segunda-feira, 18 de julho de 2011

O QUE FAZ CORRER A ROSA?

(IMAGEM DA WEB)




 São 23h00 deste último sábado, batidas em dobrado pelos sinos de Santa Cruz. Na Praça do Comércio, nas escadas da igreja de São Tiago, a voz aveludada do solista do grupo de “Fados ao Centro” prende a atenção de cerca de uma centena de pessoas, entre eles muitos turistas, que ali se deslocaram propositadamente para apreciar o espectáculo organizado pela Junta de Freguesia de São Bartolomeu. 
Na Praça 8 de Maio, no átrio da Igreja de Santa Cruz, perante mais de uma centena de pessoas, vários grupos de folclore mostravam toda a sua etnografia.
Para além de vários restaurantes abertos na Baixa só o Café Santa Cruz resiste à oferta turística deste mês de Julho.
Transponho o Arco de Almedina e entro na Rua Fernandes Tomás. Há um silêncio cúmplice entre os meus passos compassados e as pedras da calçada. Logo na entrada desta artéria, na associação “Arte à Parte” estão uns quatro clientes. Mais à frente no “Fangas-bar” uma mesa com quatro pessoas acabam de jantar. Continuo no périplo em direcção ao palácio do ex-governador civil. Viro à direita, para a Rua Joaquim António de Aguiar. Em frente à Junta de Freguesia de Almedina, um bar, que não sei o nome, mas que já tem uns trinta anos de existência está com uma placa a indicar que abre às 23h00. Como já vem sendo hábito, um automóvel estacionado obstaculiza completamente a porta de entrada. Como a casa tem as luzes acesas, espreito lá para dentro e verifico a decoração espectacular. Aliás, todos os bares desta zona da Alta primam pela originalidade, começando logo na “Arte à Parte”.
Continuo a subir. Olho o estado decrépito do Sousa Bastos, que tão bem conheci a partir do início de 1970, onde lá visionei tantos filmes a troco de vinte e cinco tostões, até ao seu encerramento por volta de 1988, em que se encenaram algumas peças de teatro da Bonifrates. Pela tristeza, deu-me uma paragem no passo. Continuei a andar pela Rua de Joaquim António de Aguiar. Parei em frente ao ex-restaurante Serra –agora com outro nome. Reparei que tinha várias mesas ocupadas. Entrei no Largo da Sé Velha. A imponência da catedral, bem restaurada e bem iluminada, como baluarte cultural, impunha-se ao mais distraído. Algumas viaturas estacionadas faziam-lhe companhia. Paralelo ao templo, o “Cabido-Bar” estava meio-cheio. Ao lado, no restaurante Trovador, vários clientes, provavelmente, teriam já jantado e mantinham-se de cotovelos apoiados na mesa a conversar.
Fui à Rua Borges Carneiro e espreitei o Piano Negro e o Bigorna-Bar, ambos ainda com poucas pessoas. Reparei que estes bares eram uma espécie de candeeiros de luz nesta rua estreita. Tentei imaginar o que seria aquela zona sem bares à noite. Desci novamente ao largo da Sé Velha e penetrei no saudoso “Sacristia”, mais tarde “Aqui há Rato” e agora RS-Bar –“R” de Rosa. “S” de Silveirinha, a minha amiga Rosa “Vermelha”, como já lhe chamei.
Não dei esta volta aos bares por acaso. É que na Sexta-feira, numa tertúlia sob o mote “À Conversa com o Centro Histórico” –que nenhum dos dois diários da cidade noticiou-, as quase três horas de debate foram em torno de queixumes de moradores sobre os horários e o ruído provindo destes estabelecimentos hoteleiros. Porque se, por um lado considero que os residentes têm alguma razão –a meu ver, estes espaços tão emblemáticos, dentro destas zonas velhas, jamais deveriam ultrapassar impreterivelmente as 2h00 da manhã-, por outro, excederam-se nas considerações e, a meu ver, nalguns casos, raiaram alguma mesquinhice, sobretudo quando focalizaram as suas queixas. Por exemplo, um dos moradores, implicitamente apontou a sua verve sobre Rosa Maria Silveirinha. Saberá ele alguma coisa desta Rosa? Claro que não sabe. O que ali derramou foram odiozinhos de estimação sobre uma pessoa que, em modelo, é um dos muitos heróis anónimos que todos os dias se cruzam connosco ao virar da esquina.
Afinal quem é esta Rosa? Rosa Maria é filha de um dos mais ricos fazendeiros do Baixo-Mondego. Com as trapalhadas da adesão à CEE, em 1986, em que a agricultura foi uma vítima, Rosa entrou em insolvência. Em resultado desta falência viria a perder tudo, incluindo a própria casa grande de lavoura. Em 1997 estava na rua com dois filhos adolescentes e sem ter nada para lhes dar de comer. Começou a fazer limpezas para sobreviver, e foi assim que, por mero acaso foi parar ao Ateneu de Coimbra, à Sé Velha, para tirar um curso de geriatria. Sem nunca perder a coragem, arrendou um prédio a cair de velho, que lhe serviria para ela se albergar e arrendar quartos que lhe permitissem sobreviver e à sua prole.
A seguir, sempre a pedir crédito, teve um pequeno café, junto ao Sousa Bastos. Hoje tem três bares. Os seus dois filhos, o Rodrigo e o Rui, as suas jóias, a extensão dos seus olhos, são tudo o que esta mulher de ferro transporta no peito.
Rosa, para aguentar a pedalada, dorme apenas três horas por noite. Quando lhe pergunto como aguenta esta vida de sacrifício, com os olhos a brilhar e sorriso traquina, diz-me no meio de uma gargalhada: “não tenho segredos. É a minha força que me sustém. Às vezes tenho a luz para pagar e não tenho um cêntimo. Choro muito sozinha no meu quarto. Muitas vezes telefono aos meus credores para me adiarem o pagamento. Eles conhecem-me. Sabem que eu cumpro. Tenho alguém que vela por mim –e aponta o céu.
Todos os dias, quando me levanto, leio o Salmo 118, para que Deus me dê saúde para pagar a quem devo e, quando entender que já cumpri a minha missão, me leve rapidamente desta vida para que eu não dê trabalho aos meus filhos.”

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