sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A DEGRADAÇÃO DOS CENTROS HISTÓRICOS-1





  Organizada pela Pro Urbe, Associação Cívica de Coimbra, em colaboração com a Plataforma Artigo 65, movimento de defesa do direito à habitação, está a decorrer na Lusa Atenas uma iniciativa, cujo lema para discussão é: “Vamos falar sobre habitação (em Coimbra)?”.
Pegando neste tema, vou falar, como quem diz escrever, sobre a (sobre)vivência dos centros históricos das cidades, que, como todos julgamos saber, os seus problemas estruturais são comuns e atravessam transversalmente todo o país.
Como se sabe, o COMÉRCIO de rua, dito de tradição, e a HABITAÇÃO são o sustentáculo destas zonas de antanho. Metaforicamente, imaginando um corpo humano, são as suas pernas que o fazem locomover-se. E, uma depende da outra, são o garante de estabilidade do tronco. Se uma, anemicamente, estiver debilitada, essa fraqueza, por simpatia, transmite-se à outra e, inevitavelmente fará ruir o corpo. O grave e até incompreensível é saber-se que ambas estão debilitadas e, administrativamente, nada se fazer –a não ser aflorar-se ao de leve. Não se vislumbram soluções radicais, mas antes um injectar, aqui e acolá, de pequenos analgésicos, que, sem irem ao fundo da doença, apenas protelam e adiam a dor do moribundo em estado vegetativo.
No tocante à HABITAÇÃO, o problema já vem muito de trás. Começou há muitas décadas, no início da 1ª República . – Atente-se, a título de curiosidade, que o Código de Seabra -primeiro Código Civil Português que veio reunir num só livro toda a legislação esparsa que existia no reino, nomeadamente algumas regras do "Corpus Iuris Civilis" e nas Ordenações do Reino- era muito mais claro e liberal do que os subsequentes, que se viriam a tornar no cancro social das sociedades vindouras.
Como disse em cima, os verdadeiros problemas começaram com a Implantação da República. Aí nasceu a vontade política, em proveito partidário, para captar facilmente simpatias e votos, o vício demagógico de se conseguir efeitos imediatos junto das populações paupérrimas e empobrecidas por uma monarquia nobiliárquica e insensível à distribuição da riqueza entre a população.
Com a implantação da bandeira Republicana veio logo a seguir, em 11 de Novembro de 1910, o congelamento das rendas, no domínio urbano, pelo prazo de um ano, assim como artigos, em diarreia, no sentido de garantias absurdas aos inquilinos e retirando, na prática, aos proprietários o seu legítimo direito de propriedade, espírito consignado na Revolução Francesa de 1789.
A Grande Guerra de 1914-1918 viria a constituir o motor fundamental nas intervenções legislativas do arrendamento e mais uma vez com novos congelamentos.
Embora com uma grande reforma em Junho de 1948, todo o espírito subjacente numa série de preceitos, nomeadamente a transmissão por morte e a caducidade do contrato, transitaram para o “novo” Código Civil de 1966. Neste Código manteve-se a suspensão das avaliações fiscais prescritas em 1948 para Lisboa e para o Porto. O que em consequência, nas vésperas da Revolução de 1974, havia numerosas rendas, em Lisboa e no Porto, que não eram actualizadas desde o imediato pós-guerra.
“A evolução do arrendamento urbano que acompanhou e seguiu a Revolução de 1974-1975 retomou muitos dos caminhos trilhados durante a Guerra de 1914-1918 sem deles retirar as devidas lições”. – Extracto retirado, bem como outras notas insertas nesta crónica, no livro de Jorge Alberto Aragão Seia, “ARRENDAMENTO URBANO”, de 1995.
Saliente-se –ainda com a devida vénia a Aragão Seia- em 14 de Abril de 1975, a legalização das ocupações de fogos levados a efeito para fins habitacionais mediante contratos de arrendamento compulsivamente celebrados. Isto é, em que uma das partes era obrigado por força de lei a celebrar um contrato. “Este diploma, que levou mais longe do que nunca o pendor expropriativo de certas medidas de protecção aos arrendatários, visou, na época, travar o fenómeno incontrolável das ocupações”.
Chegamos então a 1985, Lei 46/85, de 20 de Setembro. “Este diploma aperfeiçoou a ideia de contratos celebrados no regime de renda livre e no de renda condicionada, tal como já vinha do Decreto-Lei 148/81, de 4 de Junho. Para evitar, porém novos desfasamentos e uma subida incontrolável das rendas exigidas às pessoas que chegassem de novo ao mercado de arrendamento, proclamou o princípio da actualização anual de todas as rendas, de acordo com os coeficientes a aprovar pelo governo. Ao mesmo tempo, permitiu-se a correcção extraordinária das rendas fixadas antes de 1980, segundo coeficientes que variavam de acordo com a condição do prédio e a data da última actualização (…). Foi ainda, regulado o tema das obras de conservação e beneficiação, as quais podem (podiam), em certos casos, reflectir-se nas rendas. Para compensar os aumentos de rendas foi instituído o subsídio de renda para os arrendatários de baixo rendimento”, extracto de Aragão Seia.
Acontece que a promulgação deste diploma, Lei 46/85, poucas melhoras veio trazer ao mercado de arrendamento, pelo menos no concernente às rendas antigas. Por um lado pela descapitalização crescente dos proprietários, que sem possibilidades financeiras de revitalizar a sua propriedade, optaram por manterem as rendas tal como estavam. Por outro lado também a confusão instalada na classificação de obras de conservação e de beneficiação. Assim como uma legislação continuadamente anacrónica e iníqua, mais uma vez a proteger mais os inquilinos que os senhorios, tudo isso redundou, esta lei, num tremendo fracasso para as rendas antigas.
Veio a década de 90, e o “Cavaquismo”, panfletariamente, leva à letra o demagógico artigo 65º, da Constituição da República, que considera a habitação como um direito consignado a todos os portugueses e instaura o juro bonificado, cuja consequência directa foi o “boom” na construção civil e com o erigir de novas centralidades. Aos poucos, o mercado de arrendamento foi sendo abandonado e, deliberadamente, por questões de opção financeira, tornado o parente desprotegido e pobre das relações contratuais das cidades. Estas, aos poucos, foram ficando como resquícios de guerra. Só permaneceram a viver nestes centros os mais idosos e os mais carenciados… (continua)

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