Era Segunda-feira – dia de sapateiro – logo a seguir ao Carnaval domingueiro. Talvez por isso – ou talvez não -, Marcelo Rebelo de Sousa, em pose presidencial na parede, bocejava e transmitia um ar sonso e ensonado. Mais ao lado, a representação da República, em busto de terracota, apresentava-se com aparência apalermada. Na mesa da vereação os eleitos pelo povo pareciam dolentes, roucos e, aparentemente, no silêncio do seu lugar, rezavam a todos os santos para que a reunião camarária terminasse depressa.
Para tornar o encontro ainda mais enfadonho, faltou o “agitador de águas calmas”, o “enfant terrible” que nos prende ao ecrã, de quinze em quinze dias. Rui Marqueiro não esteve presente por, em justificação sua, ter passado mal a noite – quem sabe, por excessos no cortejo do dia anterior.
Mas será que a reunião municipal, mesmo assim, teria sido chata?
A ver vamos, mais abaixo, como diz o cego.
Como é normal em outras ocasiões, tudo começou no Período de Antes da Ordem do Dia, espaço temporal consignado aos vereadores com pelouro e sem ele para, com liberdade de temas, apresentarem ideias, reclamações dos munícipes, bajulações e até para fazerem “hara quiri”, como quem diz, “suicídio” de honra em defesa de uma tese.
E, devagar, devagarinho, a conversa escorregou e foi cair na ERSUC, Empresa de Resíduos Sólidos Urbanos do Centro, S.A., com a oferta de um livro, com o título “O Lixo em Portugal”, por José Calhoa ao presidente da Edilidade, António Jorge Franco.
No outro lado da Mesa, Hugo Alves Silva, vereador da maioria, em coligação, perante o inocente resvalar de Calhoa, passando a mão pela barriga, deu a entender: “já foste para onde eu gosto. Estás lixado, pá!”
Para quem não se lembra, no tempo de vigência de “Monsieur Marqueiro” (2013-2021) o município mealhadense “investiu” cerca de um milhão de euros em acções na ERSUC e, por volta de 2016, em nome da autarquia, designou José Calhoa como administrador não-executivo na empresa de resíduos. Esta função do actual vereador do Partido Socialista na oposição, alegadamente e pelo que se diz, rende-lhe mensalmente uma boa maquia.
Até aos dias que decorrem a edilidade mealhadense recebeu em dividendos da ERSUC cerca de 600 mil euros – andarão ainda por lá a pastar cerca de quinhentos mil euros – dizem as más-línguas que são irrecuperáveis.
O caso da representatividade municipal por parte de Calhoa estoirou, como quem diz, foi denunciado, quando António Jorge Franco ganhou a Câmara em Setembro de 2021.
Neste quase um ano e meio de mandato já foi aflorado nas reuniões, por várias vezes, o descontentamento hostil por Calhoa não se demitir do cargo por falta de confiança institucional do chefe da casa.
Para complicar a “estória”, a empresa de recolha de excedentes anda nas bocas do mundo, pelo menos em 36 municípios da Zona Centro, por querer subir as taxas de recolha até 2025 em 120 por cento. Isto por ser ineficaz no reaproveitamento de entulhos e continuar a mandar mais de cinquenta por cento para aterro, e, por isso mesmo, a ser sobrecarregada pela ERSAR, empresa reguladora de águas e resíduos.
E como um mal nunca vem só, o nosso homem de que falamos, com mandato de vereador suspenso e impossibilitado de o renovar, foi “obrigado” a tomar posse no executivo no último semestre do ano passado.
Ou seja, ficámos com um vereador a pugnar pelos interesses do município em tudo menos quando toca a falar da ERSUC - cuja defesa da empresa é prontamente por si assumida – isto mesmo, sem tirar nem pôr, foi ratificado por Hugo Alves Silva.
Calhoa, como se fosse cego, surdo e mudo, parece não entender que a continuada permanência no lugar de administrador, a ser queimado em lume brando, vai ser-lhe fatal na sua ambição política futura. Este actual presidente da Concelhia do PS/Mealhada, presume-se, quer voar mais alto no partido rosa local.
Assim não vai lá!