sexta-feira, 30 de agosto de 2013

ADEUS AMIGO




ADEUS AMIGO!

Encontrei-te, por acaso,
numa rua da cidade,
espalhavas a alegria
num acordeão de saudade;

Convidei-te para tocar
melodias que eu escrevia,
concordaste sem pensar
que eram tristes, de nostalgia;

Nem tu sabes a importância
que me deste ao confiar,
foi o retirar da fragrância
de algo que queria mostrar;

Em breve vais partir, amigo
para terras do Sol distante,
levas saudades contigo
de uma capa de estudante;

Sempre que ouvir tocar
uma balada portuguesa,
vou lembrar-me a chorar
de ti com toda a certeza.

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "VARELA "PÉLONGO", deixo também as crónicas "GOODBYE, MY FRIEND, GOODBYE"; "PARABÉNS LILI"; "A VERGONHA QUE ENVERGONHA"; e "REFLEXÃO: ESTADO FROUXO".


VARELA “PÉ-LONGO”

 O homem que tenho à minha frente, ligeiramente arqueado pelo peso de muitos esforços, alegrias e tristezas, ao longo de 88 anos, é uma lenda viva da fotografia em Coimbra, no país e no mundo inteiro. Escrevo sobre Varela Pécurto. Esta pessoa simples, afável e tímida, é o decano, o precursor do retrato a preto e branco da imagem aérea da cidade. Foi um dos primeiros a poisar os olhos nos pormenores que passavam despercebidos ao comum e chamar a atenção para a sua conservação. Com a digitalização e o acesso popular à fotografia, hoje, ver imagens de um qualquer alçado de um edifício ou recanto da urbe é fácil e até corriqueiro pelo papel da Internet, mas há meio-século não era assim. Para além dos meios disponíveis nessa altura serem incipientes também não havia sensibilidade geral para o património artístico e monumental. Mas entrando pelos olhos dentro da pessoa com quem converso, como se rebobinasse um filme, em “déjà-vu”, é fácil de imaginar e ver um homem de máquina fotográfica a tiracolo a calcorrear, em passo apressado, as ruas e becos do burgo. Só corre assim quem ama o que faz, sentindo que o tempo urge e a mudança das coisas que julga mal está ao alcance da sua vontade e não dos outros, e toma a generosidade como lema.
Não me é fácil escrever sobre este gigante da divulgação das artes. Sobretudo porque já muito foi dito e gosto pouco de chover no molhado, isto é, dizendo a mesma coisa. Por isso mesmo, para me desonerar desta responsabilidade quem vai falar é o próprio. Faça o favor, Senhor Varela. Tem a palavra.
Sou natural do Ervedal, concelho de Avis. Vim para Coimbra com 23 anos, em 1948. Casei em Évora numa véspera de Natal. De malas e bagagem, abalei imediatamente para a cidade dos estudantes já com emprego garantido. Tinha sido convidado por António Gonçalves para vir trabalhar para a livraria Atlântida, que tinha uma secção fotográfica. Um ano depois fui chamado para ir trabalhar para a Ilda, no Largo da Portagem, que abriu como tabacaria e estava a desenvolver a fotografia. Entrei como sócio-gerente.
Em Évora eu era um observador; conhecia tudo, até as próprias pedras da calçada. Em Coimbra comecei a fazer o mesmo, a olhar para as minudências, a dissecar os cantos e recantos, para aqueles pormenores que ninguém ligava. Adaptei-me muito bem à Lusa Atenas. Morava nas Escadas de Quebra-Costas, o meu café era a Brasileira e trabalhava na Portagem. Chamava a este percurso o meu triângulo turístico. Preferi abdicar de casas com muito mais comodidades, mas que estavam muito mais longe, e viver junto ao estabelecimento.
Pergunta-me se estou bem? (Encolhe os ombros conformado e os seus olhos tornam-se embaciados). A minha mulher está inválida, acamada, há cerca de oito anos. Sou eu que tomo conta dela. Sinto algumas dificuldades, sim. Recebemos de reforma, ela e eu, 800 euros. Está a ver, não está? Medicamentos e alimentação… É uma verba insuficiente para vivermos com dignidade. Fisicamente é um esforço enorme o que faço pela minha companheira, mas encaro a minha entrega a esta causa nobre como uma missão. Normalmente conto com a ajuda do meu filho mas, como ele tem a sua vida, nem sempre pode. Se preciso for faço o almoço e tudo o que uma mulher desempenha num lar melhor do que um homem. Não foi esta a velhice que idealizei. Sinto-me um pássaro preso numa gaiola, refém desta situação, mas, apesar de ao longo da existência podermos escolher o nosso caminho, só temos poder de opção em face das alternativas que se nos apresentam. Mas, deixe lá! Já fiz um pouco de tudo. Tive uma vida cheia, sempre ocupada. Já fui correspondente da televisão na zona centro; como colaborador, já escrevi e fotografei para vários jornais locais e nacionais; já escrevi vários livros; já doei muito do meu espólio. Por parte das entidades públicas sinto um grande reconhecimento, uma grande consideração pela minha obra, e isso, esse facto, deixa-me confortado.
A Baixa há 60 anos era o coração da cidade. Construíram bairros à sua volta, transferiram para lá as pessoas que aqui nasceram e este núcleo foi perdendo os seus filhos. Foi um erro retirar os transportes das ruas largas. Esta medida ajudou a matar este centro comercial. A expansão urbanística, conjuntamente com a desregulada proliferação das grandes superfícies foi o golpe final. Atualmente o futuro desta zona está muito incerto. Não consigo vislumbrar uma solução. Os citadinos estão muito comodistas não se deslocam para fazer compras. Como não há movimento, os cafés perderam o espírito de tertúlia permanente. O comodismo das pessoas foi também o responsável por esta apatia e ajudou a aniquilar todas as vivências do centro histórico.
Antevejo que, qualquer dia, vou ter de ir para um lar. Gostava de não ficar longe porque Coimbra é a minha vida, é a minha alma. Alimento-me dos seus ruídos, o barulho das sirenes dos bombeiros, o pregão do cauteleiro, a lengalenga do ceguinho. Enquanto profissional de fotografia era obrigado a mergulhar nestes fragores. Sempre os associei às horas do dia. Foram sempre o meu relógio do tempo. Amo-te muito, minha Coimbra adorada!”


GOODBYE, MY FRIEND, GOODBYE

 Neste próximo domingo, no Pavilhão de Portugal, no Parque Verde, entre as 16 e as 19h00, com a participação especial de João Vila –músico e recente vencedor de um concurso de cavaquinho promovido pela SIC- será apresentado o lançamento do cd da denominada Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra.
Já aqui escrevi sobre este assunto, mas vou novamente lembrar que os proventos da venda deste trabalho musical, em parte, serão para custear a viagem de regresso de Paolo Vasil à sua terra-natal, a Roménia. Outra parte será para financiar o investimento do disco. Falando das canções gravadas, adianto de que se trata de 14 temas com letras e músicas originais de Luís Quintans. Este trabalho tem por título “Leva-me contigo”. Mostrando um cheirinho do que vai ser tocado ao vivo no Pavilhão Centro de Portugal depois de amanhã, vou dizendo que maioritariamente são cantigas de amor –o amor está sempre presente nas letras das músicas destes simpáticos animadores, na tristeza e na alegria. Mas como nem só de amor vive o homem, há também baladas de intervenção social a chamar a atenção pública que o músico de rua é um prestador de serviços, apresentando o seu trabalho com dignidade, e não um pedinte como vulgarmente se pensa. Assim como tem também canções a mostrar que este sistema político em que estamos inseridos é discriminador, não presta, e tem-nos conduzido à indigência coletiva. Mas essencialmente é o amor em toda a sua essência, enquanto elos de ligação e de conflito humanos, que se espalha aos quatro ventos e sob a égide da Lua, enquanto musa inspiradora de poetas e trovadores.
Os instrumentistas que atualmente compõem este agrupamento são a Celeste Correia, o Emanuel Veiga, o Armando Pereira, o Lourenço Pina, o Gastão Silva, o Paolo Vasil e o Luís Quintans. Em nome do grupo gostaria de deixar um agradecimento a Emília Martins, presidente da direção da OCC, Orquestra Clássica do Centro, pela forma como recebeu, sempre incentivou, e acarinhou estes músicos da calçada. Em nome de todos, bem-haja.
Quanto a si leitor, se puder, compareça neste domingo à tarde no parque Verde e adquira o cd. Mesmo sendo suspeito na minha apreciação, garanto de que não dará por mal empregue a nota de euros despendida.


PARABÉNS LILI

A Liliana Oliveira, a Lua Cheia, o luar de agosto sempre esfuziante de alegria manifestada em gargalhadas de fazer sorrir o mais sisudo, que com a sua luz inunda a nossa Rua Eduardo Coelho, fez anos. Quantos foram? E eu sei lá? E isso importa para alguma coisa? O que sei é que a Lili, como é carinhosamente conhecida aqui, pelas suas qualidades intrínsecas de boa pessoa, será sempre bela. A beleza é como um bom vinho. Quando o néctar é novo toma-se de um trago pela frescura sem levar em conta as suas propriedades naturais. Só depois de maturado muitos anos em carvalho velho nos apercebemos –quando apercebemos- das potencialidades do seu paladar.
Neste dia do seu aniversário, a Liliana recebeu muitas flores, muitas mensagens, beijinhos e abraços. Recomenda-me para, através desta pequena nota, sublinhar o agradecimento a todos quantos lhe manifestaram a prova de afeto. Como é óbvio não pude retratar todos. Como documento para a história, em que a imagem mostra o quanto valorizamos a sua amizade, fica o momento do carinho da colega Diana Gabriela e da sua filha Mariana. Parabéns, Lili!


A VERGONHA QUE ENVERGONHA

Enquanto houver príncipes a serem tratados de forma diferente pelo Rei, num coletivo que se apregoa juridicamente igual nos direitos e nas obrigações, a sociedade caminhará para a desigualdade endémica e fomentará a revolta, na maioria dos casos, infelizmente, em silêncios de conluio e comprometedores.
Enquanto os governadores da cidade deliberarem o seu destino como se a urbe fosse o seu próprio quintal e os cidadãos que nela vivem fossem os seus criados e sem direito a satisfação das suas altíssimas decisões que tocam todos, as urbes serão sempre um produto resultante da lassidão dos governados e do absolutismo de quem governa.


REFLEXÃO: ESTADO FROUXO

 A morte de quase uma dezena de bombeiros em combate às chamas este ano, e que há décadas, numa criminosa apatia continuada que desgraça o País de lés-a-lés, para além da perda de vidas, da dor incomensurável das suas famílias, deveria envergonhar-nos a todos.
O Estado é uma invenção recente com pouco mais de dois séculos. É um conceito abstrato representativo de todos os seus cidadãos. Através de um ficcional Contrato Social, entre direitos e obrigações, celebrado ilusoriamente e em que a força da coerção, através da lei, submete o cumprimento do ente mais fraco, as partes, povo e estrutura política do poder, o governo, se comprometem a dar e a receber. Ora, sem me alongar demasiado, o que estamos a assistir é a um Estado que não tem autoridade, pouco dá e retira de mais, é frouxo, e não cumpre as premissas de segurança que jurou defender. É débil para quem abusa, na destruição e no nada fazer, e forte, em exagero, para quem trabalha e cumpre.


UM COMENTÁRIO RECEBIDO SOBRE...





Anónimo deixou um novo comentário na sua mensagem "PATRIMÓNIO UNIVERSAL DA SUJIDADE":



Visitei Coimbra e fiquei surpreendido pela negativa no que diz respeito à limpeza.
Uma Cidade que recebeu uma elevada distinção da UNESCO merecia melhor atenção.
Os responsáveis deveriam ser chamados à responsabilidade.
Pobre e triste Coimbra!

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

PATRIMÓNIO UNIVERSAL DA SUJIDADE


Baixa de Coimbra, quinta-feira, 14h00 -Sol amarelecido, a ver-se à rasca para atravessar as nuvens de fumo provocadas pelos inúmeros incêndios que queimam a região e a nossa paciência de santos perante os energúmenos que ateiam o país-, cerca de 35 graus Celsius... Ufa! Com esta canícula não apetece fazer nada!


OBRIGAÇÕES, OBRIGAÇÕES, OBRIGAÇÕES...



 Acaba de ser publicado no Diário da República  a "Lista de Regras de Prevenção de Incêndios, a ser aplicada em caso de recuperação e manutenção de edifícios existentes em centros urbanos antigos ou classificados, tendo como base a legislação existente e em vigor de Segurança Contra Incêndio em Edifícios.". Leia aqui. Ninguém questiona como é que, sem dinheiro, sem financiamento –uma vez que sobretudo os pequenos proprietários estão falidos- se cumprem as obrigações emanadas dos gabinetes ministeriais. Poucos saberão mas as companhias de seguros declinam a sua obrigação em segurar bens imóveis nos centros históricos que possuam pisos em madeira. Deveria ser por aqui que se deveria começar. Obrigar as seguradoras a cumprirem as premissas para as quais estão vocacionadas. Mas não, o que se faz, aliás no que já estamos habituados, é fazer do Diário da República uma espécie de casa de banho privada do legislador. Aqui, neste jornal oficial, cabem todas as diarreias intestinais. O problema é que já há muito que esta merda, pelo costume da convivência, perdeu o cheiro e não incomoda o colectivo. Como ninguém pretende cumprir as regras, porque caem sempre no absurdo, por impossibilidade material, o resultado é uma espécie de plano inclinado onde tudo parece confluir numa fossa asséptica. Mais grave ainda é que o resultado de tudo isto é uma tragédia diária ao assistimos a esta morte lenta de uma riqueza monumental que nos deveria orgulhar e, pelo contrário, se transforma num peso de grilhões de ferro. Perante tantas obrigações, sem ter em conta as vulnerabilidades, apetece doar tudo ao Estado e este que se desemerde da situação que criou ao longo de um século.


TEXTO RELACIONADO

"O murro duplo no desgraçado"

MOMENTO DE VAIDADE INSTITUCIONAL...


Hoje, a notícia no Diário de Coimbra sobre os Músicos de Rua
Leia aqui

Foto Luís Carregã
O trabalho noticioso no Diário as Beiras sobre o lançamento do cd dos Músicos de Rua
Leia aqui.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

DOMINGO LÁ ESTAREMOS. "LEVA-ME CONTIGO"



GOODBYE, MY FRIEND, GOODBYE



 Neste próximo domingo, no Pavilhão de Portugal, no Parque Verde, entre as 16 e as 19h00, com a participação especial de João Vila –músico e recente vencedor de um concurso de cavaquinho promovido pela SIC- será apresentado o lançamento do cd da denominada Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra.
Já aqui escrevi sobre este assunto, mas vou novamente lembrar que os proventos da venda deste trabalho musical, em parte, serão para custear a viagem de regresso de Paolo Vasil à sua terra-natal, a Roménia. Outra parte será para financiar o investimento do disco. Falando das canções gravadas, adianto de que se trata de 14 temas com letras e músicas originais de Luís Quintans. Este trabalho tem por título “Leva-me contigo”. Mostrando um cheirinho do que vai ser tocado ao vivo no Pavilhão Centro de Portugal depois de amanhã, vou dizendo que maioritariamente são cantigas de amor –o amor está sempre presente nas letras das músicas destes simpáticos animadores, na tristeza e na alegria. Mas como nem só de amor vive o homem, há também baladas de intervenção social a chamar a atenção pública que o músico de rua é um prestador de serviços, apresentando o seu trabalho com dignidade, e não um pedinte como vulgarmente se pensa. Assim como tem também canções a mostrar que este sistema político em que estamos inseridos é discriminador, não presta, e tem-nos conduzido à indigência colectiva. Mas essencialmente é o amor em toda a sua essência, enquanto elos de ligação e de conflito humanos, que se espalha aos quatro ventos e sob a égide da Lua, enquanto musa inspiradora de poetas e trovadores.
Os instrumentistas que actualmente compõem este agrupamento são a Celeste Correia, o Emanuel Veiga, o Armando Pereira, o Lourenço Pina, o Gastão Silva, o Paolo Vasil e o Luís Quintans. Em nome do grupo gostaria de deixar um agradecimento a Emília Martins, presidente da direcção da OCC, Orquestra Clássica do Centro, pela forma como recebeu, sempre incentivou, e acarinhou estes músicos da calçada. Em nome de todos, bem-haja.
Quanto a si leitor, se puder, compareça neste domingo à tarde no Parque Verde e adquira o cd. Mesmo sendo suspeito na minha apreciação, garanto de que não dará por mal empregue a nota de euros despendida.

VARELA "PÉLONGO"



 O homem que tenho à minha frente, ligeiramente arqueado pelo peso de muitos esforços, alegrias e tristezas, ao longo de 88 anos, é uma lenda viva da fotografia em Coimbra, no país e no mundo inteiro. Escrevo sobre Varela Pécurto. Esta pessoa simples, afável e tímida, é o decano, o precursor do retrato a preto e branco da imagem aérea da cidade. Foi um dos primeiros a poisar os olhos nos pormenores que passavam despercebidos ao comum e chamar a atenção para a sua conservação. Com a digitalização e o acesso popular à fotografia, hoje, ver imagens de um qualquer alçado de um edifício ou recanto da urbe é fácil e até corriqueiro pelo papel da Internet, mas há meio-século não era assim. Para além dos meios disponíveis nessa altura serem incipientes também não havia sensibilidade geral para o património artístico e monumental. Mas entrando pelos olhos dentro da pessoa com quem converso, como se rebobinasse um filme, em “déjà-vu”, é fácil de imaginar e ver um homem de máquina fotográfica a tiracolo a calcorrear, em passo apressado, as ruas e becos do burgo. Só corre assim quem ama o que faz, sentindo que o tempo urge e a mudança das coisas que julga mal está ao alcance da sua vontade e não dos outros, e toma a generosidade como lema.
Não me é fácil escrever sobre este gigante da divulgação das artes. Sobretudo porque já muito foi dito e gosto pouco de chover no molhado, isto é, dizendo a mesma coisa. Por isso mesmo, para me desonerar desta responsabilidade quem vai falar é o próprio. Faça o favor, Senhor Varela. Tem a palavra.
Sou natural do Ervedal, concelho de Avis. Vim para Coimbra com 23 anos, em 1948. Casei em Évora numa véspera de Natal. De malas e bagagem, abalei imediatamente para a cidade dos estudantes já com emprego garantido. Tinha sido convidado por António Gonçalves para vir trabalhar para a livraria Atlântida, que tinha uma secção fotográfica. Um ano depois fui chamado para ir trabalhar para a Ilda, no Largo da Portagem, que abriu como tabacaria e estava a desenvolver a fotografia. Entrei como sócio-gerente.
Em Évora eu era um observador; conhecia tudo, até as próprias pedras da calçada. Em Coimbra comecei a fazer o mesmo, a olhar para as minudências, a dissecar os cantos e recantos, para aqueles pormenores que ninguém ligava. Adaptei-me muito bem à Lusa Atenas. Morava nas Escadas de Quebra-Costas, o meu café era a Brasileira e trabalhava na Portagem. Chamava a este percurso o meu triângulo turístico. Preferi abdicar de casas com muito mais comodidades, mas que estavam muito mais longe, e viver junto ao estabelecimento.
Pergunta-me se estou bem? (Encolhe os ombros conformado e os seus olhos tornam-se embaciados). A minha mulher está inválida, acamada, há cerca de oito anos. Sou eu que tomo conta dela. Sinto algumas dificuldades, sim. Recebemos de reforma, ela e eu, 800 euros. Está a ver, não está? Medicamentos e alimentação… É uma verba insuficiente para vivermos com dignidade. Fisicamente é um esforço enorme o que faço pela minha companheira, mas encaro a minha entrega a esta causa nobre como uma missão. Normalmente conto com a ajuda do meu filho mas, como ele tem a sua vida, nem sempre pode. Se preciso for faço o almoço e tudo o que uma mulher desempenha num lar melhor do que um homem. Não foi esta a velhice que idealizei. Sinto-me um pássaro preso numa gaiola, refém desta situação, mas, apesar de ao longo da existência podermos escolher o nosso caminho, só temos poder de opção em face das alternativas que se nos apresentam. Mas, deixe lá! Já fiz um pouco de tudo. Tive uma vida cheia, sempre ocupada. Já fui correspondente da televisão na zona centro; como colaborador, já escrevi e fotografei para vários jornais locais e nacionais; já escrevi vários livros; já doei muito do meu espólio. Por parte das entidades públicas sinto um grande reconhecimento, uma grande consideração pela minha obra, e isso, esse facto, deixa-me confortado.
A Baixa há 60 anos era o coração da cidade. Construíram bairros à sua volta, transferiram para lá as pessoas que aqui nasceram e este núcleo foi perdendo os seus filhos. Foi um erro retirar os transportes das ruas largas. Esta medida ajudou a matar este centro comercial. A expansão urbanística, conjuntamente com a desregulada proliferação das grandes superfícies foi o golpe final. Actualmente o futuro desta zona está muito incerto. Não consigo vislumbrar uma solução. Os citadinos estão muito comodistas não se deslocam para fazer compras. Como não há movimento, os cafés perderam o espírito de tertúlia permanente. O comodismo das pessoas foi também o responsável por esta apatia e ajudou a aniquilar todas as vivências do centro histórico.
Antevejo que, qualquer dia, vou ter de ir para um lar. Gostava de não ficar longe porque Coimbra é a minha vida, é a minha alma. Alimento-me dos seus ruídos, o barulho das sirenes dos bombeiros, o pregão do cauteleiro, a lengalenga do ceguinho. Enquanto profissional de fotografia era obrigado a mergulhar nestes fragores. Sempre os associei às horas do dia. Foram sempre o meu relógio do tempo. Amo-te muito, minha Coimbra adorada!”

terça-feira, 27 de agosto de 2013

PARABÉNS LILI



 A Liliana Oliveira, a Lua Cheia, o luar de Agosto sempre esfuziante de alegria manifestada em gargalhadas de fazer sorrir o mais sisudo, que com a sua luz inunda a nossa Rua Eduardo Coelho, fez anos. Quantos foram? E eu sei lá? E isso importa para alguma coisa? O que sei é que a Lili, como é carinhosamente conhecida aqui, pelas suas qualidades intrínsecas de boa pessoa, será sempre bela. A beleza é como um bom vinho. Quando o néctar é novo toma-se de um trago pela frescura sem levar em conta as suas propriedades naturais. Só depois de maturado muitos anos em carvalho velho nos apercebemos –quando apercebemos- das potencialidades do seu paladar.
Neste dia do seu aniversário, a Liliana recebeu muitas flores, muitas mensagens, beijinhos e abraços. Recomenda-me para, através desta pequena nota, sublinhar o agradecimento a todos quantos lhe manifestaram a prova de afecto. Como é óbvio não pude retratar todos. Como documento para a história, em que a imagem mostra o quanto valorizamos a sua amizade, fica o momento do carinho da colega Diana Gabriela e da sua filha Mariana. Parabéns, Lili!

sábado, 24 de agosto de 2013

ONDE ESTÁ A ALEGRIA?





 O país sempre teve altos e baixos ao longo da sua história. A felicidade sempre andou de braço dado com a economia. Não haverá gente feliz com fome, ou outras carências elementares ao desenvolvimento social. Comparando com os últimos dois séculos, XIX e XX, tenho por costume apreender os estados de alma através da fotografia. Se atentarmos nas expressões faciais dos retratados, desde os primórdios do retrato por volta de 1860 até aos nossos dias, verificamos que progressivamente se vão abrindo mais até ao completo sorriso aberto. Se o que defendo estiver certo, o máximo contentamento teria sido alcançado entre os princípios das décadas de 1970 até aos finais de 1980 -atingindo o zénite, o pleno em 1989, com a convergência mundial da queda do Muro de Berlim e com a ascensão nacional da entrada diária de muitos milhões pela adesão de Portugal à então CEE, Comunidade Económica Europeia.
Se olharmos os retratos destes vinte anos, entre 1970 e 1980, vemos gente a sorrir desbragadamente. Normalmente ao lado de um automóvel –símbolo da ostentação, da realização económica e conquista financeira-, com a face completamente aberta, cheia de luz, olhos brilhantes, e de aspecto desligado e despreocupado, homens e mulheres mostram-se de cabelos soltos, posições informais, e trajes leves com muita cor –outro pormenor importante, o colorido sempre foi a projecção do interior de cada um de nós. Se estivermos bem vestiremos roupas de cores vivas entre o vermelho, o amarelo, o verde alface e o azul-marinho. Se estivermos assim-assim envergaremos cores neutras entre o branco e o verde-garrafa. Se a mágoa, a angústia, nos atropela a alma e a depressão bate à porta é mais que certo que as cores predominantes serão todas escuras, carregadas de luto, entre o preto e os tons cinza.
Até 1970, em Portugal, falando no geral da população mais empobrecida e não em nichos de classes abastadas, no vestir, predominava o cinzento, o preto, o castanho e o azul-escuro. Para quem não souber, uma família humilde adquiria um agrupado cerimonial, o chamado conjunto de sair, constituído por roupas e um único par de sapatos, que se mantinha durante décadas. Eram apenas usadas em festas, cerimónias e afins. No fim do desse dia, como soldados de volta à Pátria em eterno retorno, regressavam ao cabide de um qualquer canto do lar –lembro-me de o meu pai manter na sua posse um fato castanho, calça e casaco, talvez mais de vinte e cinco anos. Nos restantes dias da semana as roupas de uso vulgar eram esticadas até ao infinito da sua durabilidade com remendos, extensões e outros acrescentos em milagre de vida.
A partir do princípio de 1970, assistiu-se à invasão de algumas, poucas, marcas de ganga, moda vinda dos Estados Unidos e usada pelos cowboys naquele país americano. Este vestir aligeirado foi acompanhado com a simplicidade das restantes vestimentas. Aos poucos as cores apagadas e sem brilho passaram a ser relevadas para o acto cerimonial, para festas e casamentos, e os garridos tomam tudo de assalto. Por sua vez o acesso a grandes e pequenas marcas democratizou-se e, com o pronto-a-vestir a substituir a confecção por medida, o preço dos têxteis, mesmo sem a Globalização e a entrada da China sem restrições que ocorreu em 2004, foi embaratecendo cada vez mais.
 A seguir a esse período áureo, o maior rasgo de dor, e talvez a primeira ruga de muitas outras que se seguiriam, na alegria universal aconteceu em 1990 com a Guerra do Golfo, com a invasão do Kwait por tropas do Iraque e posteriormente com o envolvimento no conflito de países em coligação. Apesar da nuvem de crédito fácil que espalhou o consumo, é também nesta década de 1990 que se começou a assistir a ilhas de pobreza e que daria origem à criação do Rendimento Mínimo de Garantia, implementado por António Guterres em 1996 e que tanta celeuma fez correr. Com a indigência sempre a crescer, apesar de aparentes picos exteriores de riqueza localizados em eventos como a Expo 98, no país, estavam lançadas as bases da tristeza que nunca mais deixaria de se acentuar.
Mais uma vez um grande acontecimento a nível mundial viria espalhar a angústia em todo o planeta e na qual não ficámos imunes: o derrube das Torres Gémeas, em Setembro de 2001. Com a alegria a desaparecer drasticamente dos semblantes dos portugueses, entre a euforia e o desânimo, assistimos à vitória de Durão Barroso nas eleições legislativas de 2002 e a sua posterior fuga, em 2004, para um exílio dourado, em que assumiu o cargo de presidente da Comissão Europeia, e subiu ao pódio ministerial Santana Lopes, e, também neste ano, o Campeonato Europeu de Futebol com a construção de vários estádios e que tanta tinta fez correr. E o nosso sorriso passou já a ser uma sombra lunar de outros tempos recentes.
Em 2005 subiu à tribuna José Sócrates e, fazendo analogia com o Reino do Botão, prometeu trazer a felicidade a todos os nativos do rectângulo. Em busca incessante de um novo D. Sebastião que expulsasse o nosso pesar, nem foi difícil acreditar neste vendilhão do templo, e servo de um tempo perdido. Porém, dos fumos e da bruma política celestial só saiu mais tristeza e sofrimento exangue para todos os nacionais. De repente estávamos no fim do poço da melancolia e só restava procurar defesas. Tentando resistir a tanta mentira colámos no rosto uma máscara de entristecimento que nunca mais se descolou. Pensávamos que seria o fim da linha. Mas não era. Para além do limite admissível, onde as forças pareciam estar no máximo e em tensão, verificámos, todos, que afinal ainda havia mais espaço para o padecimento. Com o actual primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, tivemos que colocar mais uns traços de esgar na já padecente máscara de plangência. Somos agora um povo de fado negro, de fazer chorar as pedras - muito mais choradinho do que o Fado da Saudade, da Amália-, atrás de um destino que teima em nos empurrar para a infelicidade do século XIX. É muito triste! Não é?

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A LÓGICA DO ABSURDO

Madonna forra dentes... a ouro e diamantes


Sem querer parecer um anjo da desgraça, caminhamos inevitavelmente para um fim anunciado. Os absurdos são de mais. Das duas uma: ou acabamos à trombada ou à cornada.






"Tavira volta a distribuir kits escolares"



REPESCAR UM TEXTO


(Imagem da Web)


O que assistimos há vários anos com incêndios a, por um lado, devastar a nossa periclitante riqueza nacional e, por outro, com a perda de vida destes homens e mulheres da paz brada aos céus. Só se pode entender esta apatia num Estado de direito, frouxo, em coma e com morte anunciada, completamente insolvente nos princípios e nos deveres. Enquanto organização territorial e, em Contrato Social, representante de todos os seus concidadãos deveria ter obrigação, com pulso de ferro, de pôr termo a esta calamidade. O que está acontecer é demasiado grave para se continuar a olhar para o horizonte perdido.
É muito feio auto-citar-me, mas, mesmo assim, para não ter de, passados três anos, escrever outra vez a mesma coisa, vou deixar este texto aqui plasmado em 11 de Agosto de 2010. 


ESTE ESTADO DE CALAMIDADE

 No jornal Público de hoje o ministro da Administração Interna, Rui Pereira –chefe da Unidade de Missão para a reforma dos actuais Códigos de Processo e Penal-, em fotografia inserida, aparece de mãos nos bolsos. Junto à foto são transcritas as declarações do membro do actual governo: “Rui Pereira comparou ontem alguns fogos florestais a “teatros de guerra”. Insistiu para que os portugueses tenham comportamentos cívicos nos dias de muito calor, como os que estão previstos para o próximo fim-de-semana, em que há centenas de festas e romarias por todo o país”.
Antes de prosseguir, gostaria de lembrar que ontem, em Gondomar, num grande incêndio, morreu mais um bombeiro. No caso uma estudante, de nome Josefa, de 21 anos.
 Ora, pegando no extracto do Público –mesmo retirando a foto de mãos nos bolsos-, vemos imediatamente que perante as declarações do governante há uma saliente disfunção no discurso. Ou seja, por um lado Rui Pereira compara os incêndios a “teatros de guerra”, por outro, apela a comportamentos cívicos dos portugueses. Naturalmente que a gota não dá com a “perdigota”. “Cenários de guerra” estão adstritos a lei especial, normalmente a lei marcial. Por conseguinte, se o ministro o admite, há que criar legislação extraordinária para o efeito. O que esperará o Governo para criar tribunais especiais para combater a calamidade dos incêndios? O que esperará o ministro para propor alterações ao Código Penal, aumentando a moldura penal, e equiparar o fogo-posto a terrorismo?
Estas serão as medidas coercivas necessárias perante a desconcertante apatia de se assistir à morte de bombeiros no combate a incêndios, numa grande maioria provocados intencionalmente por mão humana. Um pirómano, apanhado em flagrante, deveria ser imediatamente julgado em sumaríssimo. Em caso de dúvida e nos casos de não flagrante delito, e em necessidade de inquérito, o prevaricador deveria ser sujeito a julgamento no prazo máximo de 30 dias, impreterivelmente. Continuar a julgar estes terroristas em tribunais comuns, no mínimo, brada aos céus. É um desrespeito perante a vida esforçada e a morte continuada de soldados da paz.
Ao mesmo tempo, é preciso apostar em medidas de prevenção. Por exemplo, no inverno, em vez de se continuar a mandar usufrutuários de RSI, Rendimento Social de Inserção, para cursos profissionais que, salvo excepções, não servem para nada, porque não reencaminhá-los para apoiar os donos das matas? O Estado criou legislação obrigatória para os proprietários limparem os pinhais, mas, devido à continuada descapitalização do sector, não podem cumprir a lei. As consequências desta omissão é continuar, ano após ano, a arder um significativo património ambiental do país. Basta lembrar que neste último fim-de-semana houve mais de mil incêndios assinalados.
É preciso, de uma vez por todas, começar a inventariar e a planear a floresta. Acabar com a exagerada proliferação de eucaliptos e incentivar a plantação de outras árvores em substituição do pinheiro –veja-se o que está acontecer com a praga do Nemátodo.
É preciso incentivar (novamente) a desaparecida agricultura de subsistência.
Em vez de se darem subsídios aos desempregados de longa duração para investirem no comércio –que está sobrelotado-, é necessário incentivar estas pessoas a apostarem na agricultura –desde que o Estado garanta o escoamento dos produtos para as diversas instituições, forças armadas, hospitais, IPSS’s, etc.
É preciso reabrir novamente as feiras de gado. Para levar à criação de animais nas aldeias, como antigamente. Quem é da província sabe que os matos dos pinhais eram roçados para fazer a cama aos animais domésticos. Acabou-se com esta produção, naturalmente, deixou de se roçar os matagais por essa floresta fora.
É necessário reconhecer, através de estremas e marcos divisórios, inventariar a propriedade rústica e, tal como no “baixo-mondego”, desenvolver o emparcelamento da pequena propriedade.
Se nada for feito, e o ministro da Administração Interna continuar de mãos nos bolsos a apelar ao comportamento cívico dos portugueses, um dia destes, porque deixará de haver mata para incendiar, começará na sua casa, na minha, na do vizinho. O pirómano precisa de continuar o espectáculo.






quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O MANTO DIÁFANO DA MORTE

 Como ressalva de valores, gostaria de deixar bem expresso o respeito por quem parte e pelas famílias enlutadas que sofrem a dor que se abate no seu seio. Esta crónica, se é que presumidamente pretende alguma coisa, será, no máximo, sensibilizar em forma de lembrete de que entramos e saímos desta vida de forma igual.
Na velha parede junto à Pastelaria Palmeira, na Rua da Sofia, os anúncios de necrologia mantêm-se alinhados com os olhos de quem passa. Em contraste com as demais, uma das comunicações salta à vista pelo apêndice junto ao nome: “Dr.”. Sabendo-se que o extinto exercia a profissão de causídico, poderemos nós interrogar: está errado? Não, não está! Mesmo eticamente estará certo. Então, nesse caso, por que melindre me haveria de dar para implicar com um sentimento tão profundo quanto é o desaparecimento de um humano? Não sei se conseguirei ser claro, e muito menos que alguém concorde com o meu ponto de vista, mas, sobretudo por parte das empresas funerárias e igual aos registos de nascimentos, deveria ser implementado um princípio universal de que a publicidade a alguém que deixa o mundo dos vivos deveria ser mostrada apenas pelo nome. Que os obituários falem de todo o percurso do defunto e contem toda a sua história de vida aceita-se completamente e nem sequer se coloca qualquer questiúncula. Dá-me a parecer que esta discriminação positiva, talvez sem que seja essa a intenção por parte das funerárias, acaba por manter um situacionismo, uma hierarquia, entre vivos. Não se pense que sou contra as hierarquias na sociedade. Nada disso! O que quero dizer é que deveríamos todos caminhar, cada vez mais, no sentido de um certo nivelamento. Procurarmos ser mais iguais mesmo na diferença estatutária. Sentirmos todos que estamos cá de passagem. Mesmo com honras, começando na molécula, chegamos sem nada e partimos apenas com uma roupa vestida que, juntamente com toda a materialidade, se transformará em pó.
É evidente que, e falo de Coimbra, um longo caminho tem sido percorrido e sempre a melhorar. Na década de 1960 qualquer estudante de capa e batina, ou um homem vestido de fato e gravata, era apodado de doutor. Não foi há muitos anos que, ao comprar uns livros de direito numa livraria da Baixa fui tratado por doutor. Embora rectificasse imediatamente o funcionário, tenho de confessar que me soube bem. Afinal, ali, naquele procedimento, ainda que obrigado pelas circunstâncias de subserviência ao cliente, estaria os juros de um capital humano por mim investido em tantas situações análogas ao longo da minha existência.
Comparando esses idos tempos e os de hoje na imprensa escrita deu-se um salto ciclópico. Numa notícia, raramente se apresenta um nome importante com o Dr., Eng.º, ou Arq.º a anteceder. Mas ainda há muito para fazer para que a universalidade, a igualdade nos direitos e obrigações sejam de facto uma premissa constitucional. Deveremos começar pelas coisas simples, como o caso que apresento em epígrafe.


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UM EXEMPLO A SEGUIR EM COIMBRA



As autoridades municipais de Madrid postularam que quem quiser exibir a sua arte nas ruas, incluindo naturalmente a música, e ganhar algum dinheiro terá de mostrar o seu talento e grau de execução numa audição prévia. Os candidatos que apresentarem um mínimo de qualidade terão direito a uma licença gratuita, durante um ano.
Há muitos anos que escrevo sobre este assunto. Em Coimbra a autarquia nunca procurou disciplinar esta importantíssima actividade de animação pública. A única preocupação que sempre esteve subjacente foi cobrar uma licença trimestral de cerca de 30 euros sem se preocupar com o mínimo de atributos por parte do prestador. Então, desde sempre, acontecia uma discriminação implícita: quem pagava esta verba eram sempre os melhores, aqueles que pela sua prestação primorosa, os que estavam preocupados pela ilegalidade e virem a ser incomodados pela Polícia Municipal (PM). Os outros, os que para além de não apresentarem um serviço minimamente digno e apenas contribuírem para a descredibilização da arte cénica das ruas, nada pagavam. Então, por não terem pago a dízima e só por isso, eram chutados como se de lixo se tratasse.
Há cerca de uma ano para cá, e desde a formação da “Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra” em que, passando a presunção já que escrevo em causa própria, se chamou a atenção colectiva de que havia músicos de grande qualidade a exercer na via pública e era imperativo um outro olhar sobre estes artistas que não tiveram oportunidade de mostrar as suas valências em tempo considerado útil, passou a haver uma certa tolerância e uma maior sensibilidade por parte da PM, que detém o pelouro da fiscalização. Havendo algum choque, numa certa imposição de poder discricionário, acontece mais com alguns agentes de PSP, que, sem querer generalizar, continuam a tomar amostra pelo todo e sem ter em conta atenuantes.
Era bom que o executivo camarário, seguindo os passos madrilenos, se debruçasse sobre esta questão da performance pública e, de uma vez por todas, através de autorização, contribuísse para uma dignidade que se procura para quem mostra o seu saber nas ruas da cidade.



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terça-feira, 20 de agosto de 2013

O MURRO DUPLO NO DESGRAÇADO




 Ontem ardeu o restaurante Casino da Urca, em Santa Clara, junto ao Portugal dos Pequenitos. Foi um dia triste, de inenarrável memória, trágico de mais para os irmãos Barbosa que dali extraiam o seu pão e davam trabalho a funcionários -e também para um casal residente no primeiro andar que, pelos vistos, perdeu tudo. Ainda me lembro bem do João, irmão dos actuais donos, que faleceu há cerca de 25 anos, e que, na década de 1980, tomou conta deste antigo estabelecimento.
Ontem, foi já tarde quando soube que este marco histórico da hotelaria da cidade, num ápice, tinha desaparecido. É uma coisa incrível como num sopro o fogo tudo consome. O problema é que os centros históricos das cidades estão entregues à sua própria sorte. A maioria do casario, como era o caso deste prédio onde funcionava o Casino da Urca, é centenária e com pisos em madeira. Acontece que as companhias de seguros negam-se a segurar estes edifícios. Ou, no limite, podem até apresentar propostas mas o custo do prémio pretendido é tão desmesuradamente elevado que torna impossível segurar qualquer edifício nestas condições –não estou a escrever por acaso. Sinto na pele este problema todos os dias. Tenho um pequeno edifício na Baixa da cidade. Nos últimos anos tentei que várias companhias de seguros se interessassem para segurar o imóvel. Depois de saberem que os pisos são em madeira nem uma única proposta me foi dada a conhecer. O meu caminho e de todos os pequenos proprietários de prédios antigos na cidade –e no país- é rezar, todos os dias, a todos os santinhos que nos valham em caso de aflição. Estamos todos entregues a um destino que não se sabe muito bem onde começa nem onde acaba. É escandaloso que ninguém, quer o Governo, quer as autarquias locais, se preocupe com a situação futura dos micros proprietários de imóveis nas cidades velhas. É que em caso de tragédia qualquer pequeno dono de imóvel, ou pelo menos uma maioria, não tem dinheiro para a reconstrução. O Governo, quanto antes, deveria criar um regime especial de segurança que obrigasse as seguradoras a chamar a si os seguros. É um absurdo exigir-se mil e um cuidados na preservação da monumentalidade histórica particular, raiando mesmo o metafísico, e nada se faça para assegurar o futuro em caso de cataclismo. Não sei muito bem mas aposto que a maioria destes prédios velhos, como é o caso do acidentado de ontem, não têm qualquer instrumento que lhe garanta a reconstrução. Ora, é fácil de ver, assim perde duas vezes um bem que, em muitos casos, tanto lhe custou a ganhar.
Como é normal, comecei a escrever este texto com uma intenção e, como romeiro em busca do Santo Graal, acabei a tocar outros pontos. Escrevia eu logo na introdução desta crónica que foi já tarde que soube deste desastre enorme para os irmãos Barbosa. Mesmo assim, numa espécie de ver para crer, ou talvez uma homenagem ao que foi o Casino da Urca, passei lá eram cerca das 3h00 da manhã e tirei a fotografia. Enquanto captava várias imagens naquela rua deserta e silenciosa, mais parecendo um cenário apocalíptico de guerra, dentro do prédio ardido, comecei a ouvir ruídos de vidros a arrastar, como se alguém, naquela miséria visual, se aproveitasse para furtar o que ainda havia para surripiar. Como estava sozinho não me aventurei a investigar, no entanto liguei para a PSP. Não sei se lá se teriam deslocado e apanharam alguém. O que gostaria de salientar é que é triste acontecer uma coisa destas e, sem qualquer respeito por quem perdeu tudo, haver pessoas a comportarem-se como abutres, aves de rapina que tudo serve para encher a pança. Bem sei que tudo isto que plasmo é filosofia. Apesar de que o que vou escrever não gerar consenso, todo o homem é, intrinsecamente, um ladrão em potência. Dependendo o acto apenas de três factores: da vontade, da oportunidade e da necessidade. Se assim não fosse o roubo e o furto não teriam tanta indispensabilidade de constar no ordenamento jurídico. Por mais formação na educação que se empregue, sempre assim será até ao dealbar dos séculos. Mas é triste ver uma coisa daquelas. Fica aqui o desabafo… se é que interessa para alguma coisa.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

EDITORIAL: VOLTAR AO BURRO

(Imagem da Web)


 Algumas das cartas distribuídas hoje, dia 19, na Baixa de Coimbra, pelo carteiro, tinham carimbo de recepção dos CTT de 9 e 14 deste mês de Agosto. De salientar que algumas delas eram provenientes de Cantanhede, que dista cerca de 20 quilómetros da cidade dos estudantes. E fazendo alguma graça desta desgraça de insensibilidade e falta de respeito por parte dos Correios para com os cidadãos, poderíamos escrever que valia mais ter sido enviada a correspondência de burro, ou a pé, que chegaria mais cedo ao destinatário.
Já muito se escreveu sobre o encerramento de muitos postos dos CTT por este Portugal fora e, sobretudo, nos custos sociais que tais medidas perfeitamente arbitrárias, economicistas e que visam somente a privatização dos serviços, e, sendo assim, o que vou escrever não será nada de novo. Aliás, ainda há dias, mais precisamente na última sexta-feira, segundo o Diário de Coimbra, cerca de 70 trabalhadores manifestaram-se na Praça 8 de Maio, na cidade, contra a precariedade laboral na empresa. Ressalvavam que “O serviço não está a ser devidamente prestado às populações. Há correio fechado em caixas durante duas a três semanas no centro de distribuição, por falta de organização, não por culpa dos trabalhadores (…)”.
Para além dos manifestos prejuízos do emissor e receptor –imaginemos de que se trate de prazos que impliquem prescrição por parte dos tribunais- há questões sociais, de fundo, que é preciso analisar. Será que ninguém vê que se está a sacrificar a escrita manual enquanto meio de expressão cultural e se está a empurrar a população para as comunicações virtuais –e aqui surge outra interrogação: o que irá fazer metade da nossa população portuguesa que, por não saber lidar com esta nova forma de analfabetismo, não tem acesso aos computadores? Sabemos todos que a escrita é um meio para nos tornarmos melhores pensadores. Sabemos também que, comparando com a carta física, para o emissor escrever em correio electrónico é sempre mais sucinto e implica menos reflexão, na estética e nos cuidados com a língua. Será que não se deveria especular sobre o que vai acontecer ao português escrito no futuro, tendo em conta como o conhecemos hoje? E os CTT, enquanto Correios de Portugal com longo passado histórico, não tem nenhuma responsabilidade social e pode lavar as mãos assim desta maneira vil, fria e, enquanto empresa, somente visando os seus próprios interesses financeiros? Isto tudo para além de que estamos perante uma escandalosa violação do princípio da igualdade, de acesso e oportunidade, por disfunção de conhecimento para muitos cidadãos.
Vivemos um tempo de lógica estritamente assente entre o Deve e o Haver. Não é que uma gestão correcta não implique uma criteriosa gestão de meios. Nada disso! O que se contesta é que, abruptamente e a coberto da crise, desapareceu o raciocínio, entre o importante e o supérfluo, que no chamado Estado de Bem-estar Social justificava os serviços essenciais. Isto é, até há pouco havia uma noção corrente de serviços mínimos que mesmo apresentando algum prejuízo –que não é o caso em análise e que até dá lucro- eram tão indispensáveis para o desenvolvimento das populações que se aceitava a sua inscrição no vermelho e, por isso mesmo, estavam sujeitos à subsidiaridade de outros impostos. Refiro, como já se viu, os transportes públicos, a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde e, no caso, a distribuição de correspondência, os correios. Nos últimos tempos, com o argumento da privatização, porque o Estado não é bom gestor, invoca-se, estamos a assistir a um desmantelamento de todas estas prestações públicas e, num plano urdido e pensado de muitos anos, a serem descaradamente entregues aos privados. Como exemplo mais remoto, a electricidade e as comunicações, que já há muito foram serviços privatizados. As águas, a recolha de lixo, seguem o mesmo destino, o caminho da total particularização. Os resultados deste desligamento do Estado em funções vitais da economia e que ainda garantia algum sentimento de equidade estão à vista de todos: estamos à beira da miséria colectiva. Actualmente o cidadão comum, como se fosse prisioneiro de um sistema ditatorial, mal consegue ganhar para pagar estes fundamentais instrumentos de bem-estar.
Não sei se estamos ou não no centro, no núcleo, do olho do vulcão do chamado ultra-liberalismo, selvagem, individualista. O que sei, e, tal como outros, sinto na pele, estamos na barbárie, num caos colectivo em que a ordem se vislumbra facilmente e a quem beneficia, cujo impacto social na vida de quem trabalha e no cidadão comum, reformados e outros, –não os privilegiados que vivem em ilhas de grande riqueza ostentativa- são terríveis e catastróficas. Apesar de uma repulsa continuada por quem nos governa nas últimas décadas, que conduz ao desânimo e à morte por suicídio, com a desculpa de que “nunca mais me apanham a votar”, continuamos alheios a um fim anunciado e a um futuro que é já amanhã.