A notícia recebi-a de chofre, a frio e sem rodeios. Foi ao desfolhar o Diário de Coimbra (DC), hoje, logo de manhã. “Proprietário do Quiosque Teresinha vai hoje a sepultar” -Manuel Antunes Rosa-, assim me dava a má-nova o DC.
Conheci o “ti Manel” por volta de 1973, quando comecei a trabalhar nas também desaparecidas Galerias Coimbra. Era o Pedro, um dos três filhos, já “espigadote”, embora um pouco mais novo do que eu. A Teresa, a última da prole a nascer, era ainda uma menina. Quando podia ia lá comprar o jornal. A atender, normalmente, estava sempre a senhora Maria, a esposa, e o “ti Manel”. Veio o 25 de Abril e a minha vida financeira foi melhorando e, aos poucos, fui-me tornado quase cliente diário. Quando pedia o jornal, quer o “Manel”, quer a “Ti Maria”, inevitavelmente faziam a interrogação: “então, senhor Luís não vai uma cautela da sorte para esta semana?”
Perante aquela calma daquele doce casal, quando podia lá comprava eu uma lotaria. Muitas vezes o dinheiro estava mesmo à conta, mas lá exclamava: "está bem, dê cá!". Tantas vezes isto aconteceu que comecei a comprar uma fracção de número certo –o 22445- por semana. Para além da esperança e uma terminação de vez em quando nunca me deu nada. Não me lembro quantos anos joguei com este número, mas sei que por volta de 1980 ainda continuava a apostar na sorte grande. Então um dia –a taluda, por essa altura, andava à quinta-feira-, suponho que no dia seguinte, na sexta-feira, cheguei ao “quiosque da Estação-Nova” –foi sempre assim que o conheci-, estava o “ti Manel” ao balcão. Retirei a minha fracção de lotaria da carteira e pedi-lhe a lista com os números premiados.
De repente, olho para o número do primeiro prémio –que era de mil contos, hoje 5000 euros- e senti um baque no coração. Era o meu número! Comecei por ficar branco, para de seguida saltar de contente e exclamar: é o meu, é o meu número. O “Ti Manel”, com aquele ar calmo que todos lhe reconhecíamos, olhando para mim com aquele olhar de compreensão e comiseração, exclamou: “olhe bem! Olhe outra vez, senhor Luís”. Voltei a olhar. Os números eram todos iguais, menos um do meio. A taluda tinha saído no 22245 –o meu era o 22445. Parece que ainda hoje me estou a ver, na figura que fiz, colocando a mão aberta sobre a boca como se estivesse a suster um grande grito de desalento.
Escusado será dizer o que seria, se tivesse sido bafejado com aqueles mil contos. Naquele tempo era uma fortuna. Basta dizer que um automóvel novo custava cerca de trezentos contos (1500 euros) e um T2 usado andava á volta de 500. Eu ganhava cerca de quatro contos por mês (20 euros). Para além disso, tinha saído da tropa, havia pouco tempo, e acalentava a esperança de me estabelecer por conta-própria. Naquela fracção de segundos, enquanto pensei ter sido o premiado, tudo isso me passou pela cabeça: "é agora que vou conseguir concretizar tudo!", sonhei por momentos alavancados na esperança.
Mas quis o destino que não fosse assim, e o “ti Manel” o instrumento de ocasião para me chamar à realidade. Ainda continuei a comprar o mesmo número, mas foi pouco tempo. Depois deixei mesmo de comprar lotaria. Durante muitos anos seguidos, do velho amigo vendedor de jornais e lotarias, sempre que me apanhava a jeito, lá saía: “então, ó senhor Luís, já ganhou o primeiro prémio?, exclamava o “Manel” divertido, certamente lembrando-se da minha cara de parvo e de especado de uns anos antes.
O Manuel Rosa foi a enterrar há pouco mais de uma hora. Dizer que era uma boa pessoa é muito pouco. Afinal, quando alguém morre, mesmo que fosse um safado, transforma-se sempre numa santa pessoa. Não era o caso do “Ti Manel”. Este homem era mesmo, genuinamente bom. A vida, tal como para mim e outros tantos, foi madrasta e, como corda que se sobe a pulso até chegar ao pico da montanha, deixa muitas calosidades nas mãos.
Se precisássemos de arranjar um modelo de rosto humano para o comércio tradicional, essa face seria a do velho “Manel”. Infelizmente foi-se. É a vida! Por muito que achemos que certas pessoas, pela afinidade que nos tocam, nunca morrerão, a verdade é que só na nossa memória perdurarão enquanto andarmos por cá.
Até amanhã “ti Manel”…
2 comentários:
Certamente que o caminho para a felicidade não é fácil de encontrar. Porém, há uma frase célebre de Aristóteles com a qual eu concordo plenamente: "A felicidade é feita por nós próprios". Assim, se desejamos encontrar a felicidade, nós é que temos de construí-la, tentando criar um mundo (interior e exterior) que nos satisfaça mais verdadeiramente. É importante estarmos em harmonia connosco próprios, fazermos aquilo que gostamos, que realmente nos faz sentirmo-nos bem (como por exemplo: ouvir música, ler ou apenas relaxar), nem que seja, apenas, uma hora por dia, bem como estarmos rodeados de pessoas que nos confortam, que nos dão carinho e uma palavra amiga e tentarmos, ao máximo, fugir de ambientes que nos deprimem e nos stressam. Mas, não podemos estar passivamente à espera que a felicidade venha até nós ou que alguém a traga simplesmente. A receita para a felicidade é simples, nós é que a complicamos... É importante lutarmos pela nossa felicidade, mas, igualmente, pela dos outros, uma vez que da deles depende a nossa. Por isso, se não custa, assim, tanto ser felizes do que é que estamos à espera?! É que a vida é demasiado curta para sermos preguiçosos...
Conhecia esse bom homem. Que Deus o guarde com o seu imenso amor.
Um abraço!
Manuel Antunes Rosa: Um bom homem, muito meu Amigo dos meus tempos de Coimbra. Que descanse em paz. O tempo passa depressa...
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