quinta-feira, 18 de novembro de 2010

BAIXA: UMA VELHA ESTÁ À JANELA

(IMAGEM DA WEB)



 “São umas putas. São todas umas grandes putas e coirões!”. Faltam poucos minutos para as nove horas da manhã. Na Rua do Almoxarife, bem no centro nevrálgico, no pulsar do coração da Baixa de Coimbra, a Mariazinha, senhora do alto das suas oitenta primaveras, está à janela e vocifera contra tudo o que mexe. Perante os gritos desenfreados da velha, os transeuntes passam, param e sorriem. Um deles, em provocação, impõe: “xiu!”.
“Xiu, qual quê, meu paneleirote?”, riposta a velha moradora do beco de Almoxarife. Entretanto, uma vizinha, também já entradota na idade, vem à janela. Apesar de já estar acostumada aos impropérios da velha dama, perante aquele descarregar verbal, é sempre um gozo. Mal assomou a cabeça na fresta, Mariazinha, como “sniper”, atirador furtivo, virou rapidamente os olhos, apontou a “espingarda” carregada de vitupérios e, sem avisar, disparou: “ó minha puta, és uma grande puta! Andas a dá-la, pensas que eu não sei?”.
Durante cerca de meia-hora, toda a zona envolvente foi acariciada pela frustração da velha senhora ocupante de Almoxarife. Durante largo tempo, a Zona Histórica voltou a ter ruídos e ser o que já foi em tempos idos e que só os mais velhos recordam com alguma saudade. Talvez por isso, os comerciantes mais antigos, que têm os seus negócios por aqui, já não liguem e até riam perante o excesso verbal e incontinente de Mariazinha. Mesmo até havendo uma notória perturbação comportamental nesta idosa, afinal, ela foi sempre assim. “Foi sempre muito rabugenta e intratável”, segundo as palavras de uma vizinha que a conhece bem. “Claro que agora estamos em presença de senilidade”, continua a vizinha, “e o senhor calcula a loucura que anda, por aqui, à solta, na Baixa? Os idosos, a maioria deles vive só. Passam o dia sozinhos. Não conversam com ninguém. Só abrem a porta para as assistentes sociais da Cozinha Económica –e que a Mariazinha também está a ser acompanhada. Muitas delas, pelo seu mau-feitio, nunca se relacionaram com ninguém. Então, tal como a Mariazinha, é como se pela sua imensa frustração acumulada durante toda a vida, agora, que já não conseguem controlar o seu comportamento, o inconsciente, acusando algum excesso de carga, tenha necessidade de evacuar. No fundo, se reparar, estamos todos entregues ao deus dará. O senhor não acha?”

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