? Acusa-os de não ajudarem? Ajudarem como? Saberá o senhor Director as dificuldades porque passam os comerciantes? E irão continuar, ainda hoje o Diário de Notícias refere que até 2010 estão projectados 90 novos “shoppings”. Todos assistimos impávidos ao “genocídio” do comércio tradicional.
Em relação a um estudo que refere que a Baixa tem mais potencialidades que a Solum; tem (teria) se fossem explorados convenientemente os seus recursos, tais como o património religioso e laico, e se fossem desenvolvidas políticas e acções coerentes com o interesse do Centro Histórico. Acontece que não são. -Este estudo foi apresentado no Salão Nobre da autarquia, em 5 de Junho, deste ano, por Henrique Albergaria, do Instituto de Estudos Regionais e Urbanos, sobre o lema “Baixa de Coimbra que Futuro? Estratégias de Revitalização Comercial” e inserido num projecto comunitário “Urbe Viva”, em que engloba várias cidades, como Bolonha, Pádua, Veneza, Patras e Santa Cruz de Tenerife. Este programa comunitário surgiu da necessidade de revitalizar os centros das cidades, em face do seu acelerado declínio.
Só para lhe dar um exemplo de políticas contrárias à revitalização do Centro Histórico: há vários prédios entaipados há mais de um ano, com obras embargadas sob a alçada do IPPAR, agora IPHAN.
A falta de residentes é outro problema que refere. Indirectamente, o senhor Director sabe que os PDM’s em diarreia têm sido um dos factores da diáspora. Assim como os continuados Regimes de Arrendamento Urbano anacrónicos, com rendas de miséria, têm contribuído para o abandono do edificado e para este esvaziamento. E as Câmaras Municipais, nomeadamente a de Coimbra, não podem, depois do mal feito, agir em contraciclo? Podem, e não o têm feito. Em 2005, foi feito pela Universidade de Coimbra um Estudo de Diagnóstico (SIGURB), que consistia num estudo exaustivo de todos os prédios da Baixa, incluindo as suas patologias. Custou à autarquia um milhão de euros. Ou seja, a autarquia , possuindo todos os dados referentes ao edificado do centro histórico deveria envolver-se directamente, contactando, caso a caso, os proprietários das casas vazias, no sentido de os convencer a arrendarem os seus locados. Deveria discriminar positivamente o IMI, à taxa zero, todas as casas de arrendamento no Centro Histórico para trazer novos residentes. Tudo continua na mesma como a lesma.
Se a CMC estivesse verdadeiramente interessada em trazer novos locatários para a baixa, poderia disponibilizar os projectos de obras e licenciamento gratuitamente. Há imensas casas vazias na baixa, por cima das lojas, sem acesso exterior aos estabelecimentos. Outrora eram armazéns dos comerciantes. Ora, só com a implicância directa da autarquia, no sentido de facilitar, se pode e deve resolver este problema, aparentemente sem solução. Actualmente, o único facto palpável que se vê é a oferta das tintas para pintar as fachadas. É muito pouco.
Se permite a opinião, em vez de direccionar a sua frustração nos comerciantes, talvez em catarse, porque não se questiona se tem feito tudo o que deve e o que está ao seu alcance para os ajudar e, todos juntos, revitalizarmos o Centro Histórico? Sem o esforço de todos não é possível manter os centros das cidades vivos. Concordo consigo que o interesse individual terá obrigatoriamente de dar lugar ao interesse colectivo, porque só no âmbito deste é possível salvar o individual. Ora esta mudança de mentalidades não é possível sem a parte coerciva do Estado, neste caso das autarquias, ao onerar as casas e lojas vazias com um IMI elevado.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O PRESIDENTE DA ACIC NA TELEFONIA

(IMAGEM DA ACIC)


 Na sexta-feira, 10 de Novembro, Paulo Mendes, presidente da Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC), depois da sua tomada de posse, em 18 de Outubro último, deu a sua primeira entrevista radiofónica à Rádio Regional do Centro, no programa “Dois Dedos de Conversa”, com o patrocínio das Ourivesarias Góis. 
Ouvi com atenção as suas declarações, desde o princípio ao fim, com perguntas de Carlos Gaspar e Carlos Góis. Confesso que gostei. Cultivando um compreensível “low profile”, esteve sereno, demonstrou conhecimento dos problemas angustiantes que os comerciantes do comércio de rua atravessam e, naturalmente, também as dificuldades financeiras da ACIC –de tesouraria, como lhe chamou. Soube evitar as polémicas respeitantes aos seus antecessores, sobre a utilização indevida da Associação como trampolim político/partidário, nomeadamente Pina Prata e Paulo Canha. Quanto à metodologia que vai impregnar neste seu mandato e no futuro, pouco disse. Embora tivesse ouvido da sua parte que o momento associativo, a nível nacional, passa por momentos de “assembleias vazias” devido à “alguma idade, desinteresse e desmotivação dos empresários”, gostaria de ter ouvido que, neste seu mandato, através de reivindicações vincadamente políticas -como por exemplo um justo subsídio de desemprego para comerciantes insolventes e um Fundo de Solidariedade para o Comércio, prometido no Acordo de Concertação Estratégica de 1996-1999- irá tentar motivar esta classe, outrora tão empreendedora e dinâmica e hoje deprimida, amorfa e estagnada, devido, essencialmente, à crise económica sem antecedentes nos anais económicos, como também referiu. Entre outros factores, o facto de 2008 ser o ano da total liberalização da entrada de têxteis chineses na Europa, penso que o próximo ano será o ano de todas as batalhas para as associações, e especificamente as comerciais; das duas uma, ou os seus executivos convencem e motivam os seus associados através de pragmáticas medidas de força, de manifestações públicas, mostrando o total descontentamento do "modus vivendi e operandi" actual, ou então, a meu ver, cavarão a sua própria tumba. A curto prazo desaparecerão do mapa social representativo. Tome-se o modelo de Carvalho da Silva, da CGTP, ele é o grande obreiro, responsável pela manutenção e manifestação do sindicalismo vivo em Portugal. Ora, quanto a mim, os presidentes das associações empresariais deveriam ver nele o paradigma a seguir –ainda que possa provocar algum prurido avermelhado de repulsa- e, ou lhe seguem os passos, procurando um carisma próprio, uma linguagem reivindicativa de afrontamento determinativo, abandonando as infinitas reuniões de gabinetes, ou, inevitavelmente, serão enterrados pelos seus associados sem direito a epitáfio. Voltando à entrevista de Paulo Mendes ao Programa “Dois dedos de conversa”, declarou este que 82% dos associados da ACIC são comerciantes. Mais uma razão para entender que muito há a fazer pelo comércio tradicional e nomeadamente pelo seu Centro Histórico. As suas carências estão sinalizadas, é preciso é passar à acção. Exigir a revitalização do tecido urbano nos Centros Históricos, através de uma legislação excepcional acoplada ao Novo Regime de Arrendamento Urbano. Acabar com rendas de 5 euros e estabelecer rendas mínimas de 150 euros, que é o preço de um quarto, sem recorrer às complexas CAM (Comissões de Avaliação Municipal). E isto vale para habitações e lojas comerciais. É preciso acabar com rendas de miséria, lado-a-lado com rendas astronómicas. É urgente mobilizar as autarquias para, por um lado, simplificarem as obras de restauro nas imensas casas sem ninguém, implicando-as directamente, aconselhando e fornecendo gratuitamente os projectos de alterações necessários, como por exemplo uma entrada independente para os andares superiores por cima das lojas comerciais, agora sem utilidade. Por outro lado, depois de facilitar a acessibilidade ao crédito, obrigar os proprietários a arrendarem as casas, impondo às habitações vazias um IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) elevadíssimo –este tema foi muito bem apresentado, de forma clara, em 27 de Outubro, no Salão Brazil, por Jorge Carvalho, no âmbito das jornadas “Vamos falar sobre Habitação (em Coimbra)”, promovidas pela Pro Urbe e Plataforma artigo 65. 
Acrescento também as várias dezenas de lojas vazias na Baixa que se lhes deve ser aplicado o mesmo princípio coercivo. O direito legítimo individual à propriedade deve incluir a obrigação desta, através de um lícito e necessário uso, contribuir para o enriquecimento do todo, devendo conter uma premissa ética, e, mesmo não se concordando com ela, cabe ao Estado fomentar, através de impostos e taxas e no limite a expropriação, a revitalização do conceito de propriedade, ainda que vá contra o espírito da Revolução Francesa e se aproxime das teorias Marxistas. Só reformando urgentemente, com medidas draconianas, o comércio, impondo novos horários, e a habitação com novos moradores –estas duas premissas são as paredes-mestras dos centros históricos- se evitará o declínio continuado que levará à miséria milhares de comerciantes em Coimbra e no país.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

"EU, SOFIA, FIZ UM DESMANCHO"

(IMAGEM DA WEB)



 “Chamo-me Sofia, tenho 27 anos e sou psicóloga em Lisboa. Gosto muito do que faço. Sei que tenho um dom especial: uma facilidade incrível em entrar dentro da alma de cada um. Sinto como se tivesse uma chave universal que entra em qualquer coração, mesmo o mais empedernido. Dizem-me que tenho uma espiritualidade imanente, uma luz que irradia das profundezas do meu ser. Costumam dizer-me que quando sorrio o efeito nos outros é o mesmo de um relâmpago numa noite de tormenta invernosa. Ilumina tudo à sua volta. Normalmente, os meus pacientes confiam em mim com uma grande facilidade, como se me conhecessem desde sempre. Muitas vezes, sinto-me uma eleita. Como se tivesse vindo ao mundo com uma missão: ajudar o próximo. A verdade é que o faço com imenso prazer. Chego a prejudicar-me para o desempenho, mas, tantas vezes, o sorriso de felicidade que vejo nos seus rostos vale tudo. Estranhamente, pela minha luz irradiante ou não, atraio todos os infelizes e carentes de afecto. Até nos meus amores é assim. Começo por me aproximar para ajudar e, quase sem o querer, enredo-me nos seus problemas, e, o mais grave, é que, como uma enxurrada num rio de ternura, acaba por transbordar nas minhas margens de afecto e acabo por me apaixonar. Sei que não devia acontecer, mas acontece. E sei mais, o final é sempre o mesmo: vou ficar só. Como um “déjá vu” repetitivo, ou um filme rebobinado, cujo epílogo conheço de cor e salteado, mais uma vez, foi o que aconteceu. Só que desta vez, não tomando as necessárias precauções, fui longe de mais: engravidei.
Depois de ter falado com o meu namorado e ele me ter interrogado acerca do que é que eu queria fazer, tomei a decisão de abortar. Poderia eu tomar outra decisão? Estou a trabalhar há cinco anos a recibo verde; vivo em casa dos meus pais; o meu namorado está desempregado. Que futuro poderia dar ao meu filho?
Não é que não gostasse, e até talvez preferisse levar esta gravidez até ao fim, se a minha vida financeira o permitisse, mas também não é nenhuma tragédia de conflito interior fazer esta interrupção. No último referendo votei sim, em consciência.
Quando fiz a quarta semana de gestação já estava decidida: iria abortar. Sabia muito bem que, legalmente, o podia fazer até às dez semanas. Foi então que, estando a passar uns dias em casa de um familiar, senti aquelas dores intensas e, não aguentando mais, pensei que poderia ser uma gravidez com complicações. Fui então ao hospital mais próximo, o São Francisco Xavier, em Lisboa. Aí fui atendida e convidada a deitar-me na maca para ser observada. Não sei como surgiu o diálogo, mas a certa altura, a médica estava a perguntar-me: “vamos deixar-nos de rodeios. Quer este filho?”. Fui parva. Disse-lhe que estava a ponderar uma Interrupção Voluntária de Gravidez (IVG). Eu sabia que naquele hospital 100 por cento dos médicos eram objectores de consciência. “Já é a segunda mulher para IVG hoje”, sentenciou a médica secamente, de supetão, não esperando réplica. Não fui observada, e as dores foram ignoradas. Deixei de ser uma pessoa normal para ser “mais uma” que queria fazer um aborto. Senti-me discriminada, à margem. Senti o que, se calhar, sentiram outras mulheres antes da lei ser promulgada. Neste hospital ninguém me encaminhou, apenas me disseram para eu ir a um estabelecimento de saúde da minha área de residência. Fartei-me de chorar, desmistificaram tanto o aborto… para isto?! Mil pensamentos me passaram pela cabeça, até pensei em ir a Espanha, como antigamente. E, se eu fosse uma miúda de 16 anos sem estudos, o que teria acontecido? Ou tinha avançado com a gravidez ou fazia o aborto num sítio sem condições.
Ainda com dores, nesse mesmo dia, na segunda semana de Outubro, fui ao Hospital de Cascais onde me fizeram uma ecografia para saber se era uma gravidez sem complicações e para datá-la. Fui bem tratada, não me queixo, excepto num ponto que considero crucial: não me deram os três dias, que corresponde a um período obrigatório de reflexão e consignado na actual legislação, uma vez que esta decisão deve ser sempre tomada de forma tranquila, consciente e responsável.
É certo que eu estava decidida. Mas e se não estivesse? Como sou psicóloga, em termos emocionais estava preparada, ou pelo menos assim julgava estar para lidar bem com tudo aquilo. Mas não sabia o que iria enfrentar em termos físicos, nem poderia conhecer todos os riscos de uma IVG, uma vez que era a primeira vez. O médico apresentou-me um consentimento livre e informado, que nem metade consegui ler, e disse: “assine no fim”. Nem me perguntou porque tinha engravidado, nem a minha história, nem se queria pensar melhor. Sabem o que senti? Senti que o médico não queria saber quem eu era, a minha história, para não se ligar. Senti que havia pressão para despachar e uma grande tensão, como se ele estivesse a fazer uma coisa que não é permitida e quisesse a página virada. Achei que estava a ser tratada como uma peça de carne.
Como se isto não chegasse, fez o pior que se pode fazer a uma pessoa, fez-me sentir um número e mais uma entre outras insignificantes: disse-me que, quando chegasse à sala de espera, onde estavam outras mulheres, mandasse entrar a próxima. Disse também que a enfermeira depois me chamaria para a administração dos fármacos. Aguardei na sala de espera com as outras mulheres. Todas as que ali estavam eram licenciadas e foi uma formada em farmácia que me explicou como ia ser o processo medicamentoso, o que iria sentir. A enfermeira apenas me perguntou se tinha comido, requisito para ingerir os comprimidos, que atacam o estômago. Ninguém me preparou para as dores horríveis que viriam a seguir e que parece que rasgam o esófago.
Passadas cerca de três semanas, continuo a pensar que falta um equilíbrio ao processo. Passou-se de “8 para 80”.
Em consciência, votei “sim” no referendo do aborto. Não votei “sim” no “despacha” e no venha a próxima.”


(Notícia publicada no jornal “Público” de 4 de Novembro. As declarações são da própria, inseridas com arranjo literário meu e em necessário contexto, aqui na 1ª pessoa. Apenas a sua vida profissional foi romanceada)

sábado, 3 de novembro de 2007

A MORTE ... NA NOSSA VIDA

(IMAGEM DA WEB)



 A propósito do dia de todos os Santos ou de Finados, comemorado no dia 1 de Novembro, veio-me à ideia uma história que me contaram: uma senhora, de cinquenta e poucos anos, ficou viúva há cerca de um ano. Pois, diariamente, continua a proceder como se o marido estivesse vivo. Durante o dia, fala “com ele” a toda a hora. Quando se visiona ao espelho do seu quarto, e coloca um rímel nos olhos, a seguir vem a inevitável pergunta: “estou bonita, não estou Francisco? Continuo a ser o teu amor, não continuo? Devo vestir este vestido, que gostas tanto? Olha para este decote, que deixa os homens malucos. Estou bem, não estou?”.
Quando comunica com a sua empregada a dias, os recados vêm sempre acompanhados: “a D. Maria não se esqueça de limpar a carpete da entrada como o senhor engenheiro gosta”. A ementa diária tem sempre em conta os gostos do fisicamente desaparecido, mas mentalmente presente na cabeça da senhora. À hora do almoço, na mesa, a empregada coloca todos os talheres, sem esquecer o lugar ocupado outrora pelo engenheiro Francisco.
Na cama de casal, onde continua a dormir a viúva, o travesseiro e o lugar do finado continua ali. Mesmo deitada, e sozinha, a senhora trava diálogos, unidireccionados sem resposta, com o seu marido desaparecido nas brumas da morte, mas, para ela, ele continua a dormir ali todos os dias. O seu quarto continua exactamente igual como sempre foi. Em cima da cómoda uma moldura de prata mostra um casal, em trajes de cerimónia, certamente do casamento. O homem sorri abertamente, perante o cenário actual, não se sabendo se o faz em sinal de agrado e aprovação, ou, se pelo contrário, a sua expressão facial, não passará de um esgar de ironia ou compreensão pelo comportamento da sua consorte. Na mesinha de cabeceira, respeitante ao lado do finado, lá está a garrafinha cheia de água, com o respectivo copo, e o último livro que Francisco lia e não chegou ao epílogo. O guarda-vestidos, como cofre de relíquias, conserva religiosamente todas as roupas daquele que partiu desta vida, pelo menos fisicamente, para não mais voltar. Ali só a senhora mexe. Ninguém porá as suas mãos impuras nas vestes e coisas do recordado com saudade.
Diariamente a senhora vai ao cemitério visitar o seu amor e levar flores. Ali passa várias horas a “conversar”, em monólogo sem resposta, com o seu companheiro desaparecido e que, para ela, continua “vivo” na sua memória.
Chegados aqui, passemos à análise comportamental desta viúva, que, como muitas outras e outros apartados pela força da natureza dos seus elementos relacionais de uma vida preenchida de amores e desamores, de repente, se vêem sozinhas e, num luto continuadoe a raiar o patológico, continuam a acreditar que o desaparecido continua vivo e ali ao seu lado.
É também pertinente questionar se devemos continuar a enterrar os nossos mortos, num costume milenar, numa tradição algo arcaica, ultrapassada e pré-histórica. Porque não doarmos os nossos corpos à ciência ou escolhermos a cremação como fim do corpo físico? Não sou contra as memórias. As recordações são parte intrínseca do ser humano –alguém disse um dia que um povo sem memória é um povo sem futuro-, são a ponte entre o passado, o presente e o futuro. São o amenizar de momentos só nossos, sem partilha possível. Mas essa saudade, no respeitar ao velar dos mortos, pode ser perfeitamente possível através de uma fotografia junto de outras que fazem parte da nossa genealogia e de círculos de amigos.
Penso que da forma como encararmos a morte como um acto natural, uma passagem para outro estádio ou vida, estaremos a evoluir mentalmente e tornar-nos-emos um povo intelectualmente mais desenvolvido.
Não tenho dúvidas de que tudo sendo dinâmico, esta forma de luto e de encarar a perda de alguém querido que se foi, esta tristeza carregada, umas vezes verdadeira, outras vezes fingida, vai mudar, a bem do futuro e de todos nós.
Uma grande maioria de portugueses continuam a pensar que o ambiente envolvente junto de quem morre ou, nomeadamente num cemitério, tem de ser forçosamente de tristeza carregada e de lágrimas em corrupio. Terá de ser assim?
E, lembrei-me disto, porque no último dia de finados ou de todos os Santos, em Coimbra, junto do principal cemitério, o da Conchada, para além de se terem instalado imensos vendedores de flores e de velas, também se instalou uma rollote de vendas de farturas. Caiu o Carmo e a Trindade. “Uma feira”, argumentam os mais puristas. Porque haveremos de levar tudo tão até ao superlativo absoluto? Será para justificar o fado? Bolas!, se assim é, morra o fado, venha o "pimba" e acabe-se com o sorumbático endémico. Venham os “bolinhos e bolinhós” e a noite das bruxas ou de Halloween. É preciso desmistificar e expurgar o medo de morrer. Cante-se e dance-se nos funerais, como se faz nos Estados Unidos. Dê-se ao luto uma importância menor. Deixe-se de, numa encenação teatral, vestir o preto, mostrando a aparência da dor, que tantas vezes não é sentida. Eleja-se o vermelho como a cor do fogo e do amor que se tinha ao ente desaparecido. Vai levar tempo? Sem dúvida que vai, até porque prevalece maioritariamente a religião Católica-Romana, onde impera o culto velatório dos seus mortos. Mas comecemos a pensar numa mudança de mentalidades necessária numa nova forma de encarar a morte… como continuação da vida.
É preciso começarmos a pensar pelas nossas cabeças e, numa ditadura anacrónica e continuada, evitar que nos imponham os rígidos costumes e tradições que, hoje, cada vez menos fazem sentido. E mais, que, no limite, só são bons para o comércio de flores, velas e outros afins. Escusado será dizer que respeito quem não pensa assim. Este texto pretende -não sei se consegue- apenas abrir uma brecha para uma reflexão necessária, mas não pretende impor qualquer ideologia ou doutrina. À vontade de cada um, cabe-nos respeitá-la, por muito que se discorde dela, ou não. Até porque este costume de velar os mortos está muito arreigado no povo e não é fácil de mudar. Só o tempo.