sábado, 31 de maio de 2014

DE QUE RIRÁ PASSOS COELHO?

(Imagem do "Memórias")


De que rirá o Primeiro-Ministro?
Será da bagunça que vai no Partido Socialista e da divisão, em dois, que se lhe vai seguir? 
Será porque pensando que tinha perdido as eleições europeias, com a prestação de agente infiltrado António Costa a dinamitar tudo no PS, afinal ganhou? Será que ri deste povo, pacóvio, atrasado e masoquista que, gostando de sofrer na carne, continua a votar sempre nos mesmos?

UMA SALVA DE PALMAS PARA SOUSA RIBEIRO

Redução salarial superou “limite do sacrifício admissível”


Durante muitos anos passei por ele, lado-a-lado, nas ruas da cidade e sem nunca termos trocado uma palavra. Há cerca de uma dezena de anos, quando fiz o exame ad hoc, provas de acesso para entrar em Direito, Joaquim Sousa Ribeiro foi um dos meus examinadores.
Desde que é o Presidente do Tribunal Constitucional, pelas suas tomadas de posição com base em acórdão dos juízes que constituem aquele órgão, passei a admirar este meu vizinho de Coimbra. Esta frase dele, proferida ontem na leitura de um acórdão, “A redução salarial superou o limite do sacrifício admissível” é um modelo de esperança. Estas suas palavras instituem o último reduto para os portugueses trabalhadores e que, sem rendimentos, se vêem nas faldas da indigência. Pode vir o Governo dizer que não pode fazer melhor. Se não pode não faça, mas não empurre os cidadãos para a mais aviltante miséria. O que se está a passar na nossa rua, no nosso bairro, na nossa cidade, no país é um escândalo, um extermínio da dignidade humana e uma ofensa à moral social. É insuportável o que está acontecer às nossas pequenas e pequeníssimas actividades económicas. É preciso dizer sem medo: este Governo está a matar os seus cidadãos nacionais!
O nosso problema –e daí este resultado nas eleições europeias- é que quem vem a seguir faz parte do mesma farinha, para não dizer da mesma merda. O que se está a passar no Partido Socialista, entre Costa e Seguro, é a amostra nua e crua que esta gente apenas quer poder para alimentar os seus egos, preencher lugar para os seus amigos e saquear o que ainda restar. Não prestam para nada! Não valem um caracol! Não merecem o desperdício de tempo que se perde para ir votar!
Felizmente que temos o Tribunal Constitucional! Se assim não fosse, e se agora lutamos pela sobrevivência, há muito que se vegetava ao pé-coxinho.
Hoje o Tribunal Constitucional, apesar de algum protagonismo exagerado no modelo de continuar a aparecer à hora dos telejornais, é sem dúvida uma barreira necessária para evitar ainda mais miséria. Parabéns e uma grande salva de palmas ao seu presidente, Sousa Ribeiro!

FALECEU A SENHORA MARIA DAS TINTAS



No tempo em que eu pintava as minhas paredes –porque esta época de crise associada leva tudo, até a vontade de fazer seja o que for, e transforma-nos em meros espectadores do vazio envolvente- era na loja do Amaral e Delgado, na Rua dos Oleiros, que ia comprar as tintas. Ao balcão, como árvore mestra na floresta, estava a atender a senhora Maria Marques Nogueira Guerra Amaral. Simpática, de olhar vivo e introspectivo, falava calmamente e sempre com grande acerto. Para além de ser uma mulher muito bonita, cuja idade nunca apaga os traços do rosto, tinha uma graça imanente que é impossível descrever aqui. Sempre que me via na loja ou fora dela fazia-me uma grande festa. Por força desta tempestade que nos assola, em que estando por vezes na mesma rua ou ao lado parece que criámos ilhas isoladas entre todos, deixei de a ver há cerca de dois anos. Soube hoje por uma vizinha da Rua dos Oleiros que, “devido ao aumento desmesurado da renda e poucas vendas que partilhassem os custos”, encerrou mais ou menos nessa data e as tintas, com a mesma marca, passaram a ser vendidas noutro ponto da cidade, na zona da Relvinha. Também, por coincidência ou não, nessa altura, veio a sofrer de uma doença incurável –baseado em algumas experiências, já há muito que tenho uma teoria: comerciante septuagenário que encerre a sua loja em dificuldades dura  apenas, e no máximo, três anos. Talvez esteja a ser cínico ao escrever isto assim, desta maneira e a frio. Mas o estabelecimento constitui para o profissional do comércio a extensão física do seu corpo e o lidar com os clientes a razão da sua existência, o seu espírito. Se desaparece o primeiro, o estabelecimento, deixa de haver lugar para a alma e em pouco tempo tudo se apaga.
Fui também hoje surpreendido pela notícia, na necrologia do Diário de Coimbra, da morte da senhora Maria Amaral, de 73 anos. Repetindo, como a conhecia bem e tinha com ela uma tão grande relação de simpatia e amizade não poderia deixar de escrever estas singelas palavras de apreço e homenagem. É com tristeza que vemos partir mais um de nós, que nas últimas décadas nos fez companhia e ajudou a alegrar as nossas vidas. Neste caso, a Rua dos Oleiros perde uma pessoa estimada e nós, vizinhos, sentimos um vazio inexplicável.
À sua família, marido, filhos e restante, em nome da Baixa, se posso escrever assim, os nossos sentidos pêsames. Gostámos muito de com ela ter privado. Foi um gosto. Até sempre, senhora Maria!

sexta-feira, 30 de maio de 2014

ESTRELA DE UMA MANHÃ GOUCHA



Para quem não souber, colocando de lado a pouca modéstia, sou um artista multifacetado. Eu sei lá em que áreas se dividem os meus talentos! São tantos! Escrevo, faço música, toco e retoco, sou actor empenhado –todos os dias enfio uma máscara e represento uma peça. Umas vezes de bonzinho, outras de sacana, outras de enojado com o sistema, outras ainda de braço-dado com ele, como, por exemplo, há dias em que fui votar para perpetuar este processo que nos aniquila e continuamos a pugnar para o manter em exercício.
Talvez seja por isto mesmo que a TVI, volta e meia me convida para participar num qualquer dos seus programas televisivos –e também, e sobretudo, porque a minha prestação lhes fica muito barata, a custo zero. Valha-me ao menos, tenho a sorte de me mandarem sempre uma jornalista linda e eu, bota-de-elástico e mais para lá do que para cá, desfaço-me todo em simpatias e dou-me por muito bem pago.
Desta vez, para o programa do José Manuel Luís Goucha e a passar na próxima quinta-feira, precisavam de, para além de mostrar a escola desse tempo, entrevistar dois tipos de alunos: Um abastado e outro carenciado. Neste aqui, alguém que fosse muito pobre nas décadas de 1950-1960 e, nessa altura, como aluno com poucos meios frequentasse a escola primária, hoje chamada de básica, ou primeiro ciclo. Com as habituais perguntas: como era o ensino nesses tempos do Estado Novo? Os alunos apreendiam a ideologia implícita nos livros? Como é que se justificava que os pobres, algumas vezes descalços, chegassem às aulas todos picadinhos das pulgas?
Ora sendo eu, como disse em cima, um diversificado actor, o que me custa representar o papel de pobrezinho? Nada mesmo! É canja! Até choro e tudo! Então, ontem e hoje, graças ao bom trabalho do “cameraman” José Brito e da jornalista Sofia Esteves, da TVI, a peça, em declamação, foi gravada cá no meu teatro de todos os dias, ou seja, na minha loja. Também por obra, graça e disponibilidade da Luísa Duarte, da Associação Recreativa e Cultural da Lameira de São Pedro foi possível filmar na antiga escola primária da Lameira de São Pedro, próximo do Luso, e prestar uma singela homenagem à minha desaparecida professora Odete Santos, a Dona Odete, como era tratada carinhosamente por todos.

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: O CONSUMIDOR ABUTRE"; e "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O GREGO"; 



REFLEXÃO: O CONSUMIDOR ABUTRE

No pequeno estabelecimento de hotelaria onde almoço diariamente por 5,50 € posso comer uma boa sopa, vários bocados de broa e pão, um prato bem servido de carne ou peixe, à escolha, uma bebida e um café. É normal ser-me perguntado: “quer mais um bocadinho, senhor Luís?”
Nos últimos tempos, como o número de clientes continuasse a cair, a dona do pequeno snack-bar lembrou-se de arranjar uns cartões com quinze quadrículas. A cada refeição consumida corresponde um traço. Depois de ter o cartão completo o cliente terá direito a um almoço grátis. Ou seja, o resultado deste desconto passa a refeição para 5,16 €. Então vejo pessoas sentadas ao meu lado e que conheço bem e sei a sua condição económica de relevo a, sofregamente e como se fosse a sua salvação, elevarem o bilhete em busca do risco. Ninguém ousa interrogar-se: “será que a senhora consegue ganhar dinheiro assim, desta maneira, a fazer descontos para se conseguir aguentar?” –declaro solenemente que declinei a oferta do almoço suplementar.
Tenho uma loja de comércio aberta há cerca de 20 anos na Baixa da cidade. Perante a queda acentuada e progressiva da procura interna, o desalento e a falta de motivação para continuar já há muito tomou conta de mim. É preciso dizer que o que move um negociante é a compra e venda –e uma e outra, como irmãs siamesas, estão agarradas. Se a última, a venda, decai logo arrasta a compra. Acho muita graça aos propagandistas quando apregoam aos sete ventos para que quando chove deve vender-se guarda-chuvas e não olhar para os grossos pingos da bátega que lhe caem em cima. Filosofia de quem não sabe o estado em que se encontra o comércio tradicional. Tenho para mim que, na atualidade, transversalmente os profissionais deste ramo andam todos numa declarada e preocupante depressão.
Tal como outros comerciantes, para conseguir fazer negócio, desde já há uns tempos tive de optar por fazer grandes descontos. Se não for assim não se consegue vender seja o que for. Mas fui mais longe. No vidro da montra coloquei uma mensagem assim: “Esta loja, tal como a maioria, está na iminência de encerrar. Entre, deleite-se e compre se puder, enquanto está aberta. Em contagem decrescente, apenas vai restar a memória.”
Perante a mensagem -como se vê ambígua- vale a pena contar o comportamento das pessoas que transpõem a porta. Uma grande maioria, dirigindo-se-me, começa por me interpelar: “vai encerrar? Não posso crer! Ai, não pode fazer isso! Uma loja tão linda!”. A seguir dão uma volta ao estabelecimento e apercebem-se das reduções de 20 e 50 por cento. Pegam numa qualquer peça e, mirando-a de trás para frente, interrogam sobre o preço, fazendo contas de cabeça sobre o desconto… e seguidamente oferecem metade. Isto é, prometem dar um quarto do seu valor inicial. Por conseguinte, esquecendo toda a sua argumentação anterior, em que manifestavam pesar pelo futuro de mais um ponto de venda, como abutres cheirando o sangue fresco da manada, tentam retirar o máximo de proveito da expressa fragilidade. Apesar das minhas imensas preocupações acerca do futuro da minha loja e dos comércios em meu redor, por enquanto, ainda posso negar-me a vender artigos com prejuízo e então com um grande desplante, com uma cara de pau, agradeço a oferta e remato dizendo que hoje já almocei, venha amanhã que, se calhar, até lhe venderei o artigo ainda por menos desta sua oferta. Então acontece uma coisa interessante: o até aqui arrogante comprador, como apanhado em falta, cai em si e, desfazendo-se em mil desculpas, não sabe onde se enfiar. “Ai, desculpe! Não queria ofender! Não era isso que queria dizer! Por amor de Deus! Sabe? É que eu sou o comprador, não é? E sempre foi assim! Uma pessoa tem de negociar, não é?”.
Com alguma pachorra, quando ainda consigo tê-la, lá vou explicando que, nos tempos que correm, cada vez mais é imperioso que o cliente detenha alguma moral e ética projetada numa responsabilidade acrescida perante o vendedor. Aquele, o adquirente, muitas vezes, terá de esquecer que está por cima, que detém o dinheiro para pagar, e olhar olhos nos olhos quem está em dificuldades para conseguir sobreviver. Chama-se a isto sensibilidade social e comunitária. Quem está no comércio sabe do que falo, está em marcha uma subjugação do vendedor e um domínio quase absoluto para o comprador –já tive um caso em que o cliente, levantando as notas na mão, atira: “mas o senhor não quer vender? Mas eu tenho o dinheiro! E o senhor denega a venda?”
Como disse, por enquanto ainda posso negar alienar o que me dá prejuízo. E quem precisa mesmo de vender a qualquer jeito para fazer face às suas despesas diárias? Como é que faz? Naturalmente vende e em cada transação que não tem lucro vai ficando cada vez mais vulnerável, empobrecido, e sem meios para repor a sua anterior existência. Isto é preocupante! E não escrevo apenas por mim. Declaradamente, estamos em deflação económica, em que se vende abaixo do custo por precisão, e ninguém fala nisto. As coisas perderam completamente valor e passaram a ser um estorvo para quem as adquiriu com tanto esforço e satisfação ao longo da vida e passaram a ser velharias sem interesse para os descendentes. As necessidades vão perdendo a sua importância e passam a ser apenas o que podem ser.
Perante a crise galopante que soterra quem mais precisa, este comportamento excessivo e abusivo do consumidor é o que é! Estamos em plena selva social e onde os mais fortes se sobrepõem aos mais fracos. Estamos no tempo da caça ao homem. No aforismo de Thomas Hobbes, filósofo inglês da Idade Moderna, em que o Homem é o Lobo do Homem, em que o comprador, o dono do dinheiro, apercebendo-se da vulnerabilidade do vendedor, espezinha-o, humilha-o como se fazia aos escravos até meados do século XIX. Uma pergunta emerge: mas, ao longo da história mercantil, da compra e venda, não foi sempre assim? Foi! Mas que custa muito estar no lugar do calcado, lá isso custa! Fosca-se!


ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O GREGO

Já passámos tantas vezes por ele nas ruas estreitas e becos de sombras recolhidas da Baixa da cidade. O que nos deixa a pensar e mais impressiona na sua imagem algo vacilante é a sua face carregada de melancolia. Olhar os seus olhos negros, rosto pontiagudo e emoldurado com uma espessa barba branqueada pelo tempo, imediatamente nos reporta para o berço da civilização ocidental, a Grécia. Se formos pessoas de mais de meio-século e continuarmos a pensar, vamos fazer analogia com alguém que vimos no cinema há muitas décadas: Anthony Quinn, no filme Zorba, o Grego, de 1964.


Dá pelo nome de Carlos Leonel Cardoso Gonçalves, tem 56 anos e uma história de vida para contar. Como muitas narrações, a sua biografia dava um livro. Já foi tudo nesta vida, criança problemática, órfão, adolescente complicado, adulto edonista, presidiário, homem rico, sem-abrigo e muito pobre, agora. De rara sensibilidade, os seus poemas –dos poucos que resistem à sua destruição, alega-, num sentimento de dor, falam por si. Mas, afinal, quem é o Grego? Vamos ler as suas declarações:
“Nasci em Lisboa, em 1958. Os meus avós maternos, muito trabalhadores e humildes, eram comerciantes de hortaliça. Tinham uma grande quinta, com trinta mil metros e onde produziam os legumes e outras verduras que iam vender ao mercado. Os meus pais eram pessoas simples, sem grande arrojo para as letras. Contando comigo, tiveram três filhos. Desde que me lembro de existir, sempre fui uma criança irreverente, diferente -talvez difícil, em sentido lato. De tal modo que fui levado ao padre para me benzer e expulsar o demónio que presumivelmente estaria dentro de mim. Sempre fui muito virado para as adições. Lembro-me de com cinco anos ter sido apanhado pela minha mãe a fumar na cama.
Cresci numa família complicada e onde, para mim como mastro de um navio, o seu esteio era a minha mãezinha. O meu pai era alcoólico. Tinha eu onze anos quando o destino, como partida azarada, me levou a minha protetora, o meu amor, e que me acolhia nos seus braços nas noites longas de lua cheia. Nunca mais recuperei. Pelo choque, foi como se tivesse recebido uma segunda alma desconsolada e pintada de negro, de amargura cinzelada. Se já era complicado muito mais fiquei. Não é que pretenda branquear o meu passado e culpabilizar esse acontecimento, mas, na individualidade, somos o que somos resultado de uma circunstância. Sempre fui muito sensível. Escrevo poesia para expurgar o meu sofrimento mas, quando me dá uma crise e para apagar, acabo a rasgar tudo. Tenho uma especial atinência para diferenciar o bem do mal e nunca maltratei ninguém. Estudei até ao ciclo e cheguei a entrar num curso industrial mas a tristeza, projetada na perda da minha mãe, não me deixava cabeça para mais nada e desisti. Nos anos subsequentes, para afogar aquela angústia que me consumia a alma, perdi-me a consumir tudo, desde álcool, drogas, e até anfetaminas. E ganhei esquizofrenia. Vieram as más companhias e, por coisas simples, conheci a cadeia com 19 anos. Estive pouco tempo preso porque tive gente muito boa que atestando eu ser boa pessoa estava naquela situação por falta de apoio familiar e carinho debilitado. Mal saí fui logo cuidar da minha avó até à sua morte. Depois, como se buscasse remédio para o vazio da minha solidão, foi um correr de colo em colo nos braços de tantas raparigas. Não é para me gabar, mas as mulheres gostavam de mim. Tive muitas namoradas. Eu era um “bon vivant”, arrogante, orgulhoso e bem-apessoado. Tive uma série de carros todos artilhados e que completavam o quadro de “matador de corações”. Nunca tive uma profissão de jeito. Fui sempre um biscateiro e distribuindo-me em afazeres variados.
Por morte da minha avó, eu e os meus irmãos, herdámos a quinta e vendemo-la logo de seguida. De repente acordei rico. Entretanto, conheci a mãe da minha filha e, em meados da década de 1990, abrimos uma loja de modas e pronto-a-vestir em Setúbal. Aquilo era uma mina. Era sempre a vender. Ganhei rios de dinheiro. Cheguei a ter duas habitações na cidade do Sado. Uma delas com 140 metros quadrados. Tinha também um carro descapotável. O estabelecimento durou uma década. Foi a separação da minha companheira, levando-me a minha filha, que me aniquilou. Passei uma noite inteirinha a chorar. Lembro-me, até escrevi este poema: A dor de não te ter agride o meu ser/ ver-te, beijar-te e não me pertenceres/ as minhas palavras não as consegues ouvir/ por muito que eu grite não te fazem viver/ vais crescer sem mim, que pouco te posso dar/ não é num dia por mês que eu te consigo amar (...).
A partir daí foi sempre a descer até às catacumbas da consumição. Acabei a perder tudo e a terminar como sem-abrigo, a dormir na rua em cima de papelão. Cheguei a comer dos caixotes do lixo. Foi então que se cruzou comigo a instituição Vida e Paz. Ampararam-me e enviaram-me para a Cáritas Diocesana de Coimbra. Estou a receber o Rendimento Social de Inserção e, com ele, pago um quarto aqui na Baixa e onde habito. Vou comer à Cozinha Económica. Durante o dia faço piscinas contando as pedras da calçada. Mas o que posso fazer mais? Estou muito debilitado, da cabeça e dos pulmões. Tenho uma personalidade muito complexa mas não faço mal a alguém que seja. Domino os meus medos e as vozes que, por vezes, me atormentam. Sou a consequência das más escolhas que fiz, reconheço.
Gostava muito de ter uma companheira, mas quem é que me atura? E sei lá quem vou aturar? Apesar de tudo, sinto-me muito bem aconchegado aqui na Baixa. Todos me ajudam, me respeitam e tratam bem.”


ASCO, SIMPLESMENTE...

(Foto do CM)



“Câmara de Lisboa dá 40 mil euros à Fundação Mário Soares”

“Quarenta mil euros é quanto a Câmara Municipal de Lisboa vai pagar este ano à Fundação Mário Soares. Apesar da contenção de despesa, a autarquia lisboeta vai aprovar um protocolo que dá à fundação do antigo Presidente da República uma verba de milhares de euros”  -in Correio da Manhã – jornal. VEJA AQUI.
(Notícia de 13 de maio de 2013)

Ao que parece, e segundo as redes sociais, “Primeiro Mário Soares declarou o seu apoio a António Costa, logo depois a CML reforçou o financiamento da Fundação Mário Soares.” –saliento para quem não souber que Costa é o presidente da Câmara Municipal de Lisboa.


«Sócrates dá 600 mil euros a Soares em plena crise» - Correio da Manhã


Já não sei se esta gentalha me causa asco, se vómitos, se repulsa, se admiração pela forma como se move no meio de todos nós e, à sua desenvergonhada passagem de falta de moral e ética, muitos dos seus prosélitos continuam a bater palmas e outros, como eu, trabalhando noite e dia para se aguentarem, continuando a pagar com língua de palmo, olham para isto e nada fazem.

A pergunta que faço para mim é: mas ninguém pára estes aproveitadores da coisa pública? –Fiz um esforço tremendo para me conter no adjectivo.

UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE...




SuperFebras deixou um novo comentário na sua mensagem "O VELHO RELÓGIO PARADO DA ESTAÇÃO NOVA":


Amigo:

Que pena! Mas expectável!
Já lá vai o tempo em que os chefes de estação plantavam e tratavam dos jardins das mesmas para, com grande orgulho, mostrarem o brio que tinham naquilo que lhes era confiado e porque eram responsáveis. Salvo erro, até se premiava a mais bonita estação no país.
No tempo da velha senhora quem sabe não ia o responsável acabar por chefiar uma das estações dos nossos lindos Açores! Sim, nos Açores também há estações: quatro! Primavera, Verão, Outono e Inverno!
Agora pergunto eu, será que o movimento ainda por lá está?

Um abraço

Álvaro José da Silva Pratas Leitão
Bradford, Ontário
Canadá

quinta-feira, 29 de maio de 2014

O VELHO RELÓGIO PARADO DA ESTAÇÃO NOVA



O relógio da Estação Nova permanece parado, morto e sem vida, há muito tempo. Estará em greve de zelo, como que a mostrar que a cidade nem anda para a frente nem para trás? Estará avariado? Quem vai responder a estas questões é Hermínio Freitas Nunes, proprietário da prestigiada firma de concertos de relógios de Campanário e de Torre e com sede na Marinha Grande "TicTac Temporis". Hermínio é um dos poucos especialistas nacionais que operam nesta área de conservação e restauro de relógios mecânicos e preocupado com a memória futura. A sua inquietação vai muito além do artesão reconstrutor; é um restaurador de obras de arte do passado, tentando prevenir o presente, para que a história não se separe dos objectos físicos e os vindouros saibam e tomem consciência de que a modernidade não assenta em cortes horizontais mas sim numa linha de continuidade.
Só se compreende que Freitas Nunes seja mesmo assim, um artesão de rara sensibilidade, sendo ele mesmo a trazer-me a indignação do relógio por ele reconstruído em 2009 permanecer naquela apatia, num desleixo inconcebível, e que se incomoda uma maioria a ele toca muito mais. Vamos ler o lamento pungido de Hermínio Nunes na primeira pessoa:
“Em 2009 foi-me adjudicada pela Refer Telecom a obra de restauro deste relógio, que é um das mais pequenas máquinas de torre do mundo, desenvolvido por Paul Guarnier (1801-1869) exclusivamente para fachadas das grandes gares ferroviárias da época. Além de França, sei que exportou estes marcadores de tempo para os caminho-de-ferro portugueses, ingleses e belgas. Desconheço se além deste, restaurado na minha oficina, existe mais algum similar ainda em funcionamento.
Por contrato, e incluído no preço adjudicado na altura, fiquei responsável pela manutenção e funcionamento deste velho marcador de tempo. Acabei por me apaixonar por este velho engenho de registar horas e sem que nunca fosse solicitado para o efeito, por minha iniciativa, sempre que venho a Coimbra lá vou dar um abraço com os meus olhos ao temporizador. Por coincidência ou não, sempre que vinha à cidade constatava a sua paragem e lá ia eu pedir a chave e dava corda ao meu protegido. Este, como a mostrar-me o seu reconhecimento parecendo sorrir de contentamento lá das alturas, ficava a trabalhar noite e dia. Até que há cerca de dois anos para cá deixei de poder aceder à torre. Ou porque não se sabe quem é o responsável –o anterior já se aposentou-, ou porque não sabem da chave, e sei lá de quê mais, a verdade é que o relógio jaz ali inerte e abandonado. E isto dói-me muito, sabe? No fundo, manter uma obra daquela importância histórica e que passou pela minha oficina naquele estado de desprezado, é um descrédito para o meu bom nome. Repito que, financeiramente, não ganho absolutamente nada em fazer isto. Com muito pesar porque me fere a alma, praticamente já desisti de dar vida àquela velha máquina, de valor incalculável e raro espécime museológico. É triste, não é?”


TEXTOS RELACIONADOS

"Finalmente Coimbra vai entrar nos carris a horas"
"Uma imagem ao acaso"
"Quem tramou a Estação Nova?"

PARA RIR....



(Recebido por e-mail)

quarta-feira, 28 de maio de 2014

EDITORIAL: AGUENTAR A BAIXA COMO?



Fundei o Blogue Questões Nacionais nos primeiros meses de 2007. Com ajuda de uma amiga que já não está entre nós, criei este espaço como uma espécie de gaveta interactiva onde arrumo tudo o que escrevo e, sem barreiras, esteja acessível a todos os visitantes. É uma espécie de muro das lamentações. Mas tive sempre uma intenção imanente: escrever sobre a cidade e sobre a Baixa, intervindo politicamente, sobre a polis. E aqui, sobretudo, falar das pessoas, contar as suas existências anónimas, dando à estampa as suas dificuldades, concedendo-lhes nome, quando permitem, e alguma importância que nunca lhes foi dada, a tantos, tantos, que por aqui diariamente calcorreiam as pedras da calçada. Já publiquei cerca de 8500 posts ao longo destes sete anos e onde largas dezenas, senão centenas, serão histórias de vidas de gente de carne e osso como nós que, como almas errantes perdidas no meio da multidão, nunca se saberia nada delas. Foi assim, através deste meio, que acabei a registar a sua passagem terrena. Passando a imodéstia, sei que o que faço “pro bono” é importante e muito mais e essencialmente para os visados. Aqui está registado tudo e todos que, de uma forma ou de outra, me chamaram a atenção.
Na mesma área de intervenção, da Baixa –se posso escrever assim-, sendo comerciante estabelecido na zona, procurei sempre dar a conhecer, por dentro porque os conheço e falo com eles, o estado anímico dos comerciantes e ao mesmo tempo a situação do comércio local. Noticiando as lojas que abrem e as que encerram. Escrevendo sobre aqueles profissionais que durante uma vida inteira dedicada ao negócio tradicional, por insolvência, sem futuro, ou por morte física, partem da nossa coexistência pacífica e diária –é curioso verificar que em todos estes anos tantos e tantos desapareceram da nossa convivência. Quando miro as cerca de dez mil fotografias que fui captando é que me apercebo de tantos colegas, entre patrões e empregados, que nos deixaram.
E comecei a escrever este texto com a intenção de mostrar que os problemas da Baixa e do comércio tradicional de há sete anos continuam os mesmos e sem serem resolvidos. Aliás, garanto que estamos muito mas muito pior. No entanto, numa apatia endémica e inexplicável, tudo continua a rolar como se nada se passasse. Em metáfora, esta zona é como se fosse um rio a correr para o mar e sem que ninguém se importe que as suas águas transbordem as suas margens. É a Natureza e nada se pode fazer, poderia dizer-se assim.
Na Baixa e nestes últimos sete anos desapareceram cerca de dois terços dos estabelecimentos mais antigos. Na sua dinâmica natural, alguns deles deram lugar a outros negócios mas estes, emergentes, raramente se aguentam mais de um ano. Ao longo deste tempo tenho assistido a verdadeiras tragédias e em que, algumas vezes, acabo a chorar com as vítimas. Já escrevi tanto sobre este mesmo assunto que até a mim me cansa. A pergunta de retórica e que sem resposta apreensível faço constantemente é muito simples: o que se quer fazer da Baixa? Alguém sabe responder a esta questão? A Câmara Municipal, incluindo o executivo e Assembleia Municipal, não tem obrigação de dar conclusão esta pergunta? É curioso que as campanhas eleitorais para a edilidade travam-se aqui, nesta zona velha. Durante este período eleitoral é ver os candidatos de loja em loja e de porta em porta a cumprimentarem os residentes. Passam as eleições e todos esquecem este berço do comércio citadino.
Pode até pensar-se que nada se faz para revitalizar esta zona porque não há dinheiro. Nada disso. A meu ver, o que é preciso é planear bem o que se faz na cidade e, dentro das possibilidades, canalizar os eventos directamente para esta parte velha, baixa e alta da urbe. Embora já há muitos anos ande a bater na mesma tecla, vou dar um exemplo: fará algum sentido realizar a Feira Cultural de Coimbra no Parque Manuel Braga? Então não se deveria aproveitar este evento, de uma semana e que está a decorrer, para dar vida ao Centro Histórico? Qual será a razão de colocar os standes todos juntos no Parque da Cidade e virados de costas uns para os outros? A meu ver, quem está à frente destes certames não percebe nada do que faz e, como não fala com quem sabe e também não viaja para outros lugares continua a fazer asneiras –veja-se o exemplo de Oliveira de Azeméis, já escrevi sobre o sucesso da sua feira antiga. Mudem as pessoas. Coloquem nestes lugares gente nova, com ideias novas e, acima de tudo, que saiba ouvir quem cá mora e trabalha. Sem querer ofender quem quer que seja, as decisões de eventos que poderiam ajudar a dar vida a esta parte da cidade estão na mão de aselhas que, fazendo sempre a mesma repetição de rotina, até parece que têm umas palas de burro sobre os olhos vidrados sobre o mesmo ângulo. Mudam os presidentes mas os erros continuam. Vou ainda ser mais directo, esta nova vereadora da Cultura, Carina Gomes –que não conheço-, e que foi nomeada há oito meses, por acaso, já se deu ao trabalho de reunir com um qualquer grupo de comerciantes para saber o que pensam sobre a revivificação da Baixa?
Não é preciso ser presciente para adivinhar que se vai continuar a estourar mais uns milhares de euros nas Noites Brancas e que, retirando a vantagem directa da hotelaria, não interessam para nada. Mas estes eventos foram criados para revitalizar o comércio, não foram?
Outro exemplo e referente à actividade turística na cidade. Depois da classificação da Universidade e Rua da Sofia pela Unesco como Património da Humanidade assistimos a “enxurradas” de turistas, em manada, a percorrem sempre o mesmo perímetro –Universidade, Quebra-Costas, Ruas do Canal, Ferreira Borges e Visconde da Luz, Largo da Portagem e recolhimento ao hotel. E então as ruas estreitas? E a Rua da Sofia? São arredadas destes percursos por quê? Será porque nestas vias pedonais não existem pontos de venda de artesanato? Mais ainda, porque é que os grupos, aparentemente e segundo se diz, frequentam sempre as mesmas lojas de artesanato e os mesmos cafés? Será que é boato?  No diz-que-disse, há muito que se afirma esta pouca-vergonhice do negócio entre os guias e alguns estabelecimentos. O turismo sofre de raquitismo? Ou está viciado? Já alguém se preocupou em pensar que este procedimento, a ser verdade, para beneficiar meia-dúzia, está a prejudicar toda a cidade? Os responsáveis não sabem disto? Ai não? Mas eu há poucos anos escrevi sobre esta escandaleira e enviei para a falecida Empresa Municipal de Turismo. Você, leitor, respondeu? Pois, o sinal de retorno do então vereador Providência foi igual. Fez de conta que recebeu uma carta a insultá-lo e de uma qualquer besta. O problema é que -e agora igualmente com este novo executivo que anteriormente mandava farpas contra a Coligação por Coimbra- estamos entregues a gente assim, como este senhor, que não ocupam os lugares para resolver seja o que for. Estão lá porque lhes dá jeito! E, como é natural, o resultado está à vista de todos: desmazelo e continuado abandono do centro da cidade. Até quando? Até qualquer dia. Até quando Deus Nosso Senhor quiser!

BOM DIA, PESSOAL...

terça-feira, 27 de maio de 2014

CAÍDA EM COMBATE



 Encerrou no fim desta última semana a frutaria Dulcínia, na Rua das Padeiras. Com um projecto de investimento subsidiado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) aos desempregados, e com o estabelecimento aberto em Novembro último, a Dulcínia Alves, perante as evidências de poucas vendas e apercebendo-se de que a sua vida estava a complicar-se, dia-após-dia, optou por encerrar.
Vamos ler as declarações da Dulcínia, que, conjuntamente com o marido, durante sete meses foi nossa vizinha e aqui deixou muitos amigos: “Olhe, tivemos mesmo de optar pelo fecho da loja. Como se estivéssemos sobre areias movediças, estávamos a enterrar-nos cada vez mais. Nos últimos meses do ano passado, Novembro e Dezembro e até ao primeiro deste ano em Janeiro foi bom e deu para compensar. A partir de Fevereiro foi um “Deus nos acuda”! Um descalabro completo! Mas teve mesmo de ser assim! Não havia mais nada a fazer! Chorei muito neste último Sábado a retirar as nossas coisas. Foi um sonho que se apagou. É muito triste, sabe? E bolas, eu tinha experiência do ramo! O que se passou é que as pessoas, como subitamente, deixaram de comprar. Entravam na loja, viam os preços e quando eu interrogava se podia ajudar respondiam que não havia o que queriam. Nada disso! Não tinham dinheiro, era o que era! Ainda baixámos a nossa margem até onde era possível mas chegou a um ponto que era só mesmo trabalhar para aquecer!
Gostava de deixar aqui um alerta para os jovens: muito cuidado nestas aventuras comerciais. Não façam como eu, que me atirei de cabeça e agora, como não consegui cumprir com o IEFP vou ter de devolver a verba concedida anteriormente. Felizmente tive a sorte de arranjar um trabalho na Recolte –a empresa que recolhe os detritos urbanos na cidade- e assim, já sei, uma pequena parte do meu salário vai para a reposição. Perdi muito com este investimento. Mas e adivinhar? Se a gente soubesse o que ia acontecer nunca se metia em nada! É ou não é?”


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"Um comentário recebido..."

A ARTESÃ DA BICICLETA ROXA




Quem passa na Rua Ferreira Borges e junto ao Arco da Traição não pode deixar de se aperceber de uma artesã junto de uma bicicleta roxa. A fazer lembrar os antigos ourives que percorriam as aldeias, em cima da traseira do velocípede uma mala expõe os artigos manufacturados. Os turistas, talvez tocados pelo invulgar quadro ou até pelos lindos olhos de intenso azul-cobalto da vendedora, páram e alguns compram –reparei que depois de adquirirem uma peça tiram uma fotografia à linda vendedeira.
Já todos sabemos que por trás de uma consequência está sempre uma causa, ou, por outras palavras, no presente que se apreende há sempre uma história para contar. Vamos conhecer esta bonita artesã. Quem é a artista de pulseiras em malha Viking e que vende também macramé, crochet e tricot?
“Chamo-me Inês Moura e sou natural do Porto. Desde que me conheço que adoro o artesanato. É uma paixão que já vem de longe –lembro-me que com 5 anos já fazia renda de bilros para a minha avó. A partir de 2007 comecei a interessar-me verdadeiramente por esta arte. Trabalhava numa empresa de informática, tratava do comércio internacional, das compras com o Oriente, mas larguei tudo para me dedicar ao que gosto mesmo de fazer. Claro que nesta decisão contou muito o ter conhecido o meu companheiro e ter nascido a Violeta, a nossa filha, o tesouro das nossas vidas e rainha das flores do nosso jardim pessoal. Foi ela a raiz deste projecto. Eu confecciono as pulseiras em malha Viking –uma técnica ancestral dos povos do Norte da Europa- e o meu namorado trabalha o macramé.
Estou a adorar a cidade. É muito bonita. Acho que deve ser a única urbe que tem águias a sobrevoá-la permanentemente. Reparei nisso junto ao rio Mondego.
Os estrangeiros são os que mais compram, porque têm outro poder financeiro. Os portugueses gostam muito, dizem-me frequentemente, mas não podem comprar.
Estou muito feliz por estar na cidade dos estudantes. Não sei quantos dias iremos permanecer cá. Nunca fazemos planos. Hoje estamos aqui, amanhã logo se verá!”

Pode consultar aqui a página de Raiz Violeta no Facebook 

BOM DIA, VIETNAM...

CONVÍVIO DE ANTIGOS ALUNOS DA ESCOLA JAIME CORTESÃO




No próximo dia 5 de Julho, Sábado, vai realizar-se o 2.º Encontro de antigos alunos da Escola Jaime Cortesão, outrora chamada de Sidónio Pais. O ponto de encontro está marcado para as 19h00, à porta da escola junto ao Mercado Municipal de Coimbra e seguindo-se um jantar de confraternização. O repasto será no Restaurante La Cabra, na Rua Castro Matoso, junto aos Arcos do Jardim. No ano passado compareceram quatro dezenas de ex-alunos da década de 1990.
As inscrições pode ser feitas nos seguintes endereços electrónicos:
e/ou enviando e-mail para lilianazevedo77@hotmail.com.


COMPAREÇA!!

segunda-feira, 26 de maio de 2014

ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O GREGO



Já passámos tantas vezes por ele nas ruas estreitas e becos de sombras recolhidas da Baixa da cidade. O que nos deixa a pensar e mais impressiona na sua imagem algo vacilante é a sua face carregada de melancolia. Olhar os seus olhos negros, rosto pontiagudo e emoldurado com uma espessa barba branqueada pelo tempo, imediatamente nos reporta para o berço da civilização ocidental, a Grécia. Se formos pessoas de mais de meio-século e continuarmos a pensar, vamos fazer analogia com alguém que vimos no cinema há muitas décadas: Anthony Quinn, no filme Zorba, o Grego, de 1964.
Dá pelo nome de Carlos Leonel Cardoso Gonçalves, tem 56 anos e uma história de vida para contar. Como muitas narrações, a sua biografia dava um livro. Já foi tudo nesta vida, criança problemática, órfão, adolescente complicado, adulto edonista, presidiário, homem rico, sem-abrigo e muito pobre, agora. De rara sensibilidade, os seus poemas –dos poucos que resistem à sua destruição, alega-, num sentimento de dor, falam por si. Mas, afinal, quem é o Grego? Vamos ler as suas declarações:
“Nasci em Lisboa, em 1958. Os meus avós maternos, muito trabalhadores e humildes, eram comerciantes de hortaliça. Tinham uma grande quinta, com trinta mil metros e onde produziam os legumes e outras verduras que iam vender ao mercado. Os meus pais eram pessoas simples, sem grande arrojo para as letras. Contando comigo, tiveram três filhos. Desde que me lembro de existir, sempre fui uma criança irreverente, diferente -talvez difícil, em sentido lato. De tal modo que fui levado ao padre para me benzer e expulsar o demónio que presumivelmente estaria dentro de mim. Sempre fui muito virado para as adições. Lembro-me de com cinco anos ter sido apanhado pela minha mãe a fumar na cama.
Cresci numa família complicada e onde, para mim como mastro de um navio, o seu esteio era a minha mãezinha. O meu pai era alcoólico. Tinha eu onze anos quando o destino, como partida azarada, me levou a minha protectora, o meu amor, e que me acolhia nos seus braços nas noites longas de lua cheia. Nunca mais recuperei. Pelo choque, foi como se tivesse recebido uma segunda alma desconsolada e pintada de negro, de amargura cinzelada. Se já era complicado muito mais fiquei. Não é que pretenda branquear o meu passado e culpabilizar esse acontecimento, mas, na individualidade, somos o que somos resultado de uma circunstância. Sempre fui muito sensível. Escrevo poesia para expurgar o meu sofrimento mas, quando me dá uma crise e para apagar, acabo a rasgar tudo. Tenho uma especial atinência para diferenciar o bem do mal e nunca maltratei ninguém. Estudei até ao ciclo e cheguei a entrar num curso industrial mas a tristeza, projectada na perda da minha mãe, não me deixava cabeça para mais nada e desisti. Nos anos subsequentes, para afogar aquela angústia que me consumia a alma, perdi-me a consumir tudo, desde álcool, drogas, e até anfetaminas. E ganhei esquizofrenia. Vieram as más companhias e, por coisas simples, conheci a cadeia com 19 anos. Estive pouco tempo preso porque tive gente muito boa que atestando eu ser boa pessoa estava naquela situação por falta de apoio familiar e carinho debilitado. Mal saí fui logo cuidar da minha avó até à sua morte. Depois, como se buscasse remédio para o vazio da minha solidão, foi um correr de colo em colo nos braços de tantas raparigas. Não é para me gabar, mas as mulheres gostavam de mim. Tive muitas namoradas. Eu era um “bon vivant”, arrogante, orgulhoso e bem-apessoado. Tive uma série de carros todos artilhados e que completavam o quadro de “matador de corações”. Nunca tive uma profissão de jeito. Fui sempre um biscateiro e distribuindo-me em afazeres variados.
Por morte da minha avó, eu e os meus irmãos, herdámos a quinta e vendemo-la logo de seguida. De repente acordei rico. Entretanto, conheci a mãe da minha filha e, em meados da década de 1990, abrimos uma loja de modas e pronto-a-vestir em Setúbal. Aquilo era uma mina. Era sempre a vender. Ganhei rios de dinheiro. Cheguei a ter duas habitações na cidade do Sado. Uma delas com 140 metros quadrados. Tinha também um carro descapotável. O estabelecimento durou uma década. Foi a separação da minha companheira, levando-me a minha filha, que me aniquilou. Passei uma noite inteirinha a chorar. Lembro-me, até escrevi este poema: A dor de não te ter agride o meu ser/ ver-te, beijar-te e não me pertenceres/ as minhas palavras não as consegues ouvir/ por muito que eu grite não te fazem viver/ vais crescer sem mim, que pouco te posso dar/ não é num dia por mês que eu te consigo amar (...).
A partir daí foi sempre a descer até às catacumbas da consumição. Acabei a perder tudo e a terminar como sem-abrigo, a dormir na rua em cima de papelão. Cheguei a comer dos caixotes do lixo. Foi então que se cruzou comigo a instituição Vida e Paz. Ampararam-me e enviaram-me para a Cáritas Diocesana de Coimbra. Estou a receber o Rendimento Social de Inserção e, com ele, pago um quarto aqui na Baixa e onde habito. Vou comer à Cozinha Económica. Durante o dia faço piscinas contando as pedras da calçada. Mas o que posso fazer mais? Estou muito debilitado, da cabeça e dos pulmões. Tenho uma personalidade muito complexa mas não faço mal a alguém que seja. Domino os meus medos e as vozes que, por vezes, me atormentam. Sou a consequência das más escolhas que fiz, reconheço.
Gostava muito de ter uma companheira, mas quem é que me atura? E sei lá quem vou aturar? Apesar de tudo, sinto-me muito bem aconchegado aqui na Baixa. Todos me ajudam, me respeitam e tratam bem.”

BOM DIA, PESSOAL....

sábado, 24 de maio de 2014

PARABÉNS "CALINAS"




Faz hoje 84 anos o segundo jornal mais antigo da cidade em actividade: o Diário de Coimbra –o primeiro é O Despertar.
Tenho um grande carinho pelos dois periódicos. Pelo segundo, O Despertar, dou muito de mim pela colaboração semanal que lhe dedico gratuitamente. Muito mesmo! Só quem já fez igual sabe avaliar o que custa manter uma página inteira actualizada todas as semanas. Pelo primeiro, pelo Diário de Coimbra, para além de ser assinante e fazer o mínimo, pouco, tenho um afecto muito especial por este jornal. Como leitor diário, faz parte da minha vida já há décadas. Não haverá um único dia que não o leia, nem que seja a correr. Nunca dispenso. Mesmo até noutros tempos, quando era rico e me dava ao luxo de poder gozar duas semanas de férias, sentia-me "em pulgas" para ler as suas notícias. Então, quando regressava e depois de ir ansiosamente à caixa de correio, durante duas ou três horas ia desfolhar todas as edições e verificar o que se tinha passado na cidade e arredores.
Mas há um caso que me amarrará para sempre ao Diário de Coimbra. Nos últimos 20 anos privei de perto com Adriano Lucas, o seu emérito director e que nos deixou em 2011. Durante muitos anos e praticamente até quase à sua fase terminal de vida foi meu cliente e amigo –tenho para mim que foi mais amigo do que cliente. Muitas vezes, quando me visitava e começava a negociar uma peça, dava comigo em pensar que a sua intenção era mesmo ajudar-me. Havia ali algo espiritual que transcendia a própria compra. É certo que Adriano Lucas tinha meios financeiros para o fazer mas, naqueles gestos havia muita sensibilidade, um sentimento que transcendia uma qualquer negociação bilateral. Havia ali uma alteridade implícita -é curioso que tenho escrito bastante sobre a forma comportamental dos consumidores dos nossos dias, de agora, no declarado abuso de posição dominante sobre o vendedor, a parte mais frágil nesta crise económica. Sobre a forma de ser cliente, no saber estar e ocupar o seu lugar, respeitando a dignidade do vendedor, o meu saudoso Adriano deixou lições para quem com ele privou de perto. Onde quer que esteja, uma grande salva de palmas pela sua generosidade e recordação que até aos meus últimos dias me marcará para sempre.
Quanto ao "nosso" Diário de Coimbra, o seu menino de colo, a sua segunda alma enquanto Adriano Lucas viveu, felizmente para todos nós, continua vivo, pujante, e recomenda-se. Por isso mesmo, cá do meu cantinho, um grande abraço de felicitação pelo seu quase um século de vida. Muitos parabéns a todos quantos contribuem para o seu renascimento diário.

ORA VEJA...

ABSTENÇÃO I LOVE YOU

(Imagem da Web)


Ao ler a notícia do jornal Público sobre “Cidadãos incapacitados ainda são abstencionistas à força”, em que se escreve, “Relatório europeu sobre participação política das pessoas com deficiência aponta Portugal como um de três países da União que fazem depender exercício da capacidade eleitoral da deslocação a mesas de voto”, sou levado a pensar que a abstenção faz mesmo muito  jeito aos partidos políticos portugueses.
Num tempo em que o telemóvel, a Internet e o multibanco tomaram conta das nossas vidas como é que se pode entender que a participação ao sufrágio exija uma deslocação presencial às mesas de voto? Só se compreende quando a não participação, cada vez maior diga-se a propósito, implica ganhos substanciais aos maiores partidos do chamado arco do poder, nomeadamente, CDS/PP, PSD e PS. Escrevo sem dados que me permita consubstanciar esta tese da conspiração, mas os dados são demasiado relevantes, e até a raiar o escândalo, para se pensar que não andará grossa marosca nesta jogada. Ao olhar para este procedimento arcaico é o mesmo que a lei obrigar os novos automóveis eléctricos, renegando o seu objecto alternativo, a terem de funcionar a gasóleo, gasolina ou gás para salvaguardar a indústria petrolífera –a propósito dos carros, na prática não será assim mas andará lá próximo pela criação de outros obstáculos.
Voltando à abstenção, se assim não fosse, ou seja, se não houvesse intenção deliberada de a provocar, como classificar o facto de o Cartão do Cidadão armazenar todos os dados das pessoas menos o número de eleitor?
Alguém, uma minoria, anda a fazer da maioria uma cambada de estúpidos e atrasados mentais. O que mais dói, pela performance fingida e teatral, vão ser as lágrimas de crocodilo vertidas nesta próxima segunda-feira quando se verificar que a abstenção nestas eleições foi superior a 60 por cento –nas últimas foi de cerca de 63 em cem.
Mais ainda, olhemos, nem que seja ao de leve, para as aberrações debitadas no último mês. Alguns inteligentes, supra-sumos da opinião política, “opinion makers”, como é o caso dos vendedores de política laranjinha Marcelo Rebelo de Sousa e o ministro de todas as ideologias, desde a direita até à esquerda, Diogo Freitas de Amaral querem impingir-nos a obrigação legal de votar. Se isto não fosse tão idiota e tão burro, vindo de quem vem e ditos tão inteligentes e o país não andasse tão sorumbático, dava vontade de rir. Podemos interrogar: alguma vez uma norma persiste no tempo apenas com base na sua obrigatoriedade? Persiste sim! Mas para tal acontecer o cidadão, na sua apreensão de justiça entre o bem e o mal, terá de classificar a medida como justa e essencial à vida em comunidade. Por conseguinte, como num contrato, a necessidade social terá de transcender o interesse individual. Vou explicar melhor, todos os cidadãos são obrigados a estar registados e a ter uma identificação, fiscal e personalizada. Salvo excepções, poucos contestam esta legalidade e não se sentem coagidos pelo facto. Ora compelir alguém pela força coercitiva a cooperar num acto pelo simples motivo de participação pública, tendo acoplado um objectivo dúbio, é o mesmo que se forçar alguém a beber água sem ter sede. Ingere-se o líquido para a boca e expele-se logo a seguir. O seu resultado prático será sempre nulo. Nos humanos, tudo o que é constrangido, sem uma participação mínima de base racional ou emotiva, tem tendência para a libertação. Na natureza a mesma coisa. Pode desviar-se um rio e manter o seu leito durante décadas ou séculos mas virá um dia em que tudo voltará ao seu ponto de retorno inicial.
Por outro lado, não deixam de ser curiosos estes constitucionalistas, Marcelo e Amaral, defensores da democracia e do pluralismo, quererem implantar uma medida, em tese, muito próxima dos regimes ditatoriais. Isto é, sabendo antecipadamente que os vencedores estão sempre num grupo de dois, uma vez que ganham sempre os mesmos na alternância, o acto de participação, obrigacional ou não, perde todo o interesse pelo efeito de não surpresa. É preciso clarificar que o processo eleitoral na actualidade está cada vez mais viciado. Com algumas excepções, quem continua a votar por princípio de cidadania, e sem estarem amarrados a agremiações partidárias, são os mais velhos. Os mais novos, retirando os jotinhas interesseiros e em busca do lugar ao Sol, para além de desconhecerem o que se passa à sua volta, pouco querem saber de política. Ora, sendo assim, quem resta? Os sequestrados de identidade, aqueles cujo domínio ideológico e partidário, prosélitos e seguidistas, há muito tomou conta das suas vidas e perderam a noção de liberdade. Hoje, em Portugal, os resultados das eleições estão dependentes e entregues a estes escravos e frequentadores da urna. Há deslocalização por descontentamento? Há sim! Mas tal como em finais do século XIX, o rotativismo está aí colado, para durar, e não interessa muito mexer no que dá tanto jeito a alguns eleitos.



BOM DIA, PESSOAL...

sexta-feira, 23 de maio de 2014

NOVO HERÓI DAS BEIRAS


(Imagens da Web)

Mais de um mês em fuga e após ter assassinado duas mulheres e ferido outras duas em Valongo dos Azeites, São João da Pesqueira, região do Douro, foi finalmente preso Manuel Baltazar, também conhecido como “Palito”. Ontem, à porta do Tribunal onde iria ser ouvido em interrogatório, os populares batiam palmas à sua passagem escoltado por agentes da Polícia Judiciária de Vila Real. É caso para interrogar: qual a razão deste presumível homicida ser ovacionado? Será que na história recente portuguesa não teremos casos parecidos? Isto é, será coisa nova reconhecidos assassinos, sem pinga de moral, serem elevados à categoria de heróis?
Em meados do século XIX, João Vitor da Silva Brandão, mais conhecido por João Brandão, o terror das Beiras, foi elevado pelo povo à categoria de herói. Defensor dos Cartistas -ala mais conservadora do Vintismo e seguidores da Carta Constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro IV, após a Revolução Liberal de 1820-, embora subsistam dúvidas, Brandão, juntamente com a sua família no lugar de Midões e concelho de Tábua, foi um salteador, um criminoso que varreu a ferro e fogo toda a região das Beiras durante a Guerra da Patuleia, Guerra civil que durou oito meses e com início em 1846, entre Cartistas e Setembristas –apoiantes mais à esquerda da Revolução de Setembro e seguidores da Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822.
Também na mesma época, entre 1818 e 1875, José Teixeira da Silva, mais conhecido por “Zé do Telhado”, na região Norte de Portugal, embora fosse salteador, chefe de quadrilha na região do Marão, ascendeu à classe de protagonista nacional por Camilo Castelo Branco, em memórias do Cárcere, quando ambos estiveram presos, por volta de 1860, na Cadeia da Relação, no Porto.
A questão final é: porquê esta idolatria em torno de quem não merece um simples olhar? Bom, muitas especulações poderão ser dadas e a cada cabeça sua sentença. O que se sabe é que, do ponto de vista racional, do bom-senso, qualquer destes três casos e sobretudo esta fuga e captura de Manuel Palito, não faz qualquer sentido sobrelevá-los. No entanto, imagino que seja o mito criado em torno da coragem e pelas peripécias ziguezagueantes, como enguia em fuga nas águas do rio, que o transforma em centro de admiração popular pelo simples facto de, aparentemente com poucos meios, conseguir iludir todo um sistema policial forte e bem montado.
Estou convencido que algumas pessoas projectam nele, foragido da ordem estabelecida, admiração pelo ressabiamento pessoal, pela frustração, que detêm da organização vigente, de justiça ou policial, ou seja, contra o Estado, soberano e senhor de todas as coisas. Por outro motivo, também, todos temos tendência em colocar-nos ao lado do mais fraco, muitas vezes, e como é o caso, perdendo a total razão e objectividade.