quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto ""DIÁLOGO COM OS CIDADÃOS"?", deixo também as crónicas "PERDIDOS"; "ESTA CIDADE..."; "O MEU MELHOR AMIGO MORREU"; e "REFLEXÃO: LIVRAI-NOS SENHOR DO VINHO"



“DIÁLOGO COM OS CIDADÃOS”?

 Passava cerca de um quarto de hora depois das nove, da última sexta-feira, quando transpus a porta do hall de entrada que dá acesso à Sala dos Capelos, da Universidade de Coimbra. A azáfama era enorme com muitas pessoas, pela fisionomia presumo que estrangeiras, a acotovelar-se para aceder ao grande salão de cerimónias. Pelo ambiente formal, presumia-se a receção a uma grande celebridade. Talvez um alto dignitário da Igreja, quiçá um grande chefe de estado. Pelo anunciado na imprensa e pelos convites formulados, sabia-se quem era a visita célebre: Viviane Reding, vice-presidente da Comissão Europeia, Comissária Europeia da Justiça, Direitos Fundamentais e de Cidadania.
Atrás de uma enorme secretária, duas moças bonitas, bem maquilhadas e vestidas de fato a rigor, faziam a triagem de quem entrava para o recinto que foi palco das Cortes de Coimbra em 1385 e aclamou D. João I de Portugal. Enquanto aguardava a vez, de soslaio, mirava os fatos de bom corte, quem sabe Armani, e comparava com a minha indumentária simples. Chegou a minha vez. “O seu nome, por favor? Inscreveu-se pela Internet?” –interrogou-me a bela mulher sem me olhar nos olhos e puxando de uma listagem de nomes. Riscou o meu apelido no papel e entregou-me um saco de asas, resinado de cor branca, com uma tarja cor de laranja de um lado e, junto ao logótipo europeu de fundo azul e doze estrelas, onde se poderia ler “Tem a ver com a Europa; Tem a ver CONSIGO. Participe no debate. Ano Europeu dos Cidadãos 2013 www.europa.eu/citizens-2013”. No reverso do saco, em letras gordinhas, “Diálogo com os Cidadãos – Coimbra, 22 de fevereiro de 2013”. Dentro da sacola, um caderno de apontamentos de argolas, com as mesmas inscrições repetidas, uma esferográfica, uma pen de computador, e um livro emitido pela Comissão Europeia, com o título “Mais Cidadão” onde ao longo de 27 páginas se explicava como “ser cidadão” deste velho continente e novo agrupamento de estados geminados.
Na entrada da Sala dos Capelos mais uma bela mulher me interpelou sem olhar duas vezes para mim e informando-me que, como estava inscrito, o meu lugar era à frente, na plateia. Transpus a porta do opulento e magnífico compartimento, ainda meio vazio mas pleno de câmaras de filmar, em direção a uma das filas primeiras e acomodei-me junto a um amigo que encontrei por acaso. À minha frente, num pequeno anfiteatro estavam duas cadeiras, uma vazia, certamente à espera da convidada, e outra ocupada com uma “boneca”, que me pareceu humana e reconhecer da televisão. Alta, corpo escultural, rosto de cera, e com olhar fixo e frio no grande portal que, dentro de alguns minutos, seria atravessado por Viviane Reding -rainha de Bruxelas, considerando Durão Barroso, o presidente, o rei.
Todos os bancos da plateia e alguns cadeirões do balcão foram sendo ocupados e bateram as 10 badaladas na velha cabra. Naquele cenário de filme holliwoodesco, a me fazer lembrar o filme Cleópatra, a todo o momento, saídas do nada, eu esperava ver aparecer longas trombetas douradas a debitarem som para anunciar a iminente entrada de Elizabeth Taylor, com toda a sua imponente beleza e majestática pose em princípios da década de 1970. A boneca de porcelana, como vigia de torre de menagem, continuava de perna cruzada, de atalaia, e só tinha olhos para a porta grande. Bateram as dez badaladas na velha torre e finalmente mostrou ter vida, levantando-se.



E ENTRA A GRANDE DIVA

 Sem música, mas em passo solene, à frente de um pequeno séquito, entrou a nossa futura presidente da Comissão Europeia –se Deus Nosso Senhor lhe fizer a vontade, porque penso que este é o desejo maior que a senhora mais aspira. Como a generosidade do Pai Nosso é grande, nunca se sabe. O cortejo precedente da eleita de todos os olhares era constituído pelo Magnífico Reitor, João Gabriel Silva, Vital Moreira, constitucionalista, Mário Ruivo, deputado no Parlamento, Manuel Porto, presidente da Assembleia Municipal, um deputado luso-luxemburguês e outro acompanhante que não reconheci.
A boneca de cera deu as boas vindas a Viviane Reding, que por escassos momentos se sentou, e os restantes seguidores tomaram os seus lugares à sua volta. Como num fórum romano, o reitor ocupou o cadeirão principal do imperador. Coube-lhe o primeiro discurso, curto e com alguns atropelos à língua portuguesa, mas que ninguém notou, porque, incluindo os jornalistas, só estavam presos na representante europeia e não viam mais nada a não ser o supérfluo, os dislates, os disparates e o que menos importância tem para aos cidadãos. Como já vem sendo hábito, na tradição ritual destas festas na Universidade, no país, o que importa mesmo é a forma, cerimoniosa de receber, o fazer de conta, a postura, a prestação de vassalagem a quem nos atropela e ajuda a mandar para as catacumbas da perdição – a fazer lembrar a ocupação espanhola de 1580 a 1640- e pouco a substância.



A GRANDE BARRACA

 Com uma organização medíocre, este encontro começou logo mal. Através de convocação, através da Internet, a representação da Comunidade Europeia em Lisboa convidava a que se formulassem perguntas por e-mail. Seria de supor que quem as manifestou teria preferência no debate. Numa explicação muito tosca, em que não se percebeu o que iria acontecer, os presentes começaram a surfar a onda. Depois a boneca de porcelana informou que quem quisesse participar que colocasse o braço no ar… mas não disse quem iria tomar conta destas inscrições. E os candidatos a intervir no plenário, olhando uns para os outros, ficaram de braço no ar em castigo e à espera que alguém, não se sabendo quem, tomasse nota da inscrição. Sem ser declarativo, ficou a saber-se que era a jornalista que embirrei em chamar boneca de porcelana. Sem ordem na intervenção, só pela persistência de alguns, em que me incluo, foi conseguido ter voz num debate cujo tema era, lembro, “Diálogos com o Cidadão”.
Mas a barraca ainda só agora estava a começar. A musa encantada luxemburguesa, de casaco azul e calça ligeira de executiva, não parava um segundo no mesmo lugar e sempre a distribuir charme na assistência. Como debutante a dançar a valsa de Strauss, Viviane Reding era o centro de atenções gerais. Havia um pequeno problema: falava em inglês e não havia tradução à vista. Passaram 15, 30 minutos, e eu, mentalmente dividia-me entre amaldiçoar o meu francês que sempre gostei ou, como deputado no ex-parlamento soviético, levantar o braço à espera de atenção. Acabei por me inclinar por esta opção. Durante um quarto de hora, tal como outros, mantive o braço no ar. Foi dada a palavra a um cidadão no fundo da sala e ele interrogou da razão de não haver tradução. Com algum desplante, pergunta a boneca de porcelana: “não tem tradutor automático? Mas olhe que há tradução!”. E viram-se umas bonecas de corda a correr para a entrada, a toda a pressa, para irem recolher os aparelhos e distribui-los aos espectadores dentro da sala. Tal como outros em meu redor, na linha da frente, eu continuava de braço no ar, à espera. Finalmente, passados 40 minutos, tive direito a um objeto reprodutivo, entregue em mão sem ser ligado. Claro que para as bonecas mirabolantes, certamente, no seu pensar, este público presente eram cidadãos europeus, com toda a sua carga de enorme sabedoria e responsabilidade. Para além de deverem falar três línguas -como deu a perceber a comissária- deveriam tratar por tu aqueles pequenos aparelhómetros. Se assim não era, só podiam ser habitantes de outro qualquer continente, talvez sul-americano, sem ofensa para os ditos. Azar danado para mim: para além de não falar bem uma única língua, o meu retransmissor não ligava.
Mas uma infelicidade nunca vem só, que o diga o professor Norberto Canha que legitimamente quis intervir lendo uma carta à flor do Luxemburgo. Não se sabe bem porquê, especulo que a boneca de porcelana, ali transformada em polícia de trânsito, às tantas teria pensado que o antigo diretor dos HUC, Hospitais da Universidade de Coimbra, queria fazer uma declaração de amor a Viviane e não foi de modas: cortou a conversa. Ali não se poderiam ler mensagens escritas. E o meu amigo Canha, que, apesar de ser doutor, normalmente é muito refilão, amuou, aceitou e não contestou. O problema é que, neste ano da inclusão e em que o cidadão europeu parece merecer respeito, logo a seguir, salvo erro do Luxemburgo, por videoconferência, uma deputada local, sentada ao lado do homem mais rico da siderurgia, leu uma carta, à vontade, e ocupou o tempo que bem quis.
Isto tudo para dizer que estivemos perante uma grande encenação. A senhora Viviane Reding, por mérito próprio, tem lugar na galeria dos maiores políticos mitómanos que não deixam história neste Parlamento e Comissão Europeia. Às perguntas formuladas, em que me incluo, nunca respondeu objetivamente nem coisa que se entendesse como segundo rosto da Comissão. Ao perguntar-lhe, enquanto Comissária Europeia da Justiça, dos Direitos Fundamentais e da Cidadania, como entendia que um empresário que trabalhou toda a sua vida, criando riqueza, sacrificando a família, nesta altura em vias de cair na indigência, não tenha direito a subsídio de desemprego? Respondeu zero. Ao meu convite para, na minha companhia, visitar alguns comerciantes que estão com um pé na pobreza na Baixa de Coimbra esqueceu. À questão de uma jovem estudante, sobre o corte das bolsas, e que deveria ter sido articulada por Ricardo Salgado, o presidente da Associação Académica de Coimbra, a vice-presidente preferiu embarcar na demagogia dizendo que “os jovens têm uma herança pesada!”
E chegou-se ao final de duas horas para esquecer, onde, em paradigma, ficou bem patente o servilismo dos portugueses perante o governo europeu. Na parte final, calhou a partitura musical a Manuel Rocha, presidente do Conservatório de Coimbra e candidato a líder da Assembleia Municipal pela CDU, à frente dos seus alunos a tocar e a cantar o Hino da Alegria. Aposto que alguns presentes, quando o viram, ficaram lívidos e a interrogar-se: “será que ele vai executar a Grândola Vila Morena?”


PERDIDOS

 Passavam poucos minutos das nove horas de um destes dias da semana. Entrei na Loja do Cidadão, no Largo das Olarias, subi ao primeiro-andar e caminhei em direção ao departamento da Câmara Municipal de Coimbra. Levo na mão várias faturas de água para pagamento. Uma delas está com aviso de corte. Em redor deste posto de liquidação havia dezenas de pessoas que se acotovelam quase umas em cima das outras. Dirigi-me à máquina de senhas e constatei que já não era igual à mesma da última vez que nos tocámos. Perante o cardápio apresentado de serviços, por momentos fiquei baralhado. Em escassos segundos recobrei o sangue-frio e pensei para mim, que embora diferente, esta nova máquina não seria tão desigual da anterior e lá por ser detentora de muitas siglas não me venceria ao primeiro round. E extraí a senha correspondente ao serviço que me interessava. Entre o meu número em sorte e o que estava a ser atendido havia cerca de meia dúzia de entremeios. Encostei-me numa coluna, já que todos os bancos estavam ocupados, e dei em analisar as reações de quem tentava relacionar-se com a máquina sem coração.
Já era senhora de idade, a primeira em que poisei o meu olhar examinador. Aproximou-se e olhou para o visor, em metáfora, da mesma forma que uma girafa olha para um palácio. Primeiro em apatia, a seguir, sem saber o que fazer, varreu com os olhos todos os lados em busca de uma ajuda amiga que a retirasse daquela aflição. Como estava atento fui em seu socorro e libertei a senha de acesso ao serviço correspondente. Chamava-se Maria –Maria, simplesmente, porque não queria publicidade-, tinha 80 anos. Quando lhe perguntei como se sentia diante de uma máquina que vai comandar as suas ações futuras, desabafou em palavras soltas e envolvidas de emoção: “sinto-me perdida, senhor! A anterior era mais simples. Esta é mais complicada. Quando me dirijo a serviços públicos tenho sempre de pedir auxílio. Deveria ser tudo simplificado tendo em conta as dificuldades das pessoas. Por que razões estão a tornar a vida tão complicada para nós mais velhos, senhor?”
Continuei atento a quem procurava tocar a máquina. Agora era uma mulher ainda nova. Vestia informalmente, com roupas baratas, e tinha um aspeto simples. Perante a maquineta, notei a mesma atrapalhação da velhinha. Como se estivesse paralisada, ficou parada diante do visor e sem saber o que fazer. Como bombeiro voluntário de ocasião, mais uma vez, saltei para o abismo da disfunção e amparei a senhora. Chama-se Susana –“não mais do que isso, por favor”, rogou-me-, tem 37 anos e está desempregada. “Perante estas novas formas de ordenar o atendimento público, sinto-me bloqueada, perdida num labirinto, entende? Estas coisas deveriam ser mais evidentes. Sinto-me mal. Experimento uma sensação de alguém que é diferente, como se fosse anormal. Diariamente, perante esta nova vaga dos computadores, sinto que, apesar de ainda ser nova, estou arredada destes tempos que teimam em nos atropelar. Sofro imenso, um incómodo crescente, como se fosse analfabeta e não soubesse ler. É triste, sabe? Sempre trabalhei em limpezas…”
Ao lado estava uma mulher de pernas cruzadas, bem torneadas e forradas com meias de rede, como se fossem armadilha para olhares masculinos, saia subida até meio da coxa, deixando adivinhar um paraíso inimaginável desconhecido, e botas de meio cano. Num rosto bem tratado onde se afugentam as rugas, uma pele sedosa que apetecia acariciar, os cabelos alourados, apanhados na nuca, emolduravam um raro quadro de beleza feminina. Não seria por mal, acreditei, mas tinha um ar superior que causava desprimor. Era como se fosse uma produção artística, sem idade previsível, de autor desconhecido, mas que teimava em impor-se aos demais. Enquanto falava com Susana, mesmo sem ser interpelada, abruptamente, metia-se na conversa. Prometi dialogar com ela a seguir. Chama-se Rosa. Tem 56 anos de idade –quem diria, pensei para mim, em solilóquio, com os meus botões e lancei um assobio silencioso. Trabalha com computadores. Para ela, estas máquinas são muito simples, mas, admite que para quem não está habituado pode ser um inferno. Concordou que tudo deveria ser naturalmente simples. Os humanos gostam de complicar tudo. Rematou em conclusão: “escreva lá que todos os serviços na Loja do Cidadão são péssimos!”. E eu, que normalmente até sou bem-mandado por qualquer um, não haveria de ser por uma beldade? Claro que escreverei, prometi. E cumpri. Cá fica.


O MEU MELHOR AMIGO MORREU

 Há cerca de oito meses o Daniel Tibério veio ter comigo e disse: “se algo me acontecer proximamente, ajuda a orientar a minha família. Não tenho mais ninguém a quem recorrer. Só tu podes valer à minha Helena e ao meu filho!”. Quase de sorriso nos lábios, o meu melhor amigo confessava-me que tinha um tumor na cabeça, um cancro, como vulgarmente se diz. E para piorar, maligno, em estado avançado e sem possibilidade de intervenção cirúrgica. No último domingo, de manhã, o meu amigo de sempre foi encontrado sem vida, em frente ao seu estabelecimento: o Café Trianon.
Embora tudo leve a crer que foi suicídio –tinha um revólver na mão direita-, tenho as minhas reticências. Não por não crer que foi de facto, sei que foi mesmo, mas porque me nego a acreditar. Não consigo compreender. Há cerca de 15 dias o Daniel esteve a falar comigo e nada fazia adivinhar este final trágico. Mais ainda: se o meu melhor amigo fazia tensões de acabar com a vida, e sabendo que eu seria o amparo da família depois do seu desaparecimento, sobretudo no seu estabelecimento, não seria lógico colocar-me ao corrente de assuntos do seu negócio? Estranho, digo eu que não percebo nada de comportamentos humanos e cada vez me sinto mais perdido no meio dos homens. O que sei é que vou sentir muito a sua falta. Nunca mais terei um amigo assim, um chegado que confiava em mim como já não há hoje igual. A Praça Machado de Assis, onde se situa o Café Trianon, depois da sua partida repentina, nunca mais voltará a ser a mesma. Quanto a mim, tal como lhe prometi em vida, tudo farei para que nada falte aos seus mais próximos, ao seu filho, e sobretudo, ao seu grande amor da sua existência: a sua Helena. “The show must is go one”, o espetáculo tem de continuar. Nesta roda raiada, que é a existência, vão caindo raios e sendo substituídos por outros até ao crepúsculo da vida de cada um de nós. Assim será eternamente. Até sempre, Daniel! Vais fazer-me falta, carago. Ao menos podias ter-te despedido de mim. Pronto!, estás perdoado. Descansa em paz, meu amigo!


ESTA CIDADE…

 Coimbra é uma cidade estranha. Estranha, não no sentido de ser diferente para melhor, mas para o pior. É uma urbe de pequenas ilhotas onde pululam os amigalhaços, nas confrarias, nos clubes, nos partidos, onde o que conta verdadeiramente para a maioria é a importância do “Dr” a anteceder o nome, ou a posição que ele ocupa na administração da cidade, ou, se escreve, e desde que seja jornalista, mande uns bitaites mesmo que sejam uns disparates ofensivos à honra e dignidade, todos batem palmas. Basta abrir qualquer um dos dois jornais diários locais e analisar os articulistas do costume. Coimbra é uma cidade cínica, calculista, subserviente e hipócrita. Onde a sua alma errante, o seu espírito negro como negro é o seu fado, vagueia entre a Câmara Municipal e a Universidade. Vale mais uma bufa mal cheirosa de um doutor ou de um político partidário que um frasco de perfume com cheiro a rosmaninho se vier de um qualquer trabalhador. O sumo da razão, enquanto ideia equilibrada e ajustável, nunca interessou nada. É uma cidade vazia, desprovida de ideias novas. Tal como o país, vive do passado –atente-se nos candidatos autárquicos apresentados até agora- e à espera de um D. Sebastião que, embrulhado em capa de super-homem, a venha retirar deste estado amorfo de letargia. Porém, vá-se lá entender, se ele aparecer não será levado em boa conta, será expulso e corrido a pontapé.
E servi-me desta longa introdução para manifestar a minha indignação. O que vou escrever a seguir é um exemplo, entre outros, que mostra bem a apatia que reina em alguns sectores da vida profissional da cidade e que explica a causa deste grande lugarejo com várias capelas nunca passar da cepa torta. O Arménio Pratas é um reputado comerciante estabelecido na Rua da Sofia. Para além disso –que não é pouco, já diz muito da sua loucura, se tivesse juízo há muito tempo que tinha ido fazer outra coisa qualquer e largado o negócio- é um cidadão preocupado com a situação premente que o comércio tradicional atravessa.  Vai daí, há uns tempos, contactou a CPPME, Confederação Portuguesa das Micro Pequenas Empresas, para vir à cidade debater esta grave crise que se abateu na compra e venda de rua, incluindo a fiscalidade, o investimento e o crédito, a justiça e o apoio social, entre outros temas. A CPPME aceitou, com a promessa de vir o seu presidente João Pedro Santos, mas ainda fez mais, prometeu trazer consigo um experimentado fiscalista e reputado economista, Eugénio Rosa, ligado ao PCP. Ficou assente que seria feito um jantar-debate na sexta-feira passada, dia 22. O Pratas andou a semana toda a contactar Seca e Meca para que cada comerciante pudesse colocar a sua questão, reportando dúvidas, e, neste jantar com um custo de 10 euros por pessoa, ficasse minimamente esclarecido quanto ao presente nebuloso e futuro mais que certo na pobreza.
Segundo o Arménio, “cancelei o encontro por falta de interessados. Consegui 8 inscrições e 6 prováveis sujeitos a confirmação. Nunca mais me meto noutra! Já devia ter juízo, não achas?”


REFLEXÃO: LIVRAI-NOS SENHOR DO VINHO

 Vá-se lá entender por que caminhos tortuosos do destino se passeiam a ACIC, Associação, Comercial e Industrial de Coimbra. Todos os dias se ouve e lê sobre o estado calamitoso económico e financeiro a que chegou a maioria dos comerciantes. Há vários anos que da Avenida Sá da Bandeira nem uma simples lamentação deste facto se ouve pelas trovas do vento que passa. A semana passada, pelo Diário de Coimbra, ficou a saber-se que a ACIC, tal como em anos precedentes, realizou mais um concurso de vinhos. Será que estamos todos a ficar bêbados?












A "ERGUE-TE" CONVIDA



 "Teríamos muito gosto se pudéssemos poder contar consigo no concerto “Coimbra Solidária 2013”, no próximo dia 8 de Março, pelas 21h30, no Teatro Académico de Gil Vicente.
A receita de participação no evento reverterá a favor de três instituições da cidade, sendo uma delas esta Equipa com o seu novo Projecto: Estrutura de Emprego Protegido.

Os bilhetes poderão ser adquiridos através desta Equipa, na Avenida Fernão de Magalhães, nº 136, 3º Z, ou na bilheteira do TAGV.
Contamos com a sua presença.
Com os melhores cumprimentos,
M.ª Martinha Silva"

Equipa de Intervenção Social ERGUE-TE
(Fundação Madre Sacramento)
Avenida Fernão de Magalhães, nº 136, 3º Z
3000-171 Coimbra
Contactos: 239820090 | 917099202 | 927108271

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

VAMOS À LUTA?

Que se lixe a Troika, O povo é quem mais ordena


 No próximo dia 2 de Março, pelas 15h00, estaremos na Praça da República para acompanhar a manifestação “Que se lixe a Troika. O povo é quem mais ordena.”. Enquanto representação de classe profissional, marcaremos presença e engrossaremos as fileiras de descontentamento popular em Coimbra.
Ao longo da nossa existência de mais de meio-século, porque provimos de origens humildes e o trabalho foi a nossa escada para alcançar um legítimo bem-estar, nunca fomos muito de andar em arruadas e manifestações. Chegados até aqui, ao ano de 2013, cansados de tanto lutar, jamais imaginámos que iríamos mudar o nosso procedimento depois de velhos e já no epílogo da nossa vida. Infelizmente, pelas políticas continuadas de insensibilidade social onde o cidadão é cada vez mais um número de contribuinte e menos pessoa de regalias, onde o seu passado de criador de riqueza não conta, vemo-nos obrigados a isso mesmo, a ir para a rua gritar bem alto contra este Estado de confisco, e a mudar o nosso comportamento anterior. Tal como em 15 de Setembro, partilhamos este acto de cidadania com a convicção de que estamos a fazer o que devemos; pelos nossos filhos, pelos nossos netos; pelo Joaquim, pelo Simão, pelo Luís, pelo Henrique, pelo João, todos comerciantes tradicionais e que estamos a viver um momento conturbado da nossa história de trabalhadores que começaram a cortar trigo e joio desde crianças e ainda de cueiros.
No Sábado, dia 2 de Março, iremos à manifestação pelo Fernando, pelo Armando, pelo “Manel”, pelo Jorge, que enquanto proprietários de pequenos cafés nestes becos e ruelas, pelo aumento desmesurado do IVA e em completo sufoco financeiro, estão na iminência de cerrar portas nesta Baixa de Coimbra e engrossar a coluna do desemprego… sem subsídio. Se pensar do mesmo modo que nós, abaixo assinados, compareça e junte-se ao grupo. Somos poucos? Somos, de facto. Mas temos a convicção de que fazemos o que devemos. O espelho onde nos mirarmos amanhã, temos a certeza, não nos repugnará. Preferimos a luta à rendição pura e simples de braços caídos.
Sem querer dar conselhos a ninguém, temos de fazer alguma coisa. Chegou a hora de agir. Não podemos deixar-nos atropelar e sermos trucidados por este comboio onde viajam os eleitos prosélitos de uma classe que está a afundar este país quase milenar.

Luís Fernandes Quintans (Comerciante)
Sérgio Assunção Ferreira (Hoteleiro)
Armindo Gaspar (Comerciante)
José Reis (Hoteleiro)
Arménio Pratas (Comerciante)
Francisco Veiga (Comerciante)
Eduardo Carvalho (Comerciante)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

PERDIDOS




 Passavam poucos minutos das nove horas de um destes dias da semana. Entrei na Loja do Cidadão, no Largo das Olarias, subi ao primeiro-andar e caminhei em direcção ao departamento da Câmara Municipal de Coimbra. Levo na mão várias facturas de água para pagamento. Uma delas está com aviso de corte. Em redor deste posto de liquidação havia dezenas de pessoas que se acotovelam quase umas em cima das outras. Dirigi-me à máquina de senhas e constatei que já não era igual à mesma da última vez que nos tocámos. Perante o cardápio apresentado de serviços, por momentos fiquei baralhado. Em escassos segundos recobrei o sangue-frio e pensei para mim, que embora diferente, esta nova máquina não seria tão desigual da anterior e lá por ser detentora de muitas siglas não me venceria ao primeiro round. E extraí a senha correspondente ao serviço que me interessava. Entre o meu número em sorte e o que estava a ser atendido havia cerca de meia dúzia de entremeios. Encostei-me numa coluna, já que todos os bancos estavam ocupados, e dei em analisar as reacções de quem tentava relacionar-se com a máquina sem coração.
Já era senhora de idade, a primeira em que poisei o meu olhar examinador. Aproximou-se e olhou para o visor, em metáfora, da mesma forma que uma girafa olha para um palácio. Primeiro em apatia, a seguir, sem saber o que fazer, varreu com os olhos todos os lados em busca de uma ajuda amiga que a retirasse daquela aflição. Como estava atento fui em seu socorro e libertei a senha de acesso ao serviço correspondente. Chamava-se Maria –Maria, simplesmente, porque não queria publicidade-, tinha 80 anos. Quando lhe perguntei como se sentia diante de uma máquina que vai comandar as suas acções futuras, desabafou em palavras soltas e envolvidas de emoção: “sinto-me perdida, senhor! A anterior era mais simples. Esta é mais complicada. Quando me dirijo a serviços públicos tenho sempre de pedir auxílio. Deveria ser tudo simplificado tendo em conta as dificuldades das pessoas. Por que razões estão a tornar a vida tão complicada para nós mais velhos, senhor?”
Continuei atento a quem procurava tocar a máquina. Agora era uma mulher ainda nova. Vestia informalmente, com roupas baratas, e tinha um aspecto simples. Perante a maquineta, notei a mesma atrapalhação da velhinha. Como se estivesse paralisada, ficou parada diante do visor e sem saber o que fazer. Como bombeiro voluntário de ocasião, mais uma vez, saltei para o abismo da disfunção e amparei a senhora. Chama-se Susana –“não mais do que isso, por favor”, rogou-me-, tem 37 anos e está desempregada. “Perante estas novas formas de ordenar o atendimento público, sinto-me bloqueada, perdida num labirinto, entende? Estas coisas deveriam ser mais evidentes. Sinto-me mal. Experimento uma sensação de alguém que é diferente, como se fosse anormal. Diariamente, perante esta nova vaga dos computadores, sinto que, apesar de ainda ser nova, estou arredada destes tempos que teimam em nos atropelar. Sofro imenso, um incómodo crescente, como se fosse analfabeta e não soubesse ler. É triste, sabe? Sempre trabalhei em limpezas…”
Ao lado estava uma mulher de pernas cruzadas, bem torneadas e forradas com meias de rede, como se fossem armadilha para olhares masculinos, saia subida até meio da coxa, deixando adivinhar um paraíso inimaginável desconhecido, e botas de meio cano. Num rosto bem tratado onde se afugentam as rugas, uma pele sedosa que apetecia acariciar, os cabelos alourados, apanhados na nuca, emolduravam um raro quadro de beleza feminina. Não seria por mal, acreditei, mas tinha um ar superior que causava desprimor. Era como se fosse uma produção artística, sem idade previsível, de autor desconhecido, mas que teimava em impor-se aos demais. Enquanto falava com Susana, mesmo sem ser interpelada, abruptamente, metia-se na conversa. Prometi dialogar com ela a seguir. Chama-se Rosa. Tem 56 anos de idade –quem diria, pensei para mim, em solilóquio, com os meus botões e lancei um assobio silencioso. Trabalha com computadores. Para ela, estas máquinas são muito simples, mas, admite que para quem não está habituado pode ser um inferno. Concordou que tudo deveria ser naturalmente simples. Os humanos gostam de complicar tudo. Rematou em conclusão: “escreva lá que todos os serviços na Loja do Cidadão são péssimos!”. E eu, que normalmente até sou bem-mandado por qualquer um, não haveria de ser por uma beldade? Claro que escreverei, prometi. E cumpri. Cá fica.

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APELO PESSOAL PELO MOVIMENTO DE CIDADÃOS POR COIMBRA



CIDADÃOS POR COIMBRA APELO PESSOAL PARA RECOLHA DOS APOIOS QUE NOS FALTAM PARA O OBJECTIVO DOS 200 + CARTA ANEXA


Cara Cidadã Caro Cidadão apoiantes do “Movimento Cidadãos por Coimbra”.

Como foi informado anteriormente, amanhã, quarta-feira, pelas 20h00, termina o prazo para recolha de apoios a enviar aos Órgãos de Comunicação Social para divulgação e como mobilização para a sessão pública de 4 de Março -de amanhã a uma semana, pelas 19h00, no Café Santa Cruz. Estamos perto do número que procuramos atingir. Se cada um de nós fizer, desde já, junto dos seus (familiares, amigos, colegas, conhecidos) um ligeiro esforço nesta recta final, conseguiremos esse número e mesmo ultrapassá-lo. .

É o que lhe solicito agora - cidadaos.coimbra@gmail.com

Coimbra é a Nossa Causa!

Cidadão José Dias

(um dos 4 cidadãos que integram a coordenadora de Cidadãos por Coimbra )


Carta às Cidadãs e aos Cidadãos de Coimbra

Coimbra é a nossa causa!

É urgente elevar Coimbra a um nível de ambição que, nas últimas décadas, não foi atingido. É esse o nosso compromisso. Queremos concretizá-lo pondo em marcha sete ideias fundamentais.

1. Uma Coimbra das cidadãs e cidadãos - É nossa ambição tornar Coimbra um concelho que aprofunde a democracia representativa através do exercício alargado da democracia participativa, que promova uma cultura de apresentação pública, de responsabilização e de prestação de contas das decisões camarárias estruturantes da vida da cidade e do concelho. Temos também a ambição de garantir intransigentemente a todas as cidadãs e cidadãos do concelho aquilo que lhes pertence e que não pode ser privatizado, como esse bem essencial que é a água.

2. Uma Coimbra heterogénea e plural - Coimbra é um território de enorme variedade geográfica, demográfica e identitária. Ambicionamos uma governação municipal atenta à riqueza contida na variedade socioeconómica e cultural das suas freguesias urbanas, periurbanas e rurais. Sem perda das suas identidades próprias, o projeto de Coimbra do futuro tem de ser feito com esse mosaico de existências, não com o seu esquecimento ou marginalização. A dotação de infra-estruturas básicas não pode deixar de chegar a todas as famílias de todos os recantos do concelho. Coimbra não pode permitir que a heterogeneidade da sua geografia possa traduzir-se em formas desiguais de acesso a serviços e equipamentos básicos da moderna condição cidadã dos seus munícipes.

3. Uma Coimbra culta e inteligente - Com ambição, assumimos a cultura – incluindo a tradição, o conhecimento e a criação artística – como factor de desenvolvimento e de criação de riqueza no concelho. Temos vindo a assistir a uma progressiva perda de importância de Coimbra nesses planos. Queremos colocar o sector criativo no centro da estratégia de afirmação nacional e internacional de Coimbra. Por isso, apostamos na cultura e nas artes performativas, visuais e do digital, nas indústrias do conhecimento, na música, na arquitectura, na escrita, no design, na rádio e na informática. Queremos dotar os equipamentos de cultura dos recursos financeiros, humanos e técnicos indispensáveis a um funcionamento próprio de uma Coimbra ambiciosa.

4. Uma Coimbra justa e amiga - A nossa grande ambição é combater com todo o vigor a degradação das condições de vida de grande parte das cidadãs e cidadãos de Coimbra. Queremos estancar o desemprego e o seu aumento explosivo em todo o concelho. Mas também a pobreza e a exclusão social. Queremos uma Câmara Municipal com ousadia na promoção da inclusão social e na garantia do cumprimento dos direitos humanos. Para nós, ambição é fazer de Coimbra um concelho acolhedor e amigo das crianças e dos mais velhos, mas que mostre também orgulho nos jovens que aqui residem, trabalham ou estudam, assim como naqueles que foram forçados a abandonar Coimbra e a viver longe.

5. Uma Coimbra séria, um município transparente - O excesso de construção, a flagrante falta de planeamento urbano e um licenciamento casuístico só servem os interesses especulativos do sector imobiliário. Ambição é parar a captura de Coimbra por parte do negócio da construção. É assumir a responsabilidade de recuperar o património edificado e proporcionar habitação de acordo com os rendimentos dos cidadãos e das famílias. Ter ambição é apostar na dimensão ética da gestão camarária. É erradicar a corrupção encapotada na política de solos, licenciamentos e revisão de planos urbanísticos.

6. Uma Coimbra equilibrada e sustentável - Ambição é saber valorizar o património ambiental desperdiçado. É cuidar da política energética e ambiental. É proteger espaços e equipamentos, desde a rede hidrográfica do concelho ao tratamento de resíduos. Ambição é ainda dotar Coimbra de uma rede densa e de melhores transportes para facilitar o acesso ao trabalho, à escola, ao centro de saúde. É também tornar mais fáceis as ligações entre a cidade e o seu território de influência. Coimbra perdeu a ligação ferroviária da Lousã e o metro de superfície. Ficou com duas crateras a céu aberto que vieram juntar-se a Coimbra “A” e “B” e que gritam por uma solução urgente. Ambição é não continuar a refugiar-se nas responsabilidades de outros.

7. Uma Coimbra com memória e ousadia - Coimbra tem de combater a desmemória que banaliza a sua história e torna trivial a rebeldia política e cultural de há décadas. Mas sem nostalgia nem passadismos. A memória e a tradição têm de ser modernizadas para fazerem parte do projeto de futuro que ambicionamos para Coimbra-cidade e Coimbra-concelho. Ambição é, também, resgatar a Baixa da cidade e tirá-la do seu estado de marasmo e agonia. É devolver-lhe dinamismo no comércio, nos serviços, na componente residencial e na convivialidade cívica. Ambição é pôr a cidade de corpo inteiro na agenda do turismo e ter ousadia no entendimento do que pode ser uma cidade Património da Humanidade.
Coimbra, a cidade e o concelho, merecem mais e melhor. Merecem não continuar a ser tratados como mero objecto de disputa partidária. Merecem outra governação. Mais democrática e mais ambiciosa. É este o nosso compromisso.
Coimbra é a nossa causa!

(RECEBIDO POR E-MAIL COM PEDIDO DE DIVULGAÇÃO)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O MEU MELHOR AMIGO MORREU





 Há cerca de oito meses o Daniel Tibério veio ter comigo e disse: “se algo me acontecer proximamente, ajuda a orientar a minha família. Não tenho mais ninguém a quem recorrer. Só tu podes valer à minha Helena e ao meu filho!”. Quase de sorriso nos lábios, o meu melhor amigo confessava-me que tinha um tumor na cabeça, um cancro, como vulgarmente se diz. E para piorar, maligno, em estado avançado e sem possibilidade de intervenção cirúrgica. No último domingo, de manhã, o meu amigo de sempre foi encontrado sem vida, em frente ao seu estabelecimento: o Café Trianon.
Embora tudo leve a crer que foi suicídio –tinha um revólver na mão direita-, tenho as minhas reticências. Não por não crer que foi de facto, sei que foi mesmo, mas porque me nego a acreditar. Não consigo compreender. Há cerca de 15 dias o Daniel esteve a falar comigo e nada fazia adivinhar este final trágico. Mais ainda: se o meu melhor amigo fazia tensões de acabar com a vida, e sabendo que eu seria o amparo da família depois do seu desaparecimento, sobretudo no seu estabelecimento, não seria lógico colocar-me ao corrente de assuntos do seu negócio? Estranho, digo eu que não percebo nada de comportamentos humanos e cada vez me sinto mais perdido no meio dos homens. O que sei é que vou sentir muito a sua falta. Nunca mais terei um amigo assim, um chegado que confiava em mim como já não há hoje igual. A Praça Machado de Assis, onde se situa o Café Trianon, depois da sua partida repentina, nunca mais voltará a ser a mesma. Quanto a mim, tal como lhe prometi em vida, tudo farei para que nada falte aos seus mais próximos, ao seu filho, e sobretudo, ao seu grande amor da sua existência: a sua Helena. “The show must is go one”, o espectáculo tem de continuar. Nesta roda raiada, que é a existência, vão caindo raios e sendo substituídos por outros até ao crepúsculo da vida de cada um de nós. Assim será eternamente. Até sempre, Daniel! Vais fazer-me falta, carago. Ao menos podias ter-te despedido de mim. Pronto!, estás perdoado. Descansa em paz, meu amigo!

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "INDEPENDENTES CONCORREM À CÂMARA", deixo também as crónicas ""FAZ FALTA UM NOVO 25 DE ABRIL""; "A MARIZINHA FEZ ANOS"; "ABCC: A MENINA JÁ TEM NOME"; e "REFLEXÃO: POR QUEM AS VELAS DOBRAM?"


INDEPENDENTES CONCORREM À CÂMARA

 Segundo o amplamente noticiado nos últimos dias nos jornais locais, com a sigla “Cidadãos por Coimbra”, vai avançar uma candidatura independente concorrente à Câmara de Coimbra nas próximas eleições autárquicas, em Outubro.
Acompanhado de um manifesto político, está a ser enviado um texto assinado a um largo espectro de conimbricenses. É subscrito por Ana Pires, geógrafa, José Dias, técnico de turismo, Miguel Cardina, historiador, e Olinda Lousã, bancária. Dividido em sete pontos, o documento enuncia “Coimbra é a nossa causa”; “Uma Coimbra das cidadãs e cidadãos”; “Uma Coimbra heterogénea e plural”; “Uma Coimbra culta e inteligente”; “Uma Coimbra Justa e amiga”; “Uma Coimbra séria, um município transparente”; “Uma Coimbra equilibrada e sustentável”; “Uma Coimbra com memória e ousadia”. Para além disso, o testemunho convida todos a apoiar enviando a sua inscrição para o endereço eletrónico cidadaos.coimbra@gmail.com e a participar nesta sexta-feira, dia 22, pelas 21h30, na Galeria Bar de Santa Clara, onde serão explanados os motivos desta pretensão à edilidade, e ainda solicita a comparência na apresentação pública, no dia 4 de Março, segunda-feira, pelas 19h00, no Café Santa Cruz.
Este movimento, apoiado na sua génese por vários professores universitários, reconhecidamente envolvidos na cultura da cidade, bancários, funcionários de seguros, empresários e outros que não se reveem nas já anunciadas candidaturas, são oriundos de partidos de esquerda, desde o Bloco ao Partido Socialista, e da direita, até ao Partido Social Democrata e contando com alguns liberais sem vinculação partidária definida. Ao que julgo saber, a apresentação desta moção ser feita no coração da Baixa não é totalmente inocente. Pretende-se a adesão maciça de comerciantes desta zona que, para além de não se identificarem com os candidatos propostos que na última década concorreram para o estado lastimoso desta parte da cidade, se sentem abandonados e procuram uma outra alternativa para os seus anseios.


“FAZ FALTA UM NOVO 25 DE ABRIL”

 Junto à estátua de Joaquim António de Aguiar, no Largo da Portagem, o “outdoor” pertencente ao MAS, Movimento Alternativo Socialista, em rodapé, ostenta a seguinte mensagem: “Faz falta um novo 25 de Abril”.
Como ressalva, antes de prosseguir, gostaria de deixar bem vincado que não sou saudosista e não tenho a mínima simpatia pelo tempo da “outra senhora”. Olho para essa época e para todos os seus intervenientes políticos, para o bem e para o mal, apenas como referentes históricos. Não tenho por costume dizer que “antigamente é que era bom!”. Aliás, irrita-me solenemente esta frase, sobretudo porque sou filho de gente muito humilde e, juntamente com os meus pais já falecidos, sofri muito para chegar ao bem-estar dos nossos dias. Mas, se por um lado não enalteço os três quartos do século XX, por outro lado, também não uso de escarnecimento para me referir a esse período da vida portuguesa. Para além de ter nascido em 1956, portanto ainda numa fase difícil do após-guerra, conheço um pouco da nossa história de Portugal, essencialmente o estertor da Monarquia, partir de 1861, e o que se passou com os três últimos Reis de Portugal. Sei também o que se passou no limiar da 1ª. República até ao golpe militar de 1926 que lhe pôs fim e, nesse ano, chamou Salazar para ministro das finanças por alguns meses, porque o país desde 1892 que continuava na bancarrota e sem crédito no exterior. Se os últimos Reis de Portugal, especialmente D. Luís e D. Carlos, viveram à tripa-forra, acima das suas possibilidades e pedindo cada vez mais dinheiro ao Parlamento para os seus gastos próprios, e também com Fontes Pereira de Melo a gastar o que não havia e a hipotecar a Nação, já na República foi o regabofe que se conhece, onde caíam mais rápido governos que estrelas no céu. Isto tudo para dizer que, se todo o homem é resultado da sua circunstância, do meio em que nasceu e viveu, compreendo que o Estado Novo, a partir de 1933, tendo em conta a situação das finanças nacionais e os ventos autoritários dos países em redor, não poderia ter tido outra forma de atuar. Ao escrever assim, não quer dizer que teça loas à sua forma de governar. O que quero dizer é que, perante os antecedentes, sem mão de ferro, dificilmente se teria conseguido alavancar as Finanças Públicas até ao superavit. Foi muito duro para quem pensava diferente? Não tenho dúvida nenhuma. Particularmente depois de 1945 já com a nova Pide a cercear a liberdade de expressão e os presos políticos a serem condenados em tribunais plenários sem julgamento justo. Deveria o regime ter sido mais abrangente para a Europa e menos protecionista e isolado? À distância de mais de meio-século, certamente que sim, mas, nos dias que correm, nos antípodas, com a abertura total de fronteiras e a globalização, começa a dar que pensar até que ponto Salazar estaria totalmente errado. De outro modo, em face do clamoroso falhanço das políticas económicas atuais de livre comércio, nem me surpreenderá nada se, a breve prazo, estivermos a caminhar para o mesmo, ou seja, para a proteção plena da nossa indústria e, por consequência, também o comércio interno.
Há cerca de 20 anos, mais propriamente em 1989, Fukuyama, um filósofo nipo-americano da era Reagan, profetizava o Fim da história –na linha de Hegel, em que a partir do momento em que a humanidade atingisse um equilíbrio entre o liberalismo e a igualdade jurídica ocorreria este final. Estava criado o paradigma com a queda do Muro de Berlin, o fim da Guerra fria, e a agonia do comunismo e do fascismo, surgiria o advento do capitalismo, com o mercado livre em toda a sua pujança como sinónimo de felicidade societária. Passados 24 anos o que resta deste climax de contentamento? O termo de um curto ciclo intermédio ou o início de uma nova história em sentido ascendente? Onde tudo o que foi conquistado nestas duas décadas nos está a ser retirado pela força coerciva dos governos e o Estado surge como opressor, ditador, controlador e inimigo público. Mesmo na liberdade de expressão e ao aceitar denúncias anónimas não está muito diferente do antigo regime. Nestes mais de 20 anos conseguimos uma plena igualdade social e jurídica? Sim, no papel, plasmados em direitos, liberdades e garantias, mas na prática nunca foi efetiva. O poder económico do cidadão sempre falou mais alto na hora da sua defesa pessoal, quer na saúde, quer na justiça. Ao longo destas duas décadas, com o sufrágio sufragado no voto, foi criada a ilusão de que o cidadão detinha poder. Perante o esboroar dos direitos constata-se o vazio da ideologia individual e o retomar de teses coletivistas absolutistas. Assistimos ao entrosamento do Estado na categoria de imperador e o cidadão a passar a súbdito subserviente. Por outro lado, e este é o verdadeiro problema, vimos que apesar deste exacerbado poder subtraído às massas populares o Estado-Nação, enquanto parte de um contrato social, está cada vez mais fragilizado, desorganizado e impossibilitado de prestar serviços básicos, e sem controlo na sua própria administração –veja-se o que está a acontecer com as autarquias. O sistema transformou-se em ambivalente e clientelar para os seus prosélitos. Curiosamente, já se viu isto mesmo nos finais do século XIX e princípios do seguinte.
Tinha razão, ainda que teoricamente, Salazar? Tinha! –Afirmemos sem inibição, ainda que custe a muitos aceitar este axioma, verdade sem contestação. O princípio estava, e continua, correto. E se alguém duvida, a experiência veio ratificar isso mesmo: a economia de livre mercado, sem regulação por parte do Estado, conduz a distorções, a orientações de abuso de posição dominante, por parte do mais forte economicamente e ao extermínio do mais fraco. Na forma, sabemos todos, são necessários reajustamentos, na medida em que não se pode cortar verticalmente com o exterior, a esmo, sem ponderação.
Tem razão o MAS, Movimento Alternativa Socialista, em pedir outro 25 de Abril? Tem, mas de pouco lhe vale ter! Agora só há capitães da areia, apoiados pelo mar. Do povo, perdido e que nem sabe o que quer, já não reza a história. No entanto, a pedir reflexão, não deixa de ser irónico um movimento de esquerda vir reivindicar uma nova revolução em plena democracia. Só quer dizer que, pelos resultados obtidos, os pressupostos que a sustentam estão errados e, mais que certo, reporta-nos para outros tempos.


A MARIAZINHA FEZ ANOS

 Na terça-feira da semana passada, não se sabe como, os muitos amigos da “Mariazinha”, a diretora técnica da botica com o mesmo nome, que tem sempre uma pomada só comparável ao melhor placebo do mundo e que cura todos os males do corpo e da alma, na Rua do Almoxarife, decidiram fazer-lhe uma surpresa. Vai daí, depois das 19h00, um grupo de comerciantes, à porta do seu estabelecimento, a “Tasca da Mariazinha”, mais conhecido na Baixa que a Universidade, com um apetitoso bolo, cantaram os parabéns à feliz aniversariante. Bem sei que deveria indicar o número de primaveras que já percorreu, mas, olhando para as rugas da sua fronte, nem preciso. Calculo que andará à volta da “ternura dos quarenta”. Para a posteridade ficou o registo de “um beijo que te dei” trocado entre a Maria e o Jacinto, o marido. No dia seguinte, esta beladona da rua estreita, teve também direito a uma serenata tocada e entoada numa canção original cujo poema falava da sua casa comercial e de um ambiente que ainda há poucos anos existia na Baixa e desapareceu nas brumas do silêncio. E a Mariazinha chorou.



ABCC: A MENINA JÁ TEM NOME

 Depois de 12 meses de gestação –o mesmo tempo que as mulas demoram a parir-, finalmente o projeto de associação de benemerência para os profissionais de comércio já tem nome e está registado: Associação de Beneficência ao Comerciante de Coimbra (ABCC).
Como se sabe, o nome proposto seria “Casa do Comerciante da Cidade Coimbra” mas tal denominação não foi aceite. Agora, nos próximos dias, os passos seguintes serão a constituição da associação no cartório notarial e promulgação em Diário da República.
É natural que se estranhe toda esta lentidão em torno deste processo, mas reflitamos: por um lado, já vimos que, na analogia, uma mula é pachorrenta, nasce devagar e caminha ao ralenti; por outro, pegando nas palavras do ministro nipónico de que os velhos deveriam morrer para não causar despesa ao Estado, dá para ver que quanto mais se demorar este processamento mais comerciantes vão morrendo e, se continuar na mesma velocidade, qualquer dia, quando se inaugurar a ABCC já não é necessária. 


REFLEXÃO: POR QUEM AS VELAS DOBRAM?

 O Arménio Pratas, comerciante na Baixa, faz lembrar um D. Quixote a lutar contra as velas do desânimo que alastra por estas bandas. Para debater a desgraça que se abateu sobre o comércio tradicional, e inserindo outros temas como a fiscalidade, o crédito e o apoio social, convidou a CPPME, Confederação Portuguesa das Micro Pequenas e Médias Empresas a vir a Coimbra debater estes problemas que atrofiam toda a classe. A CPPME disponibilizou-se e, para além do seu presidente João Pedro Soares, prometeu trazer consigo a Coimbra Eugénio Rosa, doutorado em economia e ligado ao PCP. Ficou marcado para hoje, sexta-feira, dia 22, um jantar-debate. Há hora em que encerramos a edição, o Pratas, como jumento feito caminheiro de causas perdidas a bater a todas as lojas, tinha conseguido uma dúzia de inscrições por parte de comerciantes. Em face deste malogro, podemos especular três possíveis interrogações: 1-Os comerciantes não veem no Arménio vocação para pregador; Os comerciantes temem que, pela filiação de Rosa, os comunistas ainda comam mercadores ao jantar; Os comerciantes, afinal, até estão bem de vida. Para quê discutir a sua situação?


sábado, 23 de fevereiro de 2013

"DIÁLOGO COM OS CIDADÃOS"?



 Passava cerca de um quarto de hora depois das nove, da última sexta-feira, quando transpus a porta do hall de entrada que dá acesso à Sala dos Capelos, da Universidade de Coimbra. A azáfama era enorme com muitas pessoas, pela fisionomia presumo que estrangeiras, a acotovelar-se para aceder ao grande salão de cerimónias. Pelo ambiente formal, presumia-se a recepção a uma grande celebridade. Talvez um alto dignitário da Igreja, quiçá um grande chefe de estado. Pelo anunciado na imprensa e pelos convites formulados, sabia-se quem era a visita célebre: Viviane Reding, vice-presidente da Comissão Europeia, Comissária Europeia da Justiça, Direitos Fundamentais e de Cidadania.
Atrás de uma enorme secretária, duas moças bonitas, bem maquilhadas e vestidas de fato a rigor, faziam a triagem de quem entrava para o recinto que foi palco das Cortes de Coimbra em 1385 e aclamou D. João I de Portugal. Enquanto aguardava a vez, de soslaio, mirava os fatos de bom corte, quem sabe Armani, e comparava com a minha indumentária simples. Chegou a minha vez. “O seu nome, por favor? Inscreveu-se pela Internet?” –interrogou-me a bela mulher sem me olhar nos olhos e puxando de uma listagem de nomes. Riscou o meu apelido no papel e entregou-me um saco de asas, resinado de cor branca, com uma tarja cor de laranja de um lado e, junto ao logótipo europeu de fundo azul e doze estrelas, onde se poderia ler “Tem a ver com a Europa; Tem a ver CONSIGO. Participe no debate. Ano Europeu dos Cidadãos 2013 www.europa.eu/citizens-2013”. No reverso do saco, em letras gordinhas, “Diálogo com os Cidadãos – Coimbra, 22 de fevereiro de 2013”. Dentro da sacola, um caderno de apontamentos de argolas, com as mesmas inscrições repetidas, uma esferográfica, uma pen, e um livro emitido pela Comissão Europeia, com o título “Mais Cidadão” onde ao longo de 27 páginas se explicava como “ser cidadão” deste velho continente e novo agrupamento de estados geminados.
Na entrada da Sala dos Capelos mais uma bela mulher me interpelou sem olhar duas vezes para mim e informando-me que, como estava inscrito, o meu lugar era à frente, na plateia. Transpus a porta do opulento e magnífico compartimento, ainda meio vazio mas pleno de câmaras de filmar, em direcção a uma das filas primeiras e acomodei-me junto a um amigo que encontrei por acaso. À minha frente, num pequeno anfiteatro estavam duas cadeiras, uma vazia, certamente à espera da convidada, e outra ocupada com uma “boneca”, que me pareceu humana e reconhecer da televisão. Alta, corpo escultural, rosto de cera, e com olhar fixo e frio no grande portal que, dentro de alguns minutos, seria atravessado por Viviane Reding -rainha de Bruxelas, considerando Durão Barroso, o presidente, o rei.
Todos os bancos da plateia e alguns cadeirões do balcão foram sendo ocupados e bateram as 10 badaladas na velha cabra. Naquele cenário de filme holliwoodesco, a me fazer lembrar o filme Cleópatra, a todo o momento, saídas do nada, eu esperava ver aparecer longas trombetas douradas a debitarem som para anunciar a iminente entrada de Elizabeth Taylor, com toda a sua imponente beleza e majestática pose em princípios da década de 1970. A “boneca de cera”, como vigia de torre de menagem, continuava de perna cruzada, de atalaia, e só tinha olhos para a porta grande. Bateram as dez badaladas na velha torre e finalmente mostrou ter vida, levantando-se.

E ENTRA A GRANDE DIVA

 Sem música, mas em passo solene, à frente de um pequeno séquito, entrou a nossa futura presidente da Comissão Europeia –se Deus Nosso Senhor lhe fizer a vontade, porque penso que este é o desejo maior que a senhora mais aspira. Como a generosidade do Pai Nosso é grande, nunca se sabe. O cortejo precedente da eleita de todos os olhares era constituído pelo Magnífico Reitor, João Gabriel Silva, Vital Moreira, constitucionalista, Mário Ruivo, deputado no Parlamento, Manuel Porto, presidente da Assembleia Municipal, um deputado luso-luxemburguês e outro acompanhante que não reconheci.
A “boneca de cera” deu as boas vindas a Viviane Reding, que por escassos momentos se sentou, e os restantes seguidores tomaram os seus lugares à sua volta. Como num fórum romano, o reitor ocupou o cadeirão principal do imperador. Coube-lhe o primeiro discurso, curto e com alguns atropelos à língua portuguesa, mas que ninguém notou, porque, incluindo os jornalistas, só estavam presos na representante europeia e não viam mais nada a não ser o supérfluo, os disparates e o que pouco importa aos cidadãos. Como já vem sendo hábito, na tradição ritual destas festas na Universidade, no país, o que importa mesmo é a forma, cerimoniosa de receber, o fazer de conta, a postura, a prestação de vassalagem a quem nos atropela e ajuda a mandar para as catacumbas da perdição – a fazer lembrar a ocupação espanhola de 1580 a 1640- e pouco a substância.

A GRANDE BARRACA

 Com uma organização medíocre, este encontro começou logo mal. Através de convite, através da Internet, a representação da Comunidade Europeia em Lisboa convidava a que se formulassem perguntas por e-mail. Seria de supor que quem as formulou teria preferência no debate. Numa explicação muito tosca, em que não se percebeu o que iria acontecer, os presentes começaram a surfar a onda. Depois a “boneca de porcelana” informou que quem quisesse participar que colocasse o braço no ar… mas não disse quem iria tomar conta destas inscrições. E os candidatos a intervir no plenário, olhando uns para os outros, ficaram de braço no ar em castigo e à espera que alguém, não se sabendo quem, tomasse nota da inscrição. Sem ser declarativo, ficou a saber-se que era a jornalista que embirrei em chamar “boneca de porcelana”. Sem ordem na intervenção, só pela persistência de alguns, em que me incluo, foi conseguido ter voz num debate cujo tema era, lembro, “Diálogos com o Cidadão”.
Mas a barraca ainda só agora estava a começar. A musa encantada luxemburguesa, de casaco azul e calça ligeira de executiva, não parava um segundo no mesmo lugar e sempre a distribuir charme na assistência. Como debutante a dançar a valsa de Strauss, Viviane Reding era o centro de atenções gerais. Havia um pequeno problema: falava em inglês e não havia tradução à vista. Passaram 15, 30 minutos, e eu, mentalmente dividia-me entre amaldiçoar o meu francês que sempre gostei ou, como deputado no ex-parlamento soviético, levantar o braço à espera de atenção. Acabei por me inclinar por esta opção. Durante um quarto de hora, tal como outros, mantive o braço no ar. Foi dada a palavra a um cidadão no fundo da sala e ele interrogou da razão de não haver tradução. Pergunta a “boneca de porcelana”: “não tem tradutor automático? Mas olhe que há tradução!”. E viram-se umas “bonecas de corda” a correr para a entrada, a toda a pressa, para irem recolher os aparelhos e distribui-los aos espectadores dentro da sala. À frente eu continuava de braço no ar, à espera. Finalmente, passados 40 minutos, tive direito a um objecto reprodutivo, entregue em mão sem ser ligado. Claro que para as “bonecas” mirabolantes, certamente, no seu pensar, este público presente eram cidadãos europeus, com toda a sua carga de enorme sabedoria e responsabilidade. Para além de deverem falar três línguas -como deu a perceber a comissária- deveriam tratar por tu aqueles pequenos “aparelhómetros”. Se assim não era, só podiam ser habitantes de outro qualquer continente, talvez sul-americano, sem ofensa para os ditos. Azar danado para mim: para além de não falar bem uma única língua, o meu retransmissor não ligava.
Mas uma infelicidade nunca vem só, que o diga o professor Norberto Canha que legitimamente quis intervir lendo uma carta à flor do Luxemburgo. Não se sabe bem porquê, especulo que a “boneca de porcelana”, ali transformada em polícia de trânsito, às tantas teria pensado que o antigo director dos HUC, Hospitais da Universidade, queria fazer uma declaração de amor a Viviane e não foi de modas: cortou a conversa. Ali não se poderiam ler mensagens escritas. E o meu amigo Canha, que, apesar de ser doutor, normalmente é muito refilão, amuou, aceitou e não contestou. O problema é que, neste ano da inclusão e em que o cidadão europeu parece merecer respeito, logo a seguir, salvo erro do Luxemburgo, por videoconferência, uma deputada local, sentada ao lado do homem mais rico da siderurgia, leu uma carta, à vontade, e ocupou o tempo que bem quis.
Isto tudo para dizer que estivemos perante uma grande encenação. A senhora Viviane Reding, por mérito próprio, tem lugar na galeria dos maiores políticos mitómanos que não deixam história neste Parlamento e Comissão Europeia. Às perguntas formuladas, em que me incluo, nunca respondeu objectivamente nem coisa que se entendesse como segundo rosto da Comissão. Ao perguntar-lhe, enquanto Comissária Europeia da Justiça, dos Direitos Fundamentais e da Cidadania, como entendia que um empresário que trabalhou toda a sua vida, criando riqueza, sacrificando a família, nesta altura em vias de cair na indigência, não tenha direito a subsídio de desemprego? Respondeu zero. Ao meu convite para, na minha companhia, visitar alguns comerciantes que estão com um pé na pobreza na Baixa de Coimbra esqueceu. À questão de uma jovem estudante, sobre o corte das bolsas, e que deveria ter sido formulada por Ricardo Salgado, o presidente da Associação Académica de Coimbra, a vice-presidente preferiu embarcar na demagogia dizendo que “os jovens têm uma herança pesada!”
E chegou-se ao final de duas horas para esquecer, onde, em paradigma, ficou bem patente o servilismo dos portugueses perante o governo europeu. Na parte final, calhou a partitura musical a Manuel Rocha, presidente do Conservatório de Coimbra e candidato a líder da Assembleia Municipal pela CDU, à frente dos seus alunos a tocar e a cantar o Hino da Alegria. Aposto que alguns presentes, quando o viram, ficaram lívidos e a interrogar-se: “será que ele vai executar a Grândola Vila Morena?”



BOM FIM-DE-SEMANA, GENTE DE ESPERANÇA

A ÁGUA, O VINHO E OS DIREITOS HUMANOS

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)


 POR JOSÉ XAVIER NUNES

 Gosto muito de reticenciar os meus textos para deixar sempre uma margem de manobra para algum recalcitrante que me queira vir chatear o juízo. É normal! Ou não devia ser? É suposto as pessoas que vivem em regimes ditos democráticos e livres habituarem-se a ouvir o que gostam e o que não gostam. Parece que não é o caso cá na aldeia (global)... Dizem alguns para irem fazendo dos outros simples aldeões.
Isto vem a propósito da água e do vinho. Ou não vem?! Seja como for cá vai. O acesso água é um Direito Humano! Por muito que custe a quem explora um bem que é de todos, a água que eu bebo, nunca deveria ter o dever de a pagar. Por outro lado se me quiser emborrachar acho bem que tenha de pagar, mas neste caso muito bem... Mas mesmo muito bem! O ridículo é que por vezes o vinho é mais barato que a água.
O que se diz na Carta dos Direitos Humanos pouco mais é do que se escreve nos Dez Mandamentos. Custa ouvir isto? Pois também me custa pagar a água de que necessito para beber e cozinhar... sabendo que é um Direito que me assiste enquanto habitante deste planeta. Se quisesse depois encher a piscina para ensopar os tomates, então que pagasse... mas pagasse bem mesmo! Pelos vistos não é bem assim. Enquanto uma parte maior da Humanidade sofre os horrores da sede, aquelas sempiternas minorias alcandoradas a deuses enchem piscinas e regam jardins. Muitas das vezes com as mais destacadas plantas de sítios longínquos que nem chegam a perceber na sua curta vida o que por ali fazem. Talvez seja o nosso defeito de não percebermos patavina de plantas, animais e outras coisas da natureza... Até da nossa!
Que tal a constituição de uma carta dos Direitos das Plantas? É uma ideia maluca? Ainda bem! Sempre foram os loucos que fizeram avançar o mundo. O primeiro maluco que pôs a mão no fogo queimou-se... Ainda alguém se lembra disto? Pois é, já foi há muito tempo e a nossa memória é curta... até para os Direitos Humanos, quanto mais para os Dez Mandamentos!!
Esses artistas da globalização que revejam lá muito bem os Direitos Humanos, com os arautos do costume à cabeça, porque a água é de todos e ninguém pode andar a lucrar com a minha sede e a minha necessidade de cozinhar. Acho muito bem que o taberneiro enriqueça com as bebedeiras dos outros, o Estado gaste milhões em medicamentos para curar cirroses, que a ciência progrida no fabrico de fígados artificiais, ou que os mais mal afamados os fritem como iscas. Mas, amigos da onça (gobalizadores) a água é minha.
Claro que não perceberam nada do que eu disse... É normal, porque saber viver em liberdade não é ir bombardear países de outras latitudes para salvar a nossa; é ouvir, quer se goste ou não, o que têm para dizer os que vivem nas nossas latitudes.
E pensar é uma latitude...

SER OU NÃO SER...



São 9h30 na torre sineira da Igreja de Santa Cruz. Dois franceses discutem entre si uma questão que os ultrapassa:. Diz um: "achas mesmo que esta catedral é Panteão Nacional? Não pode ser! Mostra aí o guia!".
Replica o outro: "é sim! Olha aqui!" -e aponta para a página do pequeno livrinho turístico. Comecei a balouçar entre o intervenho não intervenho na conversa? Achei melhor bater em retirada. Senti vergonha como as nossas autoridades tratam a monumentalidade e nossa história.