sexta-feira, 31 de outubro de 2014

UMA CALÇADA ARMADILHADA




Edmar Ferreira, funcionário da firma A. Loureiro, e Gualter Oliveira, proprietário da Ourivesaria Marialva, vizinhos, porta com porta na Rua Visconde da Luz, já perderam a conta às vezes que saíram espavoridos das suas lojas para darem uma mão a alguém que se estatelou em frente aos seus estabelecimentos.
Segundo Edmar Ferreira, “sabe o que é, Luís, o passeio deu-se, cedeu, e está completamente desnivelado. As pessoas vêm descansadas e, de repente, falta-lhes chão. Ainda ontem uma senhora caiu aqui. Corri para ela e ajudei-a a erguer-se. Perguntei se tinha ficado ferida mas respondeu que não. A esfregar os joelhos, mais que certo com dores, lá seguiu a coxear em sobe e desce e em busca de uma calçada menos agressiva.
Também Gualter Oliveira está desgostoso com a armadilha que está à sua porta e acrescenta: “quando chove ficam aqui umas poças de água e ainda é pior! Isto está uma lástima!”
De salientar que, no geral, os pisos em calçada portuguesa em toda a Baixa estão uma calamidade. Os buracos com falta de pedras são incontáveis. A situação não está pior por que alguns comerciantes, dentro das suas possibilidades, vão remendando, ora calcetando, ora colocando cimento para que ninguém se magoe. Está de ver que, quando se chega a este ponto, alguma coisa não bate certo. Estes arranjos minimalistas não dão sorrisos e simpatias para o executivo? Sei lá! Se calhar não! Eu não sei nada!

(Texto enviado para conhecimento à Câmara Municipal de Coimbra)

A MANGO CONTINUA ENTRE NÓS





Há cerca de duas semanas escrevi aqui que a Mango, na Rua Ferreira Borges, corria risco de vida, sobretudo a sua permanência na Baixa. Havia um diferendo, uma questão a resolver de aumento de renda, entre o actual proprietário e o inquilino, o comerciante que explora a marca e que detém também uma grande loja no Fórum Coimbra. Ambos estavam dentro da sua legitimidade. O primeiro, o proprietário, argumentava que a renda praticada há vários anos estava muito abaixo e o segundo, o locador, como é natural, invocava que o aumento seria incomportável para o momento comercial e ameaçava abandonar o Centro Histórico.
Sem me alongar, dentro de uma escrita de influência –que é o modo como me coloco-, procurando o melhor para todos, entrevistei um dos dois proprietários que pretendia legitimamente elevar o seu rendimento patrimonial e publiquei no jornal O Despertar. Consegui que da sua parte houvesse um comprometimento de que, de facto, também procurava o melhor para todos. Ou seja, era sua intenção chegar a acordo com o seu inquilino. E foi o que aconteceu. Através de uma fonte que pediu o anonimato, soube hoje que ambos chegaram a bom termo e a marca Mango, para gáudio de todos nós, vai manter-se por cá.
Gostava de conseguir descrever o quanto sinto regozijo por perceber que, quer o dono do prédio da Mango quer o arrendatário, ambos, sem descurar o seu proveito individual, puseram o interesse social acima do pessoal. Ora quando assim é, sem dúvida que estamos perante cavalheiros de calibre singular. Por isso mesmo, para os dois, uma enorme salva de palmas! Em nome dos cinco funcionários da Mango, em nome da Baixa, se posso escrever assim, muito obrigados!

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "AS SOBREVIVENTES", deixo também as crónicas "O RENASCER NA NOSSA IMPÉRIO"; "SOFIMODA RENOVADA"; "REFLEXÃO: UM GATO GORDO TEIMA EM RESISTIR"; e "NOITE BRANCA QUE JÁ FOSTE"



AS SOBREVIVENTES

Tem um ar angélico e apático. Por ser simples e direta, faz recordar um lago de águas paradas que só se movimenta quando o vento, em rajada, se lembra de soprar. A tristeza no seu rosto é patente até pelos mais distraídos e que nunca se dignam olhar alguém que, na rua, luta por uma dignidade difícil de manter neste oceano de sobrevivência. Só quem, como eu, conhece a Sónia Margarida, que vende bolos de Ançã junto à Loja do Cidadão, percebe e pode imaginar o provável turbilhão de emoções que se agitam no seu interior.
Já lá vai o princípio dos anos de 1980, com menos de menos de meia dúzia de anos, era a Sónia uma criança tímida, insegura e cheia de medos que entraram na família pelo seu pai, recentemente falecido, cuja memória ainda inunda os olhos da filha porque pai é pai, mesmo que não mereça ser. Onde quer que esteja o progenitor da Sónia, que a terra lhe seja leve e que Deus o mantenha, que não faz cá falta, e não o chame para o nosso meio –que a acreditar nas filosofias espírita e budista, inevitavelmente, a sua alma voltará em busca da redenção, da absolvição e da purificação. Hoje quando se fala em violência doméstica não se cogita o pânico que foi a vivência diária da Sónia e da sua mãe, Cândida, junto ao Largo da Sé Velha. Bem sei que não fica bem falar de quem já nos deixou e mais que certo já foi julgado e pagou pela infelicidade causada aos mais próximos mas, porque a Sónia e a sua progenitora são sobreviventes de um campo de tortura física e psicológica e de um calculado terror e destruição, com uma admiração desmesurada por elas, não posso deixar de rememorar a suas vidas de sofrimento.
Sem receber qualquer subsídio, com o companheiro, o Paulo, desempregado, e dois filhos a estudar, a Sónia, tem a sorte de ser acompanhada por uma mãe-coragem, a Cândida, que, apesar de toda a sua existência de padecimento, ampara e cuida da filha e dos netos com um incomensurável e indescritível amor. Esta protetora, como símbolo de bravura e abnegação, merecia ser condecorada. Esta mulher de arrojo, para exemplo de tantos que se lamentam por isto e aquilo, que já fez de tudo, nunca se queixou. Mesmo a ganhar pouco, continua sempre em frente e protege a Sónia dos espinhos que a miséria tece. Por isso mesmo se entende que, apesar de algumas limitações e erros de percurso da filha, continue a ser a sua guia material e espiritual e lhe indique o caminho certo para a obrigação de ser boa madre.
A Sónia já fez de tudo, desde limpezas até vender pinhoadas na rua, para não submergir e tentar equilibrar uma família que tinha tudo para não dar certo, seguida de perto por Cândida, faz do esforço a sua luz. Há uns tempos lembrou-se de que, em criança, ia com a avó vender uns especiais bolos de Ançã para a porta do antigo Hospital da Universidade, na Alta, no início de 1980. Agora, levanta-se todos os dias às 5h00 da matina para conseguir estar ao romper da aurora junto à Loja do Cidadão. Com enfase declara: “com muito amealhar de sacrifício, já consegui comprar um carrinho usado para o Paulo, o meu marido, proximamente vender castanhas aqui no Largo das Olarias. A vida está correr e a sorrir para nós!”
Para ajudar esta família a viver com decência, vamos provar o delicioso bolo de Ançã que a Sónia, este exemplo de resistência, vende junto à Loja do Cidadão?



O RENASCER NA “NOSSA” IMPÉRIO

Na última terça-feira da semana passada, com discrição, reabriu a pastelaria Império, um dos mais antigos e importantes ícones da Baixa da cidade. Desde que encerrou, em Dezembro de 2013, as Ruas da Sofia e João de Ruão nunca mais voltaram a ser as mesmas. Foi como se aquelas duas artérias, pelo desgosto, entrassem em depressão profunda e perdessem o espírito que as animou durante mais de sete décadas. Agora, com esta grande notícia que nos enche de contentamento, estão reforçadas e muito melhor. Transpor as portas deste nobel estabelecimento, e abraçar com os olhos as suas paredes com mensagens de alento, é como se tivesse regressado um ente querido que partiu para longe e pensávamos que não voltaria mais.
Em exploração de franchising, low-cost.come, inserido em rede num total de 31 lojas espalhadas pelo País, o conceito é, pelo apoio da marca e traquejo do franchisado, ter qualidade ao melhor preço. Trata-se uma sociedade familiar, com três sócios, o Virgínio Campos, o Paulo Mendes e o Paulo Valente, com sede em Aguiar da Beira e com larga experiência na área da panificação. Nesta vila pertencente ao distrito da Guarda e sede de município detém um estabelecimento ligado à hotelaria e outro, bastante conhecido e similar, em Viseu.
Segundo Virgínio Campos, um dos sócios da firma, “estamos aqui para fazer o melhor que sabemos. Criámos cerca de uma dezena de novos postos de trabalho e não viemos para fazer concorrência desleal a quem quer que seja. A nossa preocupação é apresentar a melhor qualidade ao mais baixo valor. Já viu os nossos preços? Vendemos uma boa sopa por 85 cêntimos. E não esquecemos o café, que faz parte dos nossos hábitos diários, pode tomar por 40 cêntimos. Temos noção do grave momento económico que o País vive e, por isso mesmo, abraçámos este projeto completamente empenhados, de alma e coração. Seguindo a mesma linha, embora remodelada, temos fabrico-próprio de pastelaria e pão. Conhecemos a história desta grande casa, que é a Império, e o quanto representa para a revitalização global desta área histórica. Não há progresso sem esforço e envolvimento de todos. Naturalmente, porque somos interessados, estamos a dar tudo para que dê certo. Aproveito a oportunidade para fazer um convite aos seus leitores: venham visitar-nos! Venham provar a nossa variada ementa. Ao frequentarem a nossa casa, para além de nos incentivar a fazer cada vez melhor, estão a ajudar a Baixa, a mantê-la viva!”


SOFIMODA RENOVADA

Depois de uns dias encerrado para renovar o interior e apresentar a nova coleção de utono/inverno, e após cerca de trinta anos a servir a cidade, reabriu esta semana a Sofimoda, na Rua da Sofia e paredes-meias com a pastelaria Império –também reavivada recentemente.
Arménio Pratas, com meio-século de experiência comercial e outro tanto a defender o associativismo e as causas dos outros, é um homem de fé e acredita que valeu a pena toda esta modificação no estabelecimento. “As coisas estão muito difíceis –tu sabes bem-, mas não podemos parar! Continuo com a mesma vontade indomável de seguir em frente. Sou otimista –os pessimistas não têm lugar no comércio. Tenho esperança que a nossa economia recupere. Em relação ao que estava habituado, a trabalhar com grandes marcas caras, tive de dar uma grande reviravolta no sortido da minha loja. Agora direcionei a oferta sobretudo e visando a classe-média, homem e senhora, oferecendo artigos de qualidade mas a preços mais competitivos. Temos de nos adaptar, não é? A Baixa tem potencialidade, a Rua da Sofia é uma das artérias mais importantes da cidade e com a classificação da Unesco está a recuperar de uma letargia e já há muito reivindicado por quem aqui desempenha a sua profissão.
Aproveitando a oportunidade, gostaria de dar um grande abraço a tantos, tantos, clientes dedicados que, pela preferência da minha casa, durante décadas têm sido a infraestrutura, a trave-mestra, da Sofimoda. Também para os muitos amigos que em fases de maior fragilidade me deram força anímica para continuar. É nestas alturas que reconhecemos quem nos quer bem. O meu eterno reconhecimento. Bem-haja a todos!”
Com o nosso contentamento de alegria, com a ajuda da esposa, Amélia Pratas, e da funcionária de tantos anos, a Olinda Maria, o Arménio segue recauchutado na estada da vida comercial. Muita força e coragem! Felicidades, meu amigo, tu mereces! És uma pessoa boa, sempre solidário e pronto a ajudar o próximo. Vamos visitar a Sofimoda e dar um abraço ao Pratas?


REFLEXÃO: UM GATO GORDO TEIMA EM RESISTIR

Apesar de, em pose de descanso, aparentar uma certa dureza nas bentas é um animal dócil. Se eventualmente o contemplarmos e o envolvermos num olhar, mesmo de comiseração, parece voltar a ser o traquinas que já foi, que calcorreou telhados e caminhos ásperos, e sorri para nós. É como se aquela rijeza no rosto fosse uma máscara que o tempo se encarregou de moldar ao seu jeito. Pelos contornos de um certo ar pachorrento e bigodes que teimam em romper, parece um gato enorme. Apesar de abandonado, e diariamente dormir na soleira da porta das desaparecidas Galerias Coimbra junto à Praça do Comércio, conserva uma avantajada barriga, o que, tendo em conta a sua situação, é um contrassenso. Pelo estereótipo, de vadio desprezado, deveria ser um trinca-espinhas, um magricela anorético, o que só por isso já nos causa conforto, alivia a nossa consciência e, sem pesos na perceção, nos faz seguir em frente para as nossas vidas atribuladas. Afinal, animais abandonados há por aí às dezenas pelos becos, ruelas e pracetas. Se fossem capazes de entender, saberiam que deveriam sair para longe do nosso olhar, para os prédios decrépitos em torno da cidade. Mas não entendem e, como se fossem almas penadas que vieram a este mundo para nos assombrar, teimam em vir dormir para qualquer canto e quase que tropeçamos neles.
Este animal gordo, avermelhado e de cara cheia, para além de teimar em dormir sempre no mesmo sítio, agora deu em tossir, tossir, de uma forma impressionante. Coitados dos moradores que, deitados numa aconchegada cama, por ali fazem por descansar e têm de gramar os “latidos” tossicados do pobre bicho. O que é estranho é haver tantas associações de animais e nenhuma delas se ocupar dele. É estranho, não é? Se calhar estão à espera que ele morra! Ora, a viver uma vida assim, por que não nos faz ele a vontade?
Já aqui escrevi sobre esta história no princípio deste mês. Neste fim-de-semana, passados mais de 20 dias, o António José Vaz Monteiro foi acometido de doença súbita e, em estado grave, foi internado nos HUC de urgência. Como nos sentimos?



NOITE BRANCA QUE JÁ FOSTE

São 20h30 deste último sábado, 25 de Outubro. Para um outono declarado no calendário, o tempo está surpreendentemente quente, o que se traduz numa noite muito agradável para passear. Nas ruas estreitas, vazias de transeuntes, só duas lojas comerciais se mantêm abertas ao público. Seria até normal se, por acaso, não estivesse programada uma “Noite Branca”, um evento que desde há vários anos consiste em manter todos os estabelecimentos comerciais pela noite dentro, até cerca da meia-noite, realizada pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra.
Esta festa, comunicada aos comerciantes com convites distribuídos porta-a-porta há cerca de uma semana, foi anunciada assim: “Para o próximo dia 25 de Outubro (sábado) a APBC preparou uma programação de Jazz com momentos musicais a acontecer ao longo de todo o dia, nos mais diversos espaços da Baixa de Coimbra, a qual culminará com um espetáculo à noite, pelas 22h00 na Praça 8 de Maio. As atuações musicais terão carácter itinerante, com arruadas, e estático em zonas mais centrais como a Praça 8 de Maio, Arco de Almedina, Largo da Portagem, Praça do Comércio. Neste dia decorre em simultâneo o Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses com a exposição de viaturas antigas de bombeiros nas ruas da baixa. (…) Gostaríamos ainda de propor a todos os comerciantes uma campanha promocional com a realização de “happy hour” entre as 15h00 e as 18h00, por exemplo, em que se oferece ao cliente um artigo a cada 10 minutos, sendo que o esquema de promoções/ofertas a atribuir fica ao critério de cada estabelecimento”.
Logo nessa altura, segundo algumas declarações de comerciantes que ouvi, caiu mal o facto de, num período de tão graves problemas financeiros, a APBC aconselhar a oferta de produtos ou mesmo fazer descontos. Vender abaixo do preço já há muito que está ser feito na generalidade do comércio. Foi entendido como se quem o sugeriu não soubesse o que se passava na prática. Mesmo assim, contrariamente ao costume, durante a tarde estiveram mais lojas de portas abertas do que é hábito. Sem fazerem negócio, às 19h00 os poucos resistentes estavam esgotados e a deitar fumo pelas narinas. Pedindo reserva de identidade, foram vários os queixumes que me chegaram tais como: “prometeram que havia animação ao longo do dia, nos mais diversos espaços da Baixa, e não houve quase nada. Aqui nas ruas estreitas só andou um músico com um violoncelo. A direção da APBC parece os políticos a prometerem tudo e depois não cumprem nada. Isto é gozar com a nossa cara! Foi tudo feito para beneficiar a hotelaria, cuja orientação lhes pertence, e a fazer acontecer a animação nas ruas largas de cima e Praça 8 de Maio, onde está tudo concentrado. A mim nunca mais me apanham cá!” -declarações de um comerciante da Rua Eduardo Coelho conjuntamente com um grupo que estava a encerrar por volta das 20 horas.
Com estas adesões, com estas declarações, com estes resultados, sobretudo para o comércio, valerá a pena continuar a apostar nas Noites Brancas?



ESTE CANTO É MEU!







Hoje, de manhã, na Rua Eduardo Coelho, na esquina que faz frente para a Rua das Padeiras e Largo da Freiria, aconteceu uma cena caricata. Há várias décadas que a quina, quase todos os dias, é ocupada pelo Eduardo Ventura, um invisual que nos metralha a todos com a lengalenga “uma moedinha, por amor de Deus Senhor!”. Então aconteceu que, logo ao romper do horário comercial, cerca das nove horas, a “propriedade” do Ventura, “adquirida por usucapião”, sem registo oficial, foi ocupada por uma cigana romena, uma rapariga ainda nova, com um copo plástico nas duas mãos, inclinada e projectada para a frente, em posição de submissão. Por volta das 11h00, montado na sua bengala a bater no chão, toc, toc, toc, chegou o Eduardo. Quando verificou que a sua quinta, ou melhor o seu cunhal, estava ocupado começou a barafustar com a mulher para que ela lhe desamparasse a loja e a ameaçar chamar a polícia. A catraia, mais que certo ilegal por terras estudantis de Santa Isabel, sem replicar, saiu de onde estava e foi colocar-se a dois passos, já na Rua das Padeiras. O Ventura, ocupando novamente a sua leira respirou fundo e, no meio de um impropério contra o pessoal que, como ele, estende a mão, pareceu serenar. Foi então que a voz da cachopa, em apelo de falseada lástima martelada ecoou na calçada: “mnh… mnh!”.
O Eduardo, rei e senhor de todas as escuridões do mundo, quando ouviu o pedido mendicante da romena sentiu-se chicoteado pela afronta e desobediência às suas ordens e o seu coração deu um baque que, cogitando, se teria ouvido na Praça do Comércio. De bengala em riste e guiado pela intuição, deu dois passos para agredir a pedinte. Pelos vistos, como ela não estava para se chatear com um qualquer colega de profissão, estúpido e pouco solidário, levantou-se, olhou em frente e foi-se à vida. Mas o Eduardo estava irritado e continuava a rumorejar. Imaginando o seu pensar, “que diabo, já me basta esta cambada de cegos que andam para aí a fazer-me concorrência e agora ainda vem este pessoal de leste? Fonix!”
Perante estas cenas pitorescas, próprias das intrincadas vivências das cidades, há sempre os que, como eu fiz, se limitam a registar mentalmente a cena e, através dela, partirem para o tratamento da interdependência e outros, poucos –diga-se a propósito-, aqueles, os que, perante o abuso de poder de alguém sobre outra parte mais fraca, se indignam e intervêm, pelo menos, para censurar o infractor. E foi o que aconteceu. Um homem de meia-idade, sem papas na língua, reprimiu o Ventura arguindo a sua falta de humanidade e apoio perante pessoas na mesma condição. Mas o Ventura, certo da sua razão, não estava pelos ajustes e cresceu para o homem. Por pouco que não se verificou uma cena a fazer lembrar “Chaplin”.
Moral desta história sem história: num egoísmo exacerbado, nem sempre o que mais sofre entende o padecimento alheio.

BOM DIA, PESSOAL...

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

BOM DIA, PESSOAL...

UM POEMA PARA OS HOMENS




Escrevi este pseudo-poema  em 2009. Hoje, sem contar, dei com as bentas nele. Mesmo correndo o risco de ser insultado pela auto-citação, arrogância e auto-convencimento, acho que todos os homens o deveriam ler:


UMA PROMESSA PARA TI


Ainda um dia tenho esperança,
de fazer tudo para ser mais perfeito,
elogiar aquela tua eficaz lembrança,
não sei, pareceu-me ficar sem jeito,
fiquei embaraçado como uma criança
que é apanhado com xixi no leito,
mudo num horizonte que não se alcança;
Quantas vezes devia dizer: AMO-TE,
mas a frase embrulha-se, fica presa,
vais julgar-me frágil, se calhar, canso-te,
não vou admirar a forma como tens a mesa,
em vez de pensar, deveria dizer, afianço-te,
que a comida está óptima, não é surpresa,
talvez amanhã eu diga, penso, abalanço-me;
Gostava tanto, mas tanto, de saber escrever,
assim era mais fácil, transcrevia num papel,
podes até nem pensar, mas é difícil de dizer,
somos assim, enrolamos, como um cordel,
oferecia-te um poema, à luz de vela, iria ler,
dizer-te o quão extraordinária, és o meu anel,
o meu sentido da vida, o meu maior prazer;
Há quanto tempo não te ofereço uma flor?
Não te dou um beijo no meio de uma frase?
Não te digo ao ouvido que és o meu amor?
Será que me esqueci que és a minha base?
A luz, quando penso que vou morrer pela dor,
caminho percorrido, está escuro, é naquela fase,
só nessa altura, egoisticamente, te dou valor;
H
á quanto tempo não te levo a jantar,
àquele restaurante que era tão especial,
e que depois de um beijo íamos dançar,
colados em ternura, com espírito de Natal,
outras vezes, íamos ao cinema para festejar,
interrogas, porque estou hoje tão moral?
Sei lá! Provavelmente, em culpa, para me emendar.

COMO ESTOU SEM INSPIRAÇÃO, CITO-ME...

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



Escrevi este pseudo-poema em 2009, como hoje estou sem inspiração, numa descarada sem-vergonhice, auto-cito-me:


PESSOAS


Há pessoas que eu conheço,
que por mais tentem fazer
passar, sem ser o que pareço,
acabam por me descrever
naquilo que me desconheço;
Podem até pintar a manta,
de cor viva, perfumada,
nunca serão uma planta,
uma rosa que eu beijava,
na memória de uma anta;
E se a intuição me atraiçoar,
e forem melhores que eu,
já que me estou a delinear,
quem não me convenceu,
como um espelho a projectar;
Quantas vezes já me enganei,
ao catalogar em contramão,
tantas vezes que nem sei,
se será defeito de fabricação,
erro de casting que reiterei;
Para filme em que os actores,
são personagens da vida,
honestos, outros impostores,
é uma peça muito sofrida,
final de alguns desamores;
T
udo gira em triunvirato,
amor, dinheiro e poder,
romance muito caricato,
na manipulação do ser,
Outono de existência pacato.



quarta-feira, 29 de outubro de 2014

UM COMENTÁRIO RECEBIDO E UMA RESPOSTA...

10 FOTO LUIS FERNANDES AA




Anónimo deixou um novo comentário na sua mensagem "EDITORIAL: A ERVA DO TERREIRO VARRIDA PARA DEBAIXO...":


Caríssimo Luís Fernandes:

É só para acrescentar que, no passado dia 21, houve uma sessão pública de apresentação deste projecto, na sala de sessões da CMC. A mesma foi noticiada nos jornais e contou com a participação de vários moradores e comerciantes/empresários do Terreiro da Erva.

Um abraço
.

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RESPOSTA DO EDITOR


Começo por lhe agradecer a informação mas, suponha que a notícia não foi lida e, por isso mesmo, não foi apreendida. A responsabilidade pública da Câmara acaba aí? Não há mais necessidade de disponibilizar a ideia, até para a maturação? Nessa sessão pública de apresentação do projecto foram logo passadas a escrito sugestões? Ou, tal como indica, tratou-se de uma sessão de apresentação?
Meu caro anónimo, mas conhecido, engraçado, quando o senhor fazia parte da oposição não se pronunciava assim. Tem graça, como a mudança de posição estatutária aliada ao interesse pessoal altera substancialmente a forma de pensar. Não acha? Muito interessante! Muito mesmo!


HÁ TANTO TEMPO QUE NÃO RECEBIA UMA CARTA!



Com organização da Associação Laços sem Nós, de Lisboa, e participação directa do escritor e jornalista André Pereira, na esplanada do Café Santa Cruz, decorreu ontem, aconteceu hoje e continuará amanhã o evento sobre o lema “Há quanto tempo não recebe uma carta?”.
Num tempo em que se escreve pouco, mal e porcamente –e então redigir e ler em papel começa a ser uma cena do jurássico-, por troca de cinco euros, achei giro o desafio e desencadeou a minha curiosidade. Tratei de saber o teor da missiva. Fui esclarecido que, através do rosto, talvez da postura, dos olhos, seria analisado pelo escritor e depois passado para papel. 


Achei engraçado porque já há vários anos que através de um rosto, em foto, faço esta observação analítica, sobretudo sobre mulheres. Posso também realizar este exame através da escrita –chamado de psicografia. Já fiz este teste dezenas ou mais de uma centena de vezes. Já tive cenas caricatas em que a examinada não acreditava que eu não a conhecia. Por norma e em média, sobre o que escrevo, acerto em cerca de 70 por cento. Algum talento especial? Podemos interrogar? Não creio! De tal modo é a minha fé no que escrevo que não acredito minimamente no que declaro. Mas o estranho é que funciona sempre. Penso que foi um jogo mental que, com base na minha experiência empírica, desenvolvi. Afinal, mesmo sendo todos diferentes, no comportamento, somos bastante mais iguais do que se pensa. O que sei é que, com base na intuição, olho e, ao mesmo tempo, escrevo sem pensar. Comecei em 2007, quando me iniciei na Internet e nas redes sociais.


Voltando ao Café Santa Cruz, hoje, tudo começa com um homem ainda novo, de olhos azuis e na casa do dealbar dos trinta, o André Pereira, sentado em frente a uma máquina de escrever Remington, antiga da década de 1930, sobre uma mesa redonda do café.
Acomodei-me à sua frente, na cadeira já disponível para o efeito e à altura dos seus olhos, para ver o que iria escrever sobre a minha pessoa. Perante algum embaraço meu, ele olha profundamente nos meus olhos e tenta adivinhar como sou, pelo menos é o que intuo que vai acontecer -para além de questionarmos continuamente o futuro, afinal o mistério, o enigma, sobre a forma como os outros nos vêem desencadeia em nós um apetite voraz. No fundo é como se tivéssemos necessidade de alguém nos dizer como somos… por que, verdadeiramente e contrariamente ao que afirmamos, não nos conhecemos. Somos tão incrivelmente imprevisíveis que, por inacreditável que pareça, nunca chegamos a compreender-nos profundamente.


Amanhã, à tarde, numa provocação que lhe lancei, vamos trocar de posição. O André Pereira passa para o lugar do vistoriado e eu vou tentar ler a sua alma como se fosse presciente. Muito obrigado!
Eis o resultado da sua análise, a carta que ele me escreveu:



BOM DIA, PESSOAL...

terça-feira, 28 de outubro de 2014

A FRUTARIA DO ARCINDO ASSALTADA




Esta noite, cerca das 2h00 da manhã, a frutaria do Arcindo, na Rua das Padeiras e com frente para a Rua da Gala, foi assaltada.
Segundo Arcindo Gaspar, “depois de removerem uma protecção em madeira, partiram um vidro de uma das portas e acederam ao interior. Sacaram vários sacos de castanhas, frutas, leite, bolachas e café. Para além destes géneros alimentares, ainda levaram uma balança electrónica. Os prejuízos ascendem à volta de 800 euros. O negócio já está bera e depois apanhar com uma chapada destas… Uma pessoa até desanima!”
A PSP tomou conta da ocorrência.

EDITORIAL: A ERVA DO TERREIRO VARRIDA PARA DEBAIXO DO TAPETE

10 FOTO LUIS FERNANDES AA




A 4 deste mês de Outubro os jornais locais anunciavam que o Terreiro da Erva iria ser renovado após obra de 600 mil euros. Protestou –a meu ver muito bem- o vereador do movimento Cidadãos por Coimbra, Ferreira da Silva, a pugnar a discussão pública para o plano de engenharia. Nos dias subsequentes a imprensa local informava que a pretensão foi aprovada e a discussão pública foi alargada a trinta dias. Na quarta-feira, 16, um jornal local noticiava: “Até meados da próxima semana, a Câmara Municipal de Coimbra está a aceitar propostas no âmbito da discussão pública do projeto de requalificação do Terreiro da Erva. A partir daí, é preparar o lançamento do concurso para que a obra esteja concluída até final de 2015.”
Na última sexta-feira, dia 24, desloquei-me à Câmara Municipal de Coimbra (CMC) para apreciar a ideia e, se não me agradasse e as minhas dúvidas não fossem satisfeitas, poder contribuir com sugestões. No hall da edilidade, entre contactos telefónicos e mais umas interrogações pessoais da agente da Polícia Municipal, que faz a triagem de público na entrada, foi manifestamente difícil saber onde parava o plano para a revitalização do Terreiro da Erva. Finalmente fez-se luz e lá se conseguiu saber que se encontrava no Gabinete para o Centro Histórico, no Arco de Almedina. Depois de um passeio a pé, atravessando as ruas largas, cheguei ao responsável, o engenheiro Sidónio Simões, que com simpatia e competência me mostrou o plano no computador. Apesar de me suscitar alguma apreensão a plantação de laranjeiras, quarenta e cinco minutos depois estava esclarecido e não acrescentei nenhum elemento novo. Embora não seja claro, também me suscita alguma apreensão a provável transferência dos serviços de apoio a sem-abrigo e toxico-dependes praticados pela Cáritas na zona da Baixa. Temo que o executivo, influenciado por interesses empresariais e levado pelo populismo, não leve em conta este emérito e bom serviço social, imprescindível na área, e o impulsione para onde não seja necessário. É preciso não esquecer que, segundo a última contagem publicada nos jornais, são cerca de sete centenas os desabrigados que por aqui pululam. Empurrem com a barriga, varram os problemas para debaixo do tapete, mas depois não se lamentem se a insegurança aumentar.
Levando em conta as preocupações do meu amigo João José Cardoso, professor e profundo conhecedor da história da cidade, talvez se devesse aproveitar a remodelação do terreiro para escavar o solo e saber o que está a menos de dois metros da superfície –já que, ao que parece, para além desta profundidade já há água em nascente.
Em síntese, deu para ver que Manuel Machado, presidente da CMC, não convive muito bem com a gestão participada dos munícipes, que aliás, em boa verdade, os seus antecessores fizeram o mesmo. Por experiência própria, chegar à Assembleia Municipal e às sessões abertas ao público do executivo foi sempre de uma dificuldade dobrada. Quando é que os ocupantes da cadeira do poder municipal entendem que devem simplificar as regras de acesso público e que foram eleitos para servir e não para se servirem do estatuto e impor unilateralmente a sua vontade?

UM GATO GORDO TEIMA EM RESISTIR







Já escrevi sobre este pária no fim do mês passado, aqui. No princípio deste mês, de Outubro, publiquei o texto n’ODespertar. A semana passada, em crónica irónica, voltei a escrever e a insistir no seu estado de doença eminente.
Se fosse um gato, um cão, um porco, uma galinha, mais que certo, várias pessoas condoídas, em associação, teriam corrido em seu auxílio. Como é um “reles” humano ninguém foi em seu socorro.
Neste último domingo, de manhã, e passados mais de 25 dias, o António José Vaz Monteiro foi acometido de doença súbita e em estado grave, de urgência e transportado pelo INEM, foi internado nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). Segundo o médico assistente, com quem falei, sofre de insuficiência respiratória, insuficiência cardíaca e a situação clínica é grave.
Está internado no Serviço de Observações dos HUC. Segundo as suas declarações, confessa que há vários meses ofereceram-lhe alojamento no Farol –instituição de apoio a sem-abrigo- e recusou. Depois disso nunca mais foi contactado. Agora, que vê a sua vida perigar e tem medo de morrer, aceita ir para um qualquer tecto. Dá a sua palavra que aceita mesmo. Na rua não pode continuar, enfatiza. O que mais gostava era que o seu irmão, alegadamente, funcionário público e a trabalhar numa instituição da Baixa, o visitasse. “Se calhar ele não sabe! Você vai dizer-lhe que eu estou aqui? Faz isso por mim?” –interroga-me, com os olhos tristes e esperança na voz.
Perante tudo isto, como nos sentimos?

A SOFIMODA RENOVADA



Depois de uns dias encerrada para renovar o interior e apresentar a nova colecção de Outono/Inverno, e após cerca de trinta anos a servir a cidade, reabriu hoje a Sofimoda, na Rua da Sofia e paredes-meias com a pastelaria Império –também reavivada recentemente.
Arménio Pratas, com meio-século de experiência comercial e outro tanto a defender o associativismo e as causas dos outros, é um homem de fé e acredita que valeu a pena toda esta modificação no estabelecimento. “As coisas estão muito difíceis –tu sabes bem-, mas não podemos parar! Continuo com a mesma vontade indomável de seguir em frente. Sou optimista –os pessimistas não têm lugar no comércio. Tenho esperança que a nossa economia recupere. Em relação ao que estava habituado, a trabalhar com grandes marcas caras, tive de dar uma grande reviravolta no sortido da minha loja. Agora direcionei a oferta sobretudo e visando a classe-média, homem e senhora, oferecendo artigos de qualidade mas a preços mais competitivos. Temos de nos adaptar, não é? A Baixa tem potencialidade, a Rua da Sofia é uma das artérias mais importantes da cidade e com a classificação da Unesco está a recuperar de uma letargia e já há muito reivindicado por quem aqui desempenha a sua profissão.
Aproveitando a oportunidade, gostaria de dar um grande abraço a tantos, tantos, clientes dedicados que, pela preferência da minha casa, durante décadas têm sido a infra-estrutura, a trave-mestra, da Sofimoda. Também para os muitos amigos que em fases de maior fragilidade me deram força anímica para continuar. É nestas alturas que reconhecemos quem nos quer bem. O meu eterno reconhecimento. Bem-haja a todos!”
Com o nosso contentamento de alegria, com a ajuda da esposa, Amélia Pratas, e da funcionária de tantos anos, a Olinda Maria, o Arménio segue recauchutado na estada da vida comercial. Muita força e coragem! Felicidades, meu amigo, tu mereces! És uma pessoa boa, sempre solidário e pronto a ajudar o próximo. Vamos visitar a Sofimoda e dar um abraço ao Pratas?

BOM DIA, PESSOAL...

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O QUE É ISTO?

Agricultor obrigado a pagar multa até 85 mil euros por limpar um terreno


"Um agricultor do Parque Natural de Montesinho, em Bragança, foi autuado e incorre numa coima entre 2.000 e quase 85.000 euros por ter limpado um terreno agrícola de que é proprietário sem pedir autorização."

UMA NOVA PISCINA NA BAIXA



Começou hoje a ser desmantelado o sistema de repuxos implantados no arredondado banco público de pedra da Praça 8 de Maio. Segundo informações sobre reserva, “a alteração vem directamente do Presidente da Câmara Municipal, Manuel Machado. Os jactos de água, que se elevavam para o Céu, vão dar lugar a um lago de águas paradas igual ao projecto inicial e que durante anos ali se manteve.”
Sendo “património privado” e quase exclusivo de alguns trabalhadores romenos que, até agora, no intervalo de intenso e esforçado labor aproveitavam o lancil para descansar e ao mesmo tempo os miúdos se divertiam a atravessar o jorro, em face desta modificação e presumível quebra de um direito adquirido, julgo ser de todo o interesse falar com um destes nossos vizinhos. Fui ouvir um meu conhecido e deambulante destas ruelas e ruas esburacadas da Baixa, o Costica, que em romeno significa seguidor de Deus. Expressa-se num português martelado, assim mais ou menos num caldinho entre um alentejano e um madeirense do interior, mas dá para se entender. Coloquei-lhe a questão a frio: diga-me, o que pensa desta adulteração? Estamos perante um atentado profundo aos costumes do povo da região da Transilvânia. É assim?
Retorque Costica: “Antes de ir directamente à sua questão, parece-me que você está a aproveitar isto para embirrar com o “nosso” presidente Machado, não? (eu engoli em seco e não respondi)
E agora, sim, respingo. Pelo contrário, é uma obra que se impunha. Já há muito que defendíamos esta mudança. Sobretudo quando havia vento levávamos com a água toda nas costas. Acha que estava bem? Somos membros de pleno direito da Comunidade Europeia desde 2007, temos direitos, não? Para além disso, trocando para lago, passa a ter múltiplas funções como piscina, por exemplo, e os garotos sempre podem ir lá para dentro.”
Há dias que mesmo um jornalista amador não pode sair do seu buraco. Estou em crer que estou naqueles dias que só me saem duques e cenas tristes mas, mesmo assim, vou ter de continuar. Entrei na Igreja de Santa Cruz, Panteão Nacional, e tentei chegar à fala com o primeiro Rei de Portugal. Como nunca retruca, por escrito e entregue por mão lá na catedral, coloquei a seguinte interpelação: o que acha deste voltar atrás e transformar o repuxo em piscina pública?
Passada uma hora, por missiva, recebi a réplica d’O Conquistador: “olhe, a minha alma, que já nem sei bem onde pára, está parva! Então ainda há pouco tempo foi colocada aí uma bomba de água, que custou cerca de 4000 mil euros para manter a fonte luminosa, e agora vão desmantelar tudo? Se a nostalgia é o objectivo, por este andar ainda vamos ter a praça elevada como há cerca de vinte e cinco anos! Diga-me, tem a certeza que esta gente não é doida? Há muito dinheiro para gastar, não há?”
Claro que não redargui. Faço perguntas e não dou respostas. Faço parte do problema e não da solução. Limito-me a dar conta do que se passa por aqui e mais nada!

BOM DIA, PESSOAL...

domingo, 26 de outubro de 2014

UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE...




Anónimo deixou um novo comentário na sua mensagem "NOITE BRANCA QUE JÁ FOSTE":


P
ara as denominadas Noites Brancas terem efeito não basta apenas anunciar que há música, ainda por cima uma semana antes. Deve ser feita uma programação com antecedência, uma programação com pés e cabeça que leve as pessoas a irem à Baixa. Se há Noite Branca a cada 15 dias e é um facto banal, as pessoas deixam de ver o evento como excepcional, em que se mobilizam e vão passear com os amigos, para considerarem ser mais um dia como qualquer outro. Mais vale poucos mas bons, do que muitos e banais.

sábado, 25 de outubro de 2014

NOITE BRANCA QUE JÁ FOSTE



São 20h30 deste Sábado, 25 de Outubro. Para um Outono declarado no calendário, o tempo está surpreendentemente quente, o que se traduz numa noite muito agradável para passear. Nas ruas estreitas, vazias de transeuntes, só duas lojas comerciais se mantêm abertas ao público. Seria até normal se, por acaso, não estivesse programada uma “Noite Branca”, um evento que desde há vários anos consiste em manter todos os estabelecimentos comerciais pela noite dentro, até cerca da meia-noite, realizada pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra.
Esta festa, comunicada aos comerciantes com convites distribuídos porta-a-porta há cerca de uma semana, foi anunciada assim: “Para o próximo dia 25 de Outubro (sábado) a APBC preparou uma programação de Jazz com momentos musicais a acontecer ao longo de todo o dia, nos mais diversos espaços da Baixa de Coimbra, a qual culminará com um espetáculo à noite, pelas 22h00 na Praça 8 de Maio. As atuações musicais terão carácter itinerante, com arruadas, e estático em zonas mais centrais como a Praça 8 de Maio, Arco de Almedina, Largo da Portagem, Praça do Comércio. Neste dia decorre em simultâneo o Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses com a exposição de viaturas antigas de bombeiros nas ruas da baixa. (…) Gostaríamos ainda de propor a todos os comerciantes uma campanha promocional com a realização de “happy hour” entre as 15h00 e as 18h00, por exemplo, em que se oferece ao cliente um artigo a cada 10 minutos, sendo que o esquema de promoções/ofertas a atribuir fica ao critério de cada estabelecimento”.
Logo nessa altura, segundo algumas declarações de comerciantes que ouvi, caiu mal o facto de, num período de tão graves problemas financeiros, a APBC aconselhar a oferta de produtos ou mesmo fazer descontos. Vender abaixo do preço já há muito que está ser feito na generalidade do comércio. Foi entendido como se quem o sugeriu não soubesse o que se passava na prática. Mesmo assim, contrariamente ao costume, durante a tarde estiveram mais lojas de portas abertas do que é hábito. Sem fazerem negócio, às 19h00 os poucos resistentes estavam esgotados e a deitar fumo pelas narinas. Pedindo reserva de identidade, foram vários os queixumes que me chegaram tais como: “prometeram que havia animação ao longo do dia, nos mais diversos espaços da Baixa, e não houve quase nada. Aqui nas ruas estreitas só andou um músico com um violoncelo. A direcção da APBC parece os políticos a prometerem tudo e depois não cumprem nada. Isto é gozar com a nossa cara! Foi tudo feito para beneficiar a hotelaria, cuja orientação lhes pertence, e a fazer acontecer a animação nas ruas largas de cima e Praça 8 de Maio, onde está tudo concentrado. A mim nunca mais me apanham cá!” -declarações de um comerciante da Rua Eduardo Coelho, conjuntamente com um grupo que estava a encerrar por volta das 20 horas.
Com estas adesões, com estas declarações, com estes resultados, sobretudo para o comércio, valerá a pena continuar a apostar nas Noites Brancas?

BOM DIA, PESSOAL...

AS SOBREVIVENTES




Tem um ar angélico e apático. Por ser simples e directa, faz recordar um lago de águas paradas que só se movimenta quando o vento, em rajada, se lembra de soprar. A tristeza no seu rosto é patente até pelos mais distraídos e que nunca se dignam olhar alguém que, na rua, luta por uma dignidade difícil de manter neste oceano de sobrevivência. Só quem, como eu, conhece a Sónia Margarida, que vende bolos de Ançã junto à Loja do Cidadão, percebe e pode imaginar o provável turbilhão de emoções que se agitam no seu interior.
Já lá vai o princípio dos anos de 1980, com menos de meia dúzia de anos, era a Sónia uma criança tímida, insegura e cheia de medos que entraram na família pelo seu pai, recentemente falecido, cuja memória ainda inunda os olhos da filha porque pai é pai, mesmo que não mereça ser. Onde quer que esteja o progenitor da Sónia, que a terra lhe seja leve e que Deus o mantenha, que não faz cá falta, e não o chame para o nosso meio –que a acreditar nas filosofias espírita e budista, inevitavelmente, a sua alma voltará em busca da redenção, da absolvição e da purificação. Hoje quando se fala em violência doméstica não se cogita o pânico que foi a vivência diária da Sónia e da sua mãe, Cândida, junto ao Largo da Sé Velha. Bem sei que não fica bem falar de quem já nos deixou e mais que certo já foi julgado e pagou pela infelicidade causada aos mais próximos mas, porque a Sónia e a sua progenitora são sobreviventes de um campo de tortura física e psicológica e de um calculado terror e destruição, com uma admiração desmesurada por elas, não posso deixar de rememorar a suas vidas de sofrimento.
Sem receber qualquer subsídio, com o companheiro, o Paulo, desempregado, e dois filhos a estudar, a Sónia, tem a sorte de ser acompanhada por uma mãe-coragem, a Cândida, que, apesar de toda a sua existência de padecimento, ampara e cuida da filha e dos netos com um incomensurável e indescritível amor. Esta protectora, como símbolo de bravura e abnegação, merecia ser condecorada. Esta mulher de arrojo, para exemplo de tantos que se lamentam por isto e aquilo, que já fez de tudo e apanhou a esmo, nunca se queixou. Mesmo a ganhar pouco, continua sempre em frente e protege a Sónia dos espinhos que a miséria tece. Por isso mesmo se entende que, apesar de algumas limitações e erros de percurso da filha, continue a ser a sua guia material e espiritual e lhe indique o caminho certo para a obrigação de ser boa madre.
A Sónia já fez de tudo, desde limpezas até vender pinhoadas na rua, para não submergir e tentar equilibrar uma família que tinha tudo para não dar certo, seguida de perto por Cândida, faz do esforço a sua luz. Há uns tempos lembrou-se de que, em criança, ia com a avó vender uns especiais bolos de Ançã para a porta do antigo Hospital da Universidade, na Alta, no início de 1980. Agora, levanta-se todos os dias às 5h00 da matina para conseguir estar ao romper da aurora junto à Loja do Cidadão. Com enfase declara: “com muito amealhar de sacrifício, já consegui comprar um carrinho usado para o Paulo, o meu marido, proximamente vender castanhas aqui no Largo das Olarias. A vida está correr e a sorrir para nós!”
Para ajudar esta família a viver com decência, vamos provar o delicioso bolo de Ançã que a Sónia, este exemplo de resistência, vende junto à Loja do Cidadão?




sexta-feira, 24 de outubro de 2014

UMA NOVA LUZ PARA A BAIXA



Depois da substituição dos candeeiros públicos da Rua da Sofia, está a decorrer a troca dos velhos por novos, de igual modelo, desde o Largo da Portagem até à Praça 8 de Maio. Neste percurso, entre o antigo Largo Miguel Bombarda e a Câmara Municipal, estão a ser permutados 67 lampiões.
Os trabalhos de sub-empreitada estão a ser realizados pela firma Barata & Marcelino –a empresa que trabalha para a EDP. Segundo António Lucas, funcionário da Barata & Marcelino, “os trabalhos estão a decorrer com normalidade. Não sei se a seguir iremos para as ruas estreitas.”
Era bom não esquecer que muitos dos becos e vielas da Baixa -para além dos relógios temporizadores, que accionam a iluminação, continuarem desregulados e acenderem já noite dentro, como é o caso das Ruas Eduardo Coelho, Padeiras e Almoxarife e Largo da Freiria-, estão quase numa total escuridão, o que gera uma sensação permanente de insegurança.

O DIA DO EXÉRCITO EM COIMBRA



Durante a manhã a Baixa esteve pejada de homens e mulheres fardados. Aqui e ali a pergunta era: “houve algum golpe militar por aqui? Foi o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado que chamou a tropa? Se calhar, nesta altura da borrasca do encerramento da Latada e depois do assalto aos carrinhos das grandes superfícies, por temer que os estudantes universitários se virem agora para as cadeiras da autarquia, levem tudo e, no pacote, levem também os vereadores?”
Nada disso! Tratou-se simplesmente de mais uma comemoração do Dia do Exército. Como já é hábito em anos anteriores, a efeméride realizou-se na Baixa com uma missa na Igreja de Santa Cruz e com a presença do General Carlos António Corbal Hernandes Jerónimo, actual Chefe do Estado-Maior do Exército, que chegou à Praça 8 de Maio cerca das 11h00.
Tenho de confessar que, sobretudo por falta de GPS, não consegui encontrar e chegar à fala com o presidente-turbo, Manuel Machado, homem forte e gerente disto tudo, da edilidade coimbrã, da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra e presidente dos caminhantes entre a edilidade e o restaurante Cantinho dos Reis. E futuro Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, do governo de António Costa, que há-de vir, se Deus Nosso Senhor quiser e se todos os santinhos ajudarem, incluindo a santa Cristina, recentemente abençoada pelo Tribunal Constitucional. Segundo julgo saber, Costa já fez as pazes com o nosso “Manel” e, com base em ambos possuírem uma voz grossa e bem colocada, perdoou-lhe o ter apoiado António Seguro nas últimas eleições directas do Partido Socialista.

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "O VANDALISMO ESTUDANTIL NA BAIXA", deixo também as crónicas "COM ACERTOS, É PRECISO MANTER A MANGO NA BAIXA"; "O MONSTRO DA FREIRIA - O CUSTO DA INÉRCIA"; e "REFLEXÃO: QUE ADULTOS ESPERAMOS DESTAS CRIANÇAS?".





VANDALISMO ESTUDANTIL NA BAIXA

No fim-de-semana passado, alegadamente por estudantes, no Beco das Canivetas uma boca-de-incêndio com mangueira e duas portas de residências particulares foram danificadas, ficando com os vidros partidos. Também uma porta de um prédio desabitado na Rua das Azeiteiras foi rebentada. Tal como em anos anteriores, por altura da Latada e Queima das Fitas, o vandalismo, em rasto de destruição no património, fica sempre espalhado pela Baixa e pela Alta como a mostrar os excessos de alguns elementos que fazem parte de uma classe que precisa urgentemente de freio para suster a sua impunidade.
Segundo José Fernandes, da Casa das Bonecas, com loja no Beco das Canivetas, “aconteceu esta noite pela afluência massiva de universitários em busca das tabernas e tascas na zona. Ontem à noite andavam por aqui largas dezenas. É uma lástima ver esta gente beber até cair e destruir o que lhes dá na mona. Já liguei aos proprietários das casas com vidros partidos para que venham cuidar da sua substituição. Estamos numa cidade sem lei, sem rei nem roque. Ando eu a varrer toda a calçada em frente ao meu estabelecimento para tentar dar uma outra imagem para nada! Uns trabalham para aguentar, outros destroem e, pela completa imunidade, ainda gozam. Para o que eu estava guardado. Caramba! Isto é um desânimo!”



COM ACERTOS, É PRECISO MANTER A MANGO NA BAIXA

Pela boca de um amigo ligado ao comércio, a notícia chegou-me embalada em preocupação: “já sabes que a marca Mango está em vias de desaparecer da Rua Ferreira Borges e assentar unicamente no Fórum? É mais um problema ligado a aumento de renda! Mais uma grande loja que se apaga perante os nossos olhos e, como sempre na nossa apatia, nada fazemos para o evitar. Deverias escrever sobre este assunto!”
Ao que parece, e segundo se consta, o empresário português representante da marca espanhola, na Baixa, detém dois arrendamentos para a mesma loja, com cinco funcionários, há, mais ou menos, 15 anos. Um dos prédios foi vendido há largos meses para dois investidores. Na parceria, um dos adquirentes é um nosso reconhecido empresário do sector alimentar na cidade. Na altura, por a edificação se encontrar bastante degradada e apenas com dois inquilinos, incluindo a Mango, foram realizadas obras de grande vulto e o projeto, batizado de “Borges 9”, deu origem a um edifício universitário –residência e neste momento os andares superiores dão guarida a 18 pessoas.
Para saber o que se passa, de facto, sem fazer fé no diz-que-disse, coloquei a seguinte questão a um dos parceiros neste negócio e um dos senhorios da Mango: é verdade que o seu arrendatário está em vias de nos deixar pelo pedido exagerado de aumento de renda?
“Não senhor! De modo nenhum! O que se passa é que o nosso inquilino é, há muitos anos, parte contratual num arrendamento baixo, quase residual, tendo em conta os valores praticados nestas ruas largas. Como o senhor pode constatar fizemos aqui um grande investimento. Ora, é justo e legítimo que reajustemos o preço. Porém, aproveito a oportunidade para lhe dizer que estamos em negociação com o locatário. Posso garantir-lhe que lhe pedimos uma renda racional e de bom senso –aliás, antes de concluir a verba a propor, tive o cuidado de falar com um comerciante nesta rua e amigo que me deu uma perspectiva dos valores atuais e o negócio que se está a fazer. Embora ligado ao ramo alimentar, sou também comerciante e sinto na carne os problemas. Logo, como deve calcular, faço parte da solução. É ponto de honra, e nosso interesse, manter aqui a Mango. Somos pessoas de trabalho. Sabemos quanto custa a vida. Viemos para a Baixa para ajudar na sua revitalização. Como todos os que aqui ganham a vida, somos parte interessada na sua elevação. O seu informador pode descansar porque estamos de boa-fé. Se não houver acordo –que acredito que vai haver- a culpa não nos poderá ser assacada. Acredite em mim!”


O MONSTRO DA FREIRIA – O CUSTO DA INÉRCIA

O Largo da Freiria, situado a meio da Rua Eduardo Coelho, é um dos mais pitorescos recantos da Baixa de Coimbra e diariamente fotografado por muitos turistas de todo o mundo. Pela sua meia dúzia de prédios centenários em “U” e tendo por fundo o Restaurante Padaria Popular com a sua frontaria forrada com azulejos da Fábrica Aleluia, em arte nova dos anos de 1930, com motivos campestres dedicados ao pão, já que até finais de 1970 foi uma das muitas padarias tradicionais existentes na Baixa, é um encanto.
Do lado esquerdo, de quem observa a praceta, está um prédio entaipado, com os varandins e bandeiras das portas em ferro forjado e símbolo de uma arte em desaparecimento, a anunciar 1878 e apenas com a fachada de pé a ameaçar a lei da gravidade. As obras no interior tiveram início por volta de 2007 e todo o miolo foi removido. Por alegadas vicissitudes a reconstrução foi interrompida dois anos depois. Como modelo de que a ruina é a nostalgia cristalizada no tempo, o imóvel está abandonado há cerca de cinco anos. Como a desafiar todos os poderes, por parte dos visitantes o monstro continua a ser as causas de muitas fotos e a interrogação se, de facto, esta zona estará protegida no âmbito de Património Mundial da Unesco.
Sabe-se que está à venda com um preço várias vezes multiplicado pelo seu valor real. O que quer dizer que, como nunca será alienado, o Sérgio Ferreira, dono do restaurante Padaria Popular, imensamente prejudicado pela degradação paisagística e apatia camarária, o melhor é esperar sentado. O que aguarda é que a autarquia, tal como fez no Largo da Maracha, feche a edificação, mande pintar e remeta a conta ao proprietário. Pode ser?


REFLEXÃO: QUE ADULTOS ESPERAMOS DESTAS CRIANÇAS?

Em notícia da semana passada, pelo Diário de Coimbra (DC) ficámos a saber que sob o mote “Não lixes o Mondego! Deixa os carrinhos nos pontos de recolha” é o nome da campanha lançada ontem, e que decorre até domingo, para sensibilizar todos os estudantes de Coimbra a acabarem com a “moda”, iniciada há uns anos, de lançarem para o rio Mondego, no final do Cortejo da Latada (e também Queima das Fitas) os carrinhos de compras que vão furtando das grandes superfícies da cidade, essencialmente para transportarem as latas de bebidas que vão consumindo durante o percurso. (…) a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) aceitou criar, este ano, no final do cortejo da Latada, cinco pontos de recolha dos carrinhos de compras utilizados pelos estudantes. (…) No futuro, o que é pretendido é que as centenas de carrinhos de compras deixem de ser furtadas todos os anos das superfícies comerciais da cidade (cada um custa entre 70 a 100 euros, o que significa milhares de euros de prejuízo.”
Nesta última segunda-feira, em título no interior e referente ao Cortejo da Latada, sobre a festa dos estudantes que decorreu no passado domingo, o DC noticiava: “Mais de 800 carros recolhidos
Ora bem, se somos surpreendidos pela primeira transcrição do jornal, na segunda, “mais de 800 carros recolhidos” não ficaremos menos perplexos. No primeiro caso, pela condescendência a raiar o absurdo, a parvoíce e o ridículo são tão grandes que provavelmente temos de bater na fronte para ver se estamos acordados e se isto não será uma brincadeira. Ou seja, o que nos é noticiado pelo DC é que, tentando fazer doutrina, o furto deixou de ser considerado como atentado às regras de conduta para ser incentivado e apoiado pelos serviços públicos. Mesmo quando o procedimento criminal depender de acusação particular –que é preciso ressalvar que um ato ilícito não deixa de o ser pela não apresentação de queixa do lesado. Simplesmente, não há lugar a prossecução, a inquérito e processo, e não tem consequência penal. Por conseguinte, pela responsabilidade coletiva, a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) está obrigada a saber fazer a destrinça. Isto é, em metáfora, saber que a partir de agora, pelo precedente, deve criar postos de recolha para todos os assaltantes de viaturas na cidade. Sempre que um utilizador clandestino furte um automóvel e pretenda dar umas voltas com a namorada, em vez de o abandonar ou atirar para o Mondego, entrega o veículo nos postos de recolha. Se isto não fosse trágico dava vontade de rir.
O que está em causa por parte da autarquia de Coimbra é que perante um declarado ilícito não criminalizado, mas atentatório aos bons costumes, não responde à obrigação, enquanto reserva moral dos princípios e valores de uma coletividade, e trata os alunos como crianças irresponsáveis ou adultos inimputáveis. Contrariamente ao que deveria fazer, que era cortar o mal pela raiz, a montante, instigando a PSP a agir em conformidade, a CMC, atuando a jusante, para além de estimular a ilegalidade, é conivente na ação “criminosa” por parte dos estudantes. Repare-se que estamos perante um “crime” com dolo, com o autor a agir com intenção e ter consciência da sua ilegitimidade. Mais, a edilidade, perante o CPP, Código Penal Português, pode ser acusada de cumplicidade –art.º 27-1. Claro que poderemos ser levados a pensar na exclusão da ilicitude dos estudantes se a autarquia, ao financiar esta contravenção, nos quer transmitir que este furto é um direito consignado aos universitários. O que, por analogia, nos leva a supor que alguns danos causados em património particular, pelos estudantes, na Baixa e na Alta, também constituem prerrogativa de exceção.
No segundo título do DC salta então o número de carrinhos furtados: oito centenas. Dá para ver que as grandes superfícies, numa apatia de negligência grosseira, estão a fazer intervir as forças policiais para um desmando que, através dos seus seguranças, só a eles, enquanto privados, lhes cabe evitar. Ou pagam pela utilização dos serviços policiais? Não estaremos perante um inqualificável abuso? Será que andamos todos cegos?
No tocante à CMC, pelos vistos, fazendo dos cidadãos parvos, quer transmitir com esta desvalorização que, a partir desta legitimação, em nome da tradição, furtar um qualquer bem, independentemente do seu custo, tem o mesmo valor jurídico de um qualquer nabo “gamado” no Mercado Municipal. Sim, senhor! Coimbra é uma lição!