Cerca das 10 horas da manhã de hoje, no Largo da Maracha, perante os representantes dos Departamento de Habitação da Câmara Municipal de Coimbra e da empresa de construção Renovalar –e sem a presença do proprietário do edifício, que apesar de alegadamente notificado não teria comparecido- foi tomada posse administrativa do prédio onde até há cerca de uma década funcionou a tasca do Manuel Vasques.
Foi consignada à empresa de construção civil a consolidação da fachada e “entaipamento” de entradas e subsequente pintura de toda a frente da propriedade.
Quem estava satisfeito era o Armando, o comerciante da casa de desporto ao lado, que durante todos estes anos suportou o lixo que ali se foi acumulando e o cheiro fétido que dali advinha. Nos últimos tempos tem estado ali a dormir um indivíduo de nome Anildo Monteiro, a quem chamei o “Cristo Negro da Maracha”.
E É A ÚNICA POR AQUI?
Esta obra começada e inacabada faz parte de um conjunto de várias abandonadas na Baixa. Lembro, por exemplo, um prédio nas mesmas circunstâncias no Largo da Freiria, que está a prejudicar fortemente o Restaurante Padaria Popular. Começada há meia-dúzia de anos, foi abandonada a meio, por volta de 2008.
E PORQUE ACONTECEM ESTAS SITUAÇÕES DE ABANDONO?
No tocante ao prédio da tasca do Manuel Vasques, penso que foi adquirido em 1998, no pico da construção, quando qualquer canto farrusco se vendia como tremoços.
Por conseguinte, tendo em conta as perspectivas do proprietário nessa época, este teria dado um balúrdio por este prédio e, supõe-se, ainda um andar à troca. O que sei é que por volta do virar do milénio estava a pedir 45 mil contos, 225 mil euros, no mesmo estado em que o comprou.
Segundo informações recolhidas nas proximidades, como não teria conseguido aliená-lo, por alturas de 2001, começou as obras por sua conta e risco.
Acontece que todas as obras iniciadas em renovação no Centro Histórico, e em que envolva betão, terão de ser acompanhadas por arqueólogos autorizados pelo IGESPAR e pagos pelo dono da obra. Ao que parece, nesta obra, em que se pretendia fazer uma cave, “andaram dois técnicos de arqueologia durante mais de um ano a inspeccionar o solo e a ganhar cerca de 30 contos por dia até ao momento em que se descobriu água e também um murete que seria medieval e a obra teve de parar por causa das estruturas em pedra”. Pelo meio, segundo parece, meteu-se a morte súbita do empreiteiro a quem a obra teria sido consignada e até hoje nunca mais foi reiniciada.
E NO LARGO DA FREIRIA?
Embora diferente mas com contornos semelhantes o edifício do Largo da Freiria jaz inerte e abandonado há mais de três anos.
Este edifício, construído em 1878, de três pisos e águas furtadas, onde funcionou um armazém de tabacos e mercearia no rés-do-chão, encerrou definitivamente em meados da década de 1960. A partir daí esteve sempre abandonado e sujeito à degradação do tempo.
Alegadamente, esta casa seria propriedade de uma senhora muito rica e sem herdeiros. À sua morte, por alturas, creio, de no fim de 1980, testou todos as seus bens ao seu fiel jardineiro –homem simples que ainda conheci em vida. Acontece que as imensas propriedades que lhe foram legadas em toda a cidade estavam no mesmo estado decrépito deste, do Largo da Freiria.
O homem que sempre cuidou das coisas da velha senhora viria a falecer por volta de meados de 1990. Veio a herdar todas estas propriedades um seu filho.
Talvez porque estivesse muito agarrado à memória e, quem sabe, respeito pelo legado a seu pai, a verdade é que, apesar de ser contactado, nunca se disponibilizou a vender o prédio da Freiria.
Por alturas de 2004, creio, entregou um projecto de obras na autarquia de todo o edifício. Alegadamente, no rés-do-chão seria para indústria hoteleira e os restantes pisos para habitação. Iniciaram-se as obras presumivelmente em 2006. Durante cerca de dois anos andaram, quase todos os dias, dois arqueólogos a inspeccionar o chão. Também aqui foram descobertas indícios de uma construção presumivelmente dos séculos XVII/XVIII. Segundo na altura consegui saber pelo empreiteiro, como este edifício tinha tectos em gesso e pintados, o proprietário foi obrigado pelo IGESPAR a fazer a reposição dos mesmos nos andares superiores. Esta alteração, com que não contava, iria custar mais de 25 mil euros.
Para complicar ainda mais, depois da obra consignada ao primeiro empreiteiro e tendo este recebido uma primeira tranche, viria a locupletar-se e a desaparecer para não mais ser visto –informação não confirmada e que correu por estas ruas e vielas.
Fosse por estes motivos ou por outros, a verdade é que a obra está abandonada há mais de três anos.
E O QUE É QUE SE PODE FAZER PARA ISTO NÃO ACONTECER NO FUTURO?
Nos dias que correm reconstruir seja lá o que for no Centro Histórico é um “processo de Kafka”. Para além de qualquer obra ficar muito mais cara devido aos sinuosos acessos, há empreiteiros que, devido aos condicionamentos, não querem trabalhar aqui por dinheiro nenhum –há dois anos tentei contactar um técnico para reparar umas caleiras e vários me disseram que na Baixa não trabalhavam.
Depois há este problema de todas as obras terem de ser acompanhadas por arqueólogos, técnicos licenciados pelo IGESPAR, que custam uma fortuna ao proprietário e são um constante óbice ao desenvolvimento do restauro.
Qualquer pessoa entende que, pela nossa história, é necessário um acompanhamento destas obras. Até aqui estamos de acordo. O problema é quando se cai no absurdo. Terá de ser encontrado um meio-termo. Ou seja, uma harmonização entre o interesse público e do proprietário. Porque, sejamos práticos, quando as leis são absurdas, a cair no transcendente, o resultado final é um desastre, com custos incalculáveis. Sempre que se pode fugir, foge-se. E sempre que, por exemplo, aparecer um qualquer achado de relevância histórica, devido às consequências, é destruído imediatamente. Ora não ter atenção a estes factos e continuar a persistir num grau de exigência, levando a lei à letra, é contribuir para cada vez mais um abandono das zonas velhas das cidades.
A soma final de tudo isto é um cataclismo. Se não vejamos, o que irá acontecer ao prédio do largo da Maracha, hoje tomado de posse administrativa? Alguém acredita que a autarquia chamará a si as obras do interior? Fará o emparedamento da fachada e mais nada, porque, devido às condicionantes financeiras, mais não pode.
Mais ainda, a autarquia de Coimbra, bem como outras do país, são donas de um extenso património nas baixas das cidades que até desconhecem o que têm. Muito dele abandonado e decrépito. Ora por aqui já dá para ver que a política seguida em benefício das câmaras municipais, para além de estar errada, só tem contribuído para agravar o problema.
Por exemplo, por que razão detém as autarquias o direito de preferência em qualquer transmissão de propriedade que se efectue no Centro Histórico? Fará algum sentido? Faria, isso sim, num qualquer edifício classificado de interesse municipal. Agora ser geral? Quem é que entende? É mais uma medida que, pelo meter o “pau na roda”, contribui para o abandono da propriedade.
Com tanto proteccionismo e descarada complicação é lógico que a revitalização do edificado irá tardar muito e com custos dobrados para todos.
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