quinta-feira, 26 de setembro de 2019

ENCERROU O OLÍMPIO MEDINA

(Foto de arquivo)





Prestes a comemorar um século de existência - foi fundado em 1920 -, encerrou o Olímpio Medina, na Praça 8 de Maio. Estabelecimento de mais conhecido no país e no estrangeiro na venda e reparação de instrumentos musicais, indelével na marca do tempo, deixa um rasto de saudade difícil de preencher e apagar. Pode visionar aqui uma entrevista realizada em 2015.
Se é certo que morre a loja dedicada à música, mas vai manter-se o espaço comercial com outro ramo de negócio, felizmente, quer o dono, o senhor Olímpio Santos Vitor, quer os dois funcionários, o António e a Cristina, estão de boa saúde. 
Como diria o outro, as empresas nascem e morrem, é a vida no seu lastro económico, ponto final e parágrafo. Mas, proclamando a frase como epitáfio gravado no mármore frio, será que fica tudo dito? E o reconhecimento social por quase cem anos de vida dedicado à colectividade que lhe é devido (deveria ser), não conta? 
É profundamente lamentável que, quando estes ícones da memória comercial se apagam, não recebam, pelo menos, uma menção honrosa de agradecimento na reunião do executivo municipal. 
Bem sei que são coisas, mas, acima de tudo, pela conivência longa entre nós, ganharam uma identidade própria – não é verdade que, numa medida feliz, até os animais de companhia deixaram formalmente de ser considerados “coisas” e são agora abrangidos por um novo estatuto jurídico? Não defendo a mesma relevância, mas, pelo desprezo com que é encarado o desaparecimento de uma “instituição” destas, no mínimo, entendo que deveria ser feita alguma iniciativa política, no sentido de que a memória comercial não se apague. E foram tantos, senhores, os que já partiram que, por este andar, qualquer dia, não restará um único como exemplar.
Em nome da Baixa, se posso escrever assim, uma enorme ovação para o comércio Olímpio Medina, que agora desaparece, longa vida e uma grande salva de palmas para o actual proprietário e respectivos funcionários que, durante décadas, no maior empenhamento, tanto deram à cidade.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

BAIXA: CRÓNICA DO MALHADOR (15)






Ontem, segunda-feira, na qualidade de munícipe, levei um assunto que, pelo menos, espera há doze anos por uma solução. Resolver este problema implica meios dispendiosos? Nada disso. É preciso apenas vontade, e nada mais. É somente a Baixa de Coimbra, no outro lado do espelho.
Porque passavam cerca de 02h30 depois da hora prescrita no Regimento da Reunião, como já vem sendo costume, antes de entrar na matéria de facto, como ressalva, comecei por interrogar o presidente do executivo, Manuel Machado, se fazia sentido continuar a manter na Ordem de Trabalhos “(17 HORAS) PERÍODO DE INTERVENÇÃO DO PÚBLICO” quando sistematicamente este horário não é cumprido. Perguntei se, com este reiterado comportamento, o presidente pretendia ficar na história como soberano forte, absolutista, por transformar os munícipes em estúpidos – no qual me incluo. Disse também que não gosto do trabalho da oposição acerca desta temática. Perante este continuado achincalhamento dos munícipes – por que eu ali, embora sem credencial para o efeito, represento o cidadão -, a oposição, ali na reunião, pouco se importando com quem está à espera de intervir, não demonstra suficiente revolta.
No final da minha intervenção, e em resposta à questão apresentada, Manuel Machado afirmou que a Câmara Municipal tinha contactado a EDP e que esta entidade, por promessa de um engenheiro (foi dito o nome, mas não recordo), se tinha comprometido no próximo Outubro em desempenhar o serviço que, aliás, é da sua competência, disse Machado.
Em face desta resposta do líder do executivo, eu disse que fazia votos que assim acontecesse, mas, se assim não fosse, em Outubro, porque infelizmente sou obrigado a continuar, lá estarei para lhe pedir contas. Machado, algo irado, acusou-me de estar a fazer chantagem. Retorqui que evitava de vir com este género de argumentos, porque não me metia medo.


Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, senhores vereadores:


Nas últimas reuniões de Câmara tenho vindo a apresentar factores que na cidade, enquanto espaço de fruição pública, se não lhes for dada a atenção devida, funcionam ao contrário, ou seja, desmotivam a permanência, a fruição e a convivência social. No desempenho da participação política, como princípio de cidadania, é (deveria ser, sempre) obrigação do munícipe levar ao conhecimento da administração o que funciona menos bem. Deixando de ser utente com direitos plenos e passando a ser contribuinte com deveres, se cada civitas fizesse o mínimo, e por outro lado a resposta da tutela fosse célere e interessada na resolução do problema participado, o mundo à nossa volta, a nossa rua, o nossa largo, o nosso bairro, seria melhor. Acontece que nem um nem outra faz a sua parte. Por um lado, o primeiro, o urbano, resultado de políticas continuadas que o transforma em infante irresponsável, desonerando-o completamente da chave do embaraço, exige cada vez mais. Por outro, a segunda, a governança, com cada vez menos meios humanos para replicar a tanta solicitação, tentando demonstrar uma simplificação impossível, ou não responde ou quando refuta não cumpre.
Se os líderes políticos locais fossem mais inteligentes, mais abertos ao diálogo e deixassem de estar permanentemente concentrados em si próprios e apenas nas decisões que provêm dos seus gabinetes, retirando de uma vez por todas a visão paternalista e hipócrita como encaram o cidadão, tenderiam a saber ouvir e dar pragmatismo à participação pública, como semente germinada de John Kennedy: “Não perguntes o que a tua Pátria ode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela.
Hoje, venho falar na dispersa iluminação pública que se verifica, sobretudo, nos largos e ruas estreitas da Baixa de Coimbra. Com os candeeiros carregados de sujidade e teias de aranha e alguns com lâmpada fundida, durante a noite, a luz, densa e difundida em ciranda para o espaço público, transforma tudo à volta em clima de sobressalto, num estado emocional de alerta que surge em resposta da consciência perante uma situação de eventual perigo. Em consequência, também pela desertificação, gerando medo, estas vias são evitadas.
Nos últimos doze anos várias vezes chamei a atenção a esta Câmara Municipal para este contratempo. Umas vezes recebi resposta, comunicando que o assunto tinha sido encaminhado para o departamento responsável, outras vezes nem isso. A verdade é que tudo continua igual. Basta que algum dos senhores, quando passar por lá, levante os olhos e faça o favor de apreender a gravidade de uma coisa simples de resolver, se houvesse vontade, numa zona protegida e classificada como Património Mundial.
Em 16 de Novembro de 2018 comuniquei a situação ao portal “A Minha Rua” - como se sabe, institucionalmente ligado à autarquia de Coimbra. Com o número 40269 foi-me reportada a recepção. Em 25 de Julho de 2019, isto é, oito meses depois, recebi uma mensagem por e-mail a comunicar que a situação se encontrava resolvida. Como calculam os senhores, continuam igualmente sujos como há vários anos. A título de esclarecimento, diga-me, senhor presidente: acha isto normal?



TEXTOS RELACCIONADOS:

sábado, 21 de setembro de 2019

SÁBADO CINZENTO EM COIMBRA




COIMBRA CIDADE DE TODOS OS FUTUROS

A imagem pode conter: céu, ar livre e natureza





Para quem não conhecer a cidade de Coimbra – claro que penso nos antípodas do mundo, só estes desconhecem o burgo mais avançado do planeta – até pode julgar que é um lugar onde onde os estudantes universitários, sobretudo em períodos de festas académicas, mijam e cagam em qualquer recanto mais escuro. Pela ignorância do vanguardismo da cidade dos estudantes, até pode pensar que o asfalto por onde passa todos os dias, como na Baixa, por exemplo, está cheio de crateras. Por absurdo, pode-se até imaginar que os munícipes colocam os seus excedentes na via pública a qualquer hora do dia. E mais: que o Cortejo da Queima das Fitas do ano passado produziu 25 toneladas de lixo. Pela má-fé de quem nunca cá pôs os pés, pode até engendrar que as ruas estreitas têm pouca luz devido à carrada de sujidade das luminárias públicas. Quem nunca atravessou o Arco de Almedina pode até pensar que os nossos jardins públicos estão completamente ao abandono. Pode-se até borboletear que os nossos políticos com assento parlamentar no hemiciclo local. Que pode pensar, lá isso pode. Porém…
Coimbra é uma cidade muito à frente do todo nacional, como quem diz, Portugal. E até do mundo inteiro, desde a China à Austrália.
Querem exemplos? Querem mesmo? Está bem, eu mostro. Em 23 de Setembro de 2010, o Diário de Coimbra noticiava o seguinte: Coimbra sem carros eléctricos inaugurou posto de carregamento”. Passando para o interior do jornal, “Coimbra terá, até ao final do ano, 27 lugares de estacionamento públicos, reservados exclusivamente para carregamento de veículos eléctricos, espalhados por nove pontos estratégicos (…). Ontem às 12h00 em ponto (…) inaugurou o seu primeiro ponto de abastecimento (…). Não foi fácil de inaugurar estes dois lugares de estacionamento (…) No concelho de Coimbra não há um único carro eléctrico a circular (…)”.
Querem outro? Querem mesmo? Está bem, lá vai: Coimbra é a única cidade no mundo onde, por exemplo, em nome do interesse público, se fizeram expropriações  e demolições para um metro de superfície que ainda não tinha nem planos nem verbas garantidas para a sua construção. A Lusa Atenas é (deve ser) a única cidade no planeta que manda desactivar, desconstruindo efectivamente, uma via ferroviária apenas com base numa promessa de um metro ligeiro. Isto, digam lá, é ou não é andar muito à frente do comum dos mortais?
Agora, digam-me, esta proibição do Reitor da Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão, de proibir o consumo de carne de vaca nas cantinas universitárias, a partir de 2021, a favor do ambiente do planeta, tem alguma coisa de invulgar?
Só pessoas mal-intencionadas, venenosas e de alma negra podem retirar ilacções erróneas e dizerem mal deste passo gigantesco em direcção ao futuro, do criador do síndroma do Falcão: que na natureza sempre comeu carne e agora não. Aliás, por direito próprio, o magnífico deve ser proposto para candidato ao Prémio Nobel.
Coimbra, estando muito à frente, é mesmo uma lição!

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

OS 60 ANOS DE JOSÉ MANUEL SILVA, VISTO PELO OLHO DE LINCE





*Escrito pelo Olho de Lince


O Sol já ia alto quando recebemos ontem o e-mail na redacção: “Caro Amigo director do blogue Questões Nacionais, Por esta dolorosa ocasião, venho convidá-lo para uns copos de vinho, hoje, dia 18, depois de jantar, a partir das 21h, no Largo do Poço, na Baixa, em frente à Camponeza. Sem prendas, apenas com o bálsamo da amizade e os/as respectivo(a)s acompanhantes, naturalmente. Peço-lhe confirmação, por favor, para facilitar a preparação. JMSilva”.
O nosso director, o Luís Fernandes, depois de ler a mensagem, arranhando na cabeça, pareceu ter ficado incomodado. De supetão, atirou: “venha ler isto, Olho de Lince!
Não precisou de dizer mais nada. Eu adivinhei a bronquite que estava em perspectiva. Desde há algum tempo o Fernandes é, “ex-aequo”, chefe máximo do blogue e, ao mesmo tempo, administrador da Página da Câmara Municipal de Coimbra (Não Oficial), no Facebook. Seja pela acumulação dos cargos ou não, a verdade é que a malta da esquerda com assento na cidade deu em acusá-lo de parcialidade a favor do ex-bastonário da Ordem dos Médicos. Tanto faz o nosso director explicar que todos os partidos e movimentos políticos, com respectivos candidatos, lhe merecem o mesmo respeito como não. Eu sei que se trata de uma injustiça. Posso garantir que o meu patrão é um bocado bronco, lá isso é, mas é um tipo sério, e não mistura as coisas. Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque. Sou testemunha do seu esforço na equidistância. Mas não vale nada. Para muito pessoal que milita e bebe do catecismo do marxismo-leninismo o que parece é, ponto e parágrafo. E sem direito a contraditório.
Não sei se já perceberam mas, por essa avaliação redutora de carácter, dá para ver que ele não deveria comparecer no aniversário do promitente candidato a presidente da Câmara Municipal de Coimbra em 2021.


E AGORA?


Para complicar tudo, havia outro contratempo, todos os meus colegas jornalistas estão de serviço à cobertura da campanha eleitoral para as legislativas do próximo 06 de Outubro. O director-adjunto, o Luís Quintans, anda a correr atrás de Rui Rio entre Porto e Lisboa. Já que o Rio não vem à cidade dos estudantes, quem sabe por a achar de pouca importância, vai o jornalista ao Rio.
O editor-executivo, António Fernandes, segue de perto o António Costa, lá para as bandas de Lisboa – já que também para o Primeiro-ministro em exercício Coimbra não faz parte do mapa.
O Fernandes Quintans, o chefe de redacção, anda a cobrir (salvo seja, que a língua portuguesa é matreira) a Assunção Cristas em tudo o que é vila, aldeia, feira e mercado municipal.
O Arnaldo, ver-para-além- da-opacidade, anda a cobrir (outra vez salvo seja) a Catarina Martins por todos os bairros em vias de serem desmantelados pelo camartelo e onde os pobres mais pobres do país pedem uma casinha.
A telefonista para todo o serviço, a Etelvina, melhor-que-pudim-flan, anda atrás do Jerónimo de Sousa, para ver se o arrebita.
Para divulgar as propostas de André Silva para a neutralidade carbónica e bem-estar animal do PAN, Partido dos Animais e da Natureza, em regime excepcional, contratámos a “Zezinha Gatona”.
Quanto aos novos partidos, como não temos pessoal e a Câmara Municipal de Coimbra não nos inclui na subvenção quinzenal das publicações de deliberações, portamo-nos como a RTP: fazemos de conta que não existem. E pronto!
Ou seja, não sei se estão a acompanhar: como, por um lado, estava tudo ocupado, por outro, em manifesto conflito de interesses, o director Luís Fernandes não deveria comparecer para não ser o que parecia, em sentença sumária: ordenou: “você vai noticiar o 60º aniversário do José Manuel Silva!”. Ainda tentei vagamente argumentar que sou fotojornalista. E mais: que estou ocupado a acompanhar as próximas eleições para a APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra. Mas nada. Como de costume, o gajo não ouve ninguém. Tenho de confessar que, embora me fizesse caro, nem me importei muito. Afinal, se calhar, sempre haveria croquete e, com sorte, leitão assado e até bife de vaca na grelha. E lá fui eu.


DAQUI LARGO DO POÇO, BAIXA DE COIMBRA...


Passavam quarenta e cinco minutos das 21h00 quando cheguei. O tempo, ameno, de cerca de vinte graus, estava agradável. No Largo do Poço, em frente a garrafeira A Camponeza – um reconhecido estabelecimento centenário da Baixa de Coimbra – a ambiência social era informal. Várias mesas corridas, umas carregadas de alimentos ligeiros, outras com bebidas para todos os gostos, emolduravam o nobre largo. O centro das atenções, embora sem fazer nada para isso, naturalmente era o aniversariante, José Manuel Silva, coordenador do Movimento Somos Coimbra.
Cerca de três dezenas de pessoas falavam de política. O grupo, constituído essencialmente por “companhons de route”, eleitos na Câmara Municipal, Assembleia Municipal e juntas de freguesia, e outros de renome local e internacional como, por exemplo, o físico Carlos Fiolhais, o ex-reitor da Universidade de Coimbra João Gabriel Silva e José Castelo Branco, do Instituto de contabilidade e Administração, discutiam a conquista da autarquia em 2021 pelo professor da Faculdade de Medicina de Coimbra.
À minha pergunta se esta festa no coração da zona velha significava um piscar de olho aos operadores da Baixa, respondeu José Manuel Silva: “não senhor! A escolha deste local para comemorar o meu aniversário tem a ver com a tranquilidade que se sente, e também pelo bom serviço prestado (no fornecimento de bebidas) pela senhora Assunção Ataíde” – uma dos proprietários da Camponeza.
Já quanto à comida, servida pelo celebrante, predominava o biológico. E até o bolo de aniversário era “grumet”. Cá para mim, que ninguém nos lê, andou ali o sindroma do Falcão -que sempre comeu carne e agora não. Ora bolas! Estava à espera de um bifinho de vaca… e nada!




quarta-feira, 18 de setembro de 2019

terça-feira, 17 de setembro de 2019

QUE SAUDADE DO BULÍCIO DA RUA EDUARDO COELHO DE OUTROS TEMPOS






Em Abril de 2007 início da grande crise económica mundial, escrevi sobre a indigência em marcha que se avizinhava para o comércio de rua.
Um ano depois, em 2008, na Rua Eduardo Coelho, que já fora grande nas lides comerciais, encerrou a Topal. Eu dei conta do drama. E até chamei a atenção para o extermínio que se avistava. Todos assobiaram para o lado.
Neste mesmo ano, em Novembro, encerrou a meca do comércio tradicional. Escrevi. Se alguém leu, não ligou. Ainda hoje sou tomado de saudade.
Em Janeiro de 2009 encerrou o Jaime. Voltei a lamentar a ida de mais um e alertei para o que se seguiria. Pouco impacto teve.
Em Dezembro de 2010, com dois estabelecimentos ao mesmo tempo, encerrou a Loja da Marta e a sapataria Satélite. Continuando a pregar no deserto, ninguém se insurgiu para o que estava a acontecer.
Em Maio de 2011, com um enorme peso na história da cidade, encerrou a sapataria Reis. Era a vida de comerciante que estava em cheque. Escrevi, reescrevi e voltei a dar o alerta para a razia que estava a acontecer, ninguém deu nada para o peditório. De pouco valeu acusar o rombo que iríamos todos sofrer nos sons da cidade. Escrevi sobre as nuvens negras que pairavam no Céu. Ninguém quis saber. Era o Sol do meio-dia. Embora me sentisse perdido, tudo parecia claro. Os novos otários estavam ao virar da esquina. Havia um drama social em perspectiva.
Em Abril de 2014, depois de quatro décadas a fazer parte de nós, encerrou a sapataria Trinitá. O que eu escrevi para que se tomassem providências… mas ninguém se preocupou.
Em Junho do mesmo ano, de 2014, depois, de três décadas a servir pessoas, encerrou a perfumaria Balvera. Escrevi que a minha Rua Eduardo Coelho, ficando sem perfume, não voltaria a ser a mesma. Nem um dedo em riste se ergueu em minha defesa.
Em Dezembro de 2015, passadas muitas décadas, encerram os dois estabelecimentos das sapatarias Paiva. Escrevi sobre a perda de tão grande património comercial para a nossa rua. Nem uma lágrima vi vertida no rosto de quem quer que fosse.
Em Março de 2017, decorridos cerca de vinte anos a fazer-nos companhia diária, encerrou a loja do “Virgílio, Lingerie”. Alguém se importou?
Em Junho de 2017, após décadas de convivência, encerrou a sapataria Teresinha. De pouco valeu alertar para o esvaziamento comercial que estava em curso.
Em Junho de 2018, após mais de duas décadas na minha rua, encerrou a loja denominada Modas Veiga.
Ao longo dos últimos vinte anos os poucos residentes idosos que aqui habitavam foram desaparecendo e com eles, a mostrar que as ruas também morrem, ficou o silêncio, aquele silêncio que, por ser tão puro e duro, se transforma em ruído ensurdecedor.
Há cerca de uma semana morreu o Eduardo Ventura. Cego de nascença, durante largas décadas a sua lamúria, como de pregão se tratasse e que ficou gravado a fogo na nossa memória, ecoou na rua e becos em redor.
Com este sumiço de pessoas e coisas, pela falta que os sons nos fazem, pela carência dos odores, pela falta de movimento, pela falta de amigos que se foram e não voltam mais - por que quem parte obrigado pelas circunstâncias raramente volta ao local onde foi muito feliz – eu vou ficando mais sozinho e a minha rua vai perdendo vida. O estranho é que, contrariamente ao que se diz, estas pessoas não são substituíveis. No seu lugar ocupado noutro tempo, para sempre, ficará um buraco negro de saudade. Por exemplo, quem não recorda o "Aspirante"?
Quando leio declarações políticas, proferidas por políticos locais, a afirmarem que a Baixa está em franca regeneração, das duas uma: ou nunca conheceram a Baixa de Coimbra ou querem enganar-nos como se fôssemos tolos.
Que saudade do bulício da minha rua!

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

BAIXA: FALECEU O CEGO EDUARDO






Faleceu Eduardo Ventura das Neves. Durante largas décadas a sua memorável lamúria, tenham dó e caridade de auxiliar o ceguinho, com uma esmola, para quem não vê a luz do dia, senhor”, ecoou e foi a nossa companhia diária na esquina entre o largo da Freiria e frente para as Ruas das Padeiras e Eduardo Coelho.
O Eduardo, com 65 anos, solteiro, vivia em Casalinhos, Soure, em casa dos pais. Homem cioso do que considerava ser seu por direito adquirido, algumas vezes assisti a escaramuças de bengala em riste contra o invasor que pretendia ocupar o seu lugar ganho por força do tempo. Escrevi muitos textos sobre esta figura peculiar da zona histórica. Assim como tantos outros que nos vão deixando.
Para quem vive na Baixa, o Ventura era (mais uma) figura carismática que, pelo seu apelo à moeda, fazia parte da nossa existência diária. Hoje, que partiu para longe, é quase certo que deixa uma sombra de tristeza no coração. Pessoas como o Ventura das Neves, quando estão na sua função, de boa saúde, pelos seus repetidos comportamentos até se tornam aborrecidos, porém, quando desaparecem abruptamente e sem avisar, durante muito tempo no local que se mantiveram, nos meses subsequentes, parecemos ouvir a sua voz provinda dos confins da terra. São assim as figuras típicas da cidade. Chamo-lhes “Rostos Nossos (Des)conhecidos”.
À família enlutada, em nome da Baixa, e mais em particular das Ruas Eduardo Coelho, Padeiras, do Almoxarife e do Largo da Freiria, os nossos sentidos pêsames. Até sempre Eduardo.


UM POEMA ESCRITO PARA O EDUARDO, EM 2008


“Uma moeda, por amor de Deus, senhor”,
repete mil vezes o ceguinho em ladainha,
encostado, sem ver, na esquina da ruinha,
em prece carecente, exaustiva de amor,
aos poucos, sente, vai caindo a moedinha;
Passa a velhinha desafortunada,
sem sorte, cujo marido perdeu,
olha para o cego, que não vê nada,
retira uma moeda, o rosto emudeceu,
pensa em Deus, numa prece sagrada;
Calmamente, passa o comerciante falido e sonhador,
outrora, corredor de fundo, dono da rua,
que Deus lhe pague em dobro, senhor”,
ouve o cego, dá meia-volta e recua,
deposita uma moeda, pensa Nele com fulgor;
Dona Maria, dona de casa, cheia de solidão,
ouve o cego: “ajude, por amor de Deus!”,
abre a carteira, tira uma nota com a mão,
pensa para si: "que o Senhor limpe os pecados meus,
me dê forças e paciência para aturar o meu João
";
Passa um casal de namorados, ele é generoso,
no gesto, mostra à sua cara-metade a sua bondade,
ela, sem dizer, pensa, quanto ele é tolo e vaidoso,
não se impressiona com aquela facilidade,
assim, só lhe mostra o quanto é manhoso;
Pára um político, cumprimenta o cego, faz-se notado,
olha em volta, quer ser visto, pensa no que seria,
se desse uma nota de dez, de vinte, ao pobre coitado,
talvez passasse um jornalista e tirasse fotografia,
no dia seguinte, em “cacha”, “O amigo do necessitado”;
No meio de cegos, o menos invisual é o que não pode ver,
todos precisam da sua cegueira para os fantasmas expiar,
o gesto hipócrita de dar não passa de ambição de receber,
na fé, em promessa a um Deus generoso capaz de multiplicar,
o cego, que não vê, lendo a alma desta gente, parece tudo ver. 

O PARTIDO LIVRE INAUGUROU HOJE A SUA SEDE NA BAIXA




Ao abrirem as portas, hoje, alguns lojistas foram surpreendidos por várias marcas na calçada, em forma de flor. De cor avermelhada e centro com pintas a preto, a primeira rosácea está na Praça 8 de Maio, à entrada da Rua do Corvo, a segunda, na fronteira que divide as ruas largas ao cimo das Escadas de São Tiago, depois vários desenhos isolados de uma papoila nas escadas alegóricas ao grande caminhante, seguidos de vários desenhos em frente a igreja e ao longo da Rua Eduardo Coelho.
Durante a manhã desta Quarta-feira, eram várias as interrogações acerca da marca impressa no chão. Seria uma pegada de animal, em representação do PAN, Partido dos Animais e Natureza? Seria uma nova forma de comunicação do executivo municipal para que os comerciantes percebam a velocidade estonteante da regeneração da Baixa?
Durante a tarde foi desfeito o tabu. Com inauguração hoje, a figuração tinha por função conduzir à nova sede de campanha do partido Livre, na Rua Eduardo Coelho, no espaço onde, durante mais de uma década, foi o “Vergílio Lingerie”. As marcas de tinta natural e ecológica – como foi sublinhado por Teresa Nunes e Rui Mamede – são de fácil lavagem e, depois das próximas eleições legislativas, no próximo 06 de Outubro , o núcleo do Livre na cidade, autor desta iniciativa de nível local, se necessário for, encarrega-se da limpeza.
A representação da papoila pretende lembrar a paz e chamar a atenção pública para as propostas ecológicas do partido, referiram os dois apoiantes em coro. “Porém, o nosso entendimento da ecologia política vai para além do reconhecimento da necessidade de encontrar um modelo de produção e consumo respeitador desses limites, constituindo também uma extensão da ideia de fraternidade, incluindo assim uma promoção de uma cultura de sustentabilidade, respeito pela natureza, razoabilidade na utilização de recursos, e prolongamento do bem-estar natural para as gerações futuras.”
E prosseguiram:Não queremos ser confundidos com qualquer outro partido. Somos mesmo um partido ecologista. Para além disso, acima de tudo, pretendemos facilitar a acção política dos cidadãos. Consultem o nosso programa”, afirmaram.



terça-feira, 10 de setembro de 2019

EDITORIAL: COIMBRA É UMA CIDADE ESTRANHA

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




1. Já perdi a conta aos conhecidos que, quando me encontram, me atiram este cumprimento: “Parabéns pelo seu desempenho na reunião de Câmara Municipal! Dê-lhes forte! São uns ditadores! Não respeitam ninguém! Sabe, às vezes até me apetece comentar os seus post’s no Facebook mas, como sabe, tenho o meu familiar a trabalhar na autarquia...
Para não arranjar uma discussão gratuita e talvez perder mais um “amigo do Facebook”, numa certa condescendência paternalista, lá vou dizendo, pois, entendo! Deixe lá!
Até pode parecer que não me importo mesmo. Acontece que esta postura de algumas pessoas me fere profundamente. Já tantas vezes me interroguei: porquê tanto medo?

2. Já perdi a conta às vezes que me apercebi que certos confinantes, por lhes terem deixado sacos com lixo às suas portas durante o dia, sorrateiramente, agarram nas encomendas e vão colocá-las nas portas vizinhas. Escusado será dizer que são incapazes de se dirigirem aos que deixam os dejectos com uma palavra de reprovação.

3. Já perdi a conta às declarações de alguns hoteleiros que, tentando mostrar o brilho do Sol através da peneira, vêm para os jornais declararem que a Baixa está num franco desenvolvimento. Como se o Centro Histórico não fosse um território integrado entre os serviços, o comércio e a hotelaria, olham apenas para o seu umbigo.

4. Já perdi a conta a notícias como a de hoje no Diário as Beiras em que declarações políticas são proferidas com tal convicção que, apesar de serem falácias, até parecem verdades verdadinhas. No caso, hoje noticiado no jornal e proferido ontem na reunião quinzenal camarária pela vereadora Regina Bento, eleita pelo Partido Socialista, foi dito: “ (…) Finalmente é reconhecido que a Baixa está diferente, que há um grande fluxo de turistas nacionais e internacionais, que há novas lojas a abrirem, que há diversos edifícios já recuperados ou em fase de recuperação”. (…) Assim, para além das novas lojas (mais 30 pedidos que no mesmo período do ano anterior, ou seja, um crescimento de 136 por cento), Regina Bento deu conta que a câmara recebeu 87 comunicações de mudança de exploração e actividade – o que também reflecte um aumento significativo, pois são 27 a mais do que no ano anterior, e um crescimento da ordem dos 45 por cento. No plano oposto, as comunicações de cessação da actividade acontecer apenas por parte de oito estabelecimentos (menos cinco por cento do que no ano anterior). (…) Em suma, “está sempre alguma coisa a acontecer na Baixa e as pessoas já perceberam isso”, concluiu a vereadora com o pelouro da Administração.”

5. Já perdi a conta às léguas de silêncio instalado que, perante a invisível regeneração que só os detentores do poder vêem, os inúmeros velhos e novos comerciantes que, sentindo na pele diariamente o abandono a que foram votados pela edilidade, nem uma palavra a contrariar tais afirmações vazias de conteúdo.

6. Já perdi a conta às lojas comerciais que vão encerrando – mostrando claramente que a profissão de lojista está em franco desaparecimento –, de tal modo que já deixei de as contar.
Por estes dias, a somar a 11 encerradas, mais duas claudicaram na Rua Eduardo Coelho. No final do mês vai encerrar o centenário Olímpio Medina, na Praça 8 de Maio. Ao que se consta por aqui, mais três estão na calha numa ruela próximo de nós.
Mas, afinal, se está tudo a correr tão bem, para quê contrariar? Siga a marcha!

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

BAIXA: CRÓNICA DO MALHADOR (14)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





Passando uma hora depois da hora regulamentar, cerca das 18h00, na qualidade de munícipe, hoje, nesta Segunda-feira, levei à reunião camarária um assunto que, certamente, preocupa a maioria dos conimbricenses. À minha questão formulada, como é hábito que se transforma em costume, o presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, respondeu: “Fica registado!”.
Clicando em cima desta frase, visione aqui o vídeo de Fernando Moura, do jornal online Notícias de Coimbra.


Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, senhores vereadores:

Nas últimas reuniões de Câmara tenho vindo a apresentar factores que na cidade, enquanto espaço de fruição pública, assentam, dão sustentabilidade e a transformam em atractivo para dar mais gozo e concentrar quem dela usufrui diariamente ou em turismo.
Hoje, como é hábito pedindo esclarecimentos que nunca me são dados, venho falar do estado em que se encontram alguns jardins da cidade e, mais em particular, sobre zonas ajardinadas da Baixa.
Um jardim no burgo, globalmente, é um espaço criado pelo homem com o objectivo de manter a ligação entre o estratificado impessoal e frio da pedra e do betão e o bucolismo da natureza, exaltando as belezas da vida campestre. Se recuarmos a construções dos séculos XII e seguintes, apercebemo-nos que uma grande parte do interior dos palácios, conventos e casas senhoriais, era destinado a área particular enfeitada com flores. Com o passar subsequente da centúria e contínua valorização dos solos nos tempos hodiernos, contrariando o costume, o jardim democratizou-se e, de lugar privado, passou a ser frequentado publicamente por todos os burgueses. Falando de Coimbra, exceptuando os de propriedade privada com acesso condicionado, ao longo de todo o século XX, os edis, onde se inclui o senhor, foram combinando o desenvolvimento harmónico da cidade com o edificado construído e, dentro do possível, incluindo recintos ajardinados. Para além disso, como cartão de identidade e projecção de sensibilidade, fosse pela familiaridade da rosa à Padroeira ou não, sempre primaram pelo cuidado extremo em manter a urbe florida. Mesmo com recurso ao postal ilustrado da década de 1970/80, quem não lembra o Parque Dr. Manuel Braga com os seus exuberantes canteiros floridos?
Sem fazer levantar o senhor presidente e os senhores vereadores das cadeiras onde se acomodam, tomo a liberdade de os convidar a um pequeno passeio virtual. Então, comecemos aqui pelo Jardim da Manga, nas traseiras deste edifício. Com inestéticos andaimes colocados desde Junho, sem servirem o fim para que foram colocados e somente para calar as reclamações, com os lagos sem água e canteiros mal cuidados, é bem o modelo de uma falta de auto-estima cidadã que nos deveria fazer pensar.
Prosseguindo, subimos em direcção à Praça da República. Entramos no jardim da Avenida Sá da Bandeira. Pelo abandono perceptível, pela descuidada manutenção dos canteiros sem relva, pelos troncos de palmeiras cortados sem que lhe fosse feito um arranjo necessário e utilitário, pelas floreiras de pedra vazias, pelos lagos como depósito de lixo, pelas folhas secas amontoadas em altura de dez centímetros, aposto que os senhores sentem o mesmo desalento que me atormenta.
Passando no Aqueduto de São Sebastião, nos Arcos do Jardim, e vendo que mesmo o verde que emoldura a rotunda do Papa está mal ajardinada, entramos na estrada paralela ao Jardim Botânico e verificamos que os separadores entre vias estão num estado calamitoso. Continuamos e vamos em direcção ao Parque Verde. O desmazelo é a variável mais recorrente. Espero que os senhores, na qualidade de administradores da cidade, não se revoltem consigo-mesmo e comecem a esbofetear-se pela incúria. Damos um passo mais para o lado e entramos no mítico Parque da Cidade. O mesmo descuido, a mesma desprotecção, com canteiros de terra sem verde, arbustos periféricos escassos e alguns secos, o emblema da cidade completamente impreciso e a desaparecer, os lagos sem água e, sem glória, indiferentes ao olhar humano.
Estamos agora no Largo da Portagem. Mesmo aqui, que sendo a porta de entrada da cidade, embora valorizado, não se encontra no seu melhor. Prosseguimos e entramos no Largo das Olarias, junto à Loja do Cidadão. Damos de caras com cerca de uma dúzia de floreiras com aspecto de grande secura. Vejo que o senhor vice-presidente, na qualidade de vereador responsável, arranha na cabeça. Ficou sem palavras.
Vamos em direcção à Estação Velha. Paramos um pouco junto da menina dos seus olhos, como quem diz, a rotunda da Cidazunda. Pelo franzir do seu rosto, dá para ver que está desanimado. E acabamos no Jardim da Casa do Sal. Com lixo espalhado ao deus-dirá e terra sem cultura florística, os senhores já nem ousam aproximar-se.
Tanto quanto julgo saber, foi hoje aqui analisada a proposta final de candidatura ao programa Horizonte 2020, do projecto de regeneração urbana dos centros históricos das cidades “Culturas Conectantes”, instituído pela UNESCO. Foi incluído a reestruturação dos jardins públicos da cidade? Se não, à minha qualidade de munícipe, responda: vai fazer alguma coisa para mudar este situacionismo?


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terça-feira, 3 de setembro de 2019

O CIDADÃO, A CÂMARA ARDENTE E A ARTE DE (DES)ESPERAR

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)





1. O Cidadão transpõe as portas arcadas do palácio do governador, na Praça 8 de Maio. Entra na Divisão de Atendimento, à entrada, com o indicador carrega na tecla de Atendimento Geral, referente à senha A. O pequeno quadrado de papel informa que são 11h17 do dia 02-09-2019, e que estão 18 pessoas em espera.
Naquela lindíssima sala de tectos pintados provavelmente no século XIX o tempo, talvez pela canícula excepcional em Setembro, é lento e corre devagar. As muitas pessoas sentadas em poltronas almofadadas dividem o olhar entre o plasma, visor da vez, as pinturas por cima das suas cabeças e num ou outro munícipe que entra e tenta acomodar-se até o seu número chegar.
Nos compartimentos de atendimento público, com dois vazios, certamente por férias, cinco funcionários tentam dar provimento ao desejo de cada um.

2. O Cidadão, por tantas vezes frequentar o local camarário, sabe que os detentores da senha A, em média, demorarão uma hora a serem atendidos. Sabe também que os munícipes que escolherem a senha E, para pequenos pagamentos, serão acolhidos em dez minutos, em média.
Há cerca de um mês, o Cidadão tentou sensibilizar a até então directora de departamento para a discriminação que se verifica ali. Como estava demissionária do lugar, só muito forçadamente o recebeu, mas despachou imediatamente para a coordenadora do serviço de atendimento. Simpaticamente a gestora ouviu o Cidadão e disse compreender que não estava certo alguns munícipes serem recebidos em dez minutos e outros, por vezes, mais de uma hora. Prometeu tomar atenção e sensibilizar a chefia (que ainda não sabia quem seria) para o que se passava ali.

3. Finalmente chegou a vez da senha número 41. O relógio marcava 12h34. Ou seja, uma hora e dezassete minutos depois, o Cidadão iria ser atendido nos dois assuntos que levava, o primeiro, tratando-se de uma inscrição para a reunião de Câmara, foi rápido e não causou qualquer reacção à funcionária. Um problema iria surgir no segundo tópico. Tratava-se de uma certidão sobre o exercício de preferência na transmissão de imóveis que, devendo a pronúncia ser exarada no prazo de dez dias -o não cumprimento da obrigação no limite definido implica a prescrição – não foi exercida. Aliás, já perfazia 38 dias. Tudo estaria bem se a escritura pública se pudesse realizar sem a dita declaração. Acontece que sem o apregoado papelinho algum conservador ousa escriturar seja o que for. Portanto, como se adivinha um incumprimento da administração pode facilmente tornar a vida em suspenso de qualquer sujeito.
Tentando fazer compreender a funcionária do que estava em causa, o Cidadão pediu que fosse apresentado uma previsão para a emissão do documento, dois, três, quatro, cinco dias. Mas a funcionária, limitando-se a ler o despacho, com data de 25 de Julho, que constava no computador “Não havia chefia, nem director do seu conhecimento” a quem fazer a tramitação.
O Cidadão, já farto de ser tratado com algum favor paternalista, começou a irritar-se e a levantar a voz. Exigia falar com a responsável hierárquica acima. Vendo que o Cidadão não estava ali para brincadeiras burocráticas, a empregada pública remeteu a chamada para a funcionária que assinava o despacho. Transmitindo à colega que o Cidadão pretendia somente uma previsão para a emissão da certidão, do outro lado do éter a senhora pouco se importou com a ilegalidade formal de que era comparte e, alegadamente, informou que o documento se encontrava pendente no Gabinete da Presidência e não avançava prazo para a sua emissão.
O Cidadão pediu o Livro de Reclamações.

4. Antes de prosseguir, convém salientar que já em Fevereiro, último, aconteceu uma situação exactamente com os mesmos contornos. Uma outra funcionária fez quase o mesmo, com uma diferença ínfima, isto é, prometendo uma data de entrega, não quis saber e esteve a marimbar-se para a sua responsabilidade na prossecução do interesse público. Foram necessários 44 dias para tomar posse do certificado.
O Cidadão, em Março, levou o caso a reunião da Câmara Municipal. Se passados cerca de seis meses tudo continua como dantes, é de inferir que, por um lado, o executivo, enquanto órgão político, não quer saber dos queixumes dos munícipes, por outro, é lícito admitir que algum pessoal contratado pela autarquia de Coimbra, em exemplo vindo de cima, segue os mesmos passos.

5. Como já passava das 13h00, depois de entregar o Livro de Reclamações, a funcionária, sem uma palavra de despedida, foi almoçar.

6. O Cidadão, procurando ser claro, conciso e justo nas declarações, começou a escreveu o que se passou no denominado livro amarelo. Foi então que, tendo necessidade de passar para outra folha, reparou que era a última do livro. Mais uma complicação a fazer prolongar o tempo de espera: não havia outro livro, nem disponível, nem à vista. Passados largos minutos lá veio um novo exemplar. E o Cidadão foi concluir a sua exposição.

7. Acabada a escrita no livro do desespero, seriam nesta altura umas 13h45, havia um novo obstáculo a transpor: não havia rede nos dois computadores ao serviço.
Em face da lacuna cibernética, as duas funcionárias começaram a atender munícipes que não implicassem obrigatoriamente a consulta de processos.
Já passava das 14h00, quando um dos computadores apanhou linha. O visor marcava a senha número 61. A funcionária nunca mais se lembrou que o Cidadão, como padroeira da cidade, se mantinha com dois Livros de Reclamações abertos no regaço e, portanto, nada de o chamar. Foi preciso o Cidadão levantar novamente a voz e interrogar se seria preciso mandar vir o almoço por lancheira.
Foi concluído o seu atendimento às 14h15. Como quem diz, cerca de três horas depois.

8. Mesmo levando em conta as várias queixas exaradas no livro de todos os queixumes pelo Cidadão – sem, até ao momento, uma única resposta do órgão regulador -, será que a imprensa local, a comunicação social, se estivesse mesmo ao serviço do dever de informar o colectivo, não deveria inteirar-se do que se passa com os serviços camarários? Não deveria, por exemplo, saber quantas reclamações foram realizadas nos últimos seis meses?
Por último, o Cidadão deseja boa sorte, e sobretudo que consiga controlar o barco à deriva, à responsável pela Divisão de Atendimento, vereadora Regina Bento. Pela cidade, por todos nós, é bom que tenha sucesso.

(Texto enviado, por e-mail, para conhecimento à Câmara Municipal de Coimbra)