segunda-feira, 30 de março de 2009

UC: A (IR)RESPONSABILIDADE DE UMA INSTITUIÇÃO


(ESTA FOTO É APENAS UMA SIMPLES HOMENAGEM A UM GRANDE ARTISTA QUE SE PERDEU)


 Recebi um comentário de uma senhora dos Açores, mãe de um malogrado estudante da Universidade de Coimbra, que em Maio de 2008, por alturas da Queima das Fitas, se suicidou. Nessa altura escrevi aqui no blogue um texto sobre este nefasto acontecimento.
Para não provocar mais dor a esta mãe de sangue, que, na primavera da vida, sem explicação plausível, viu partir a “carne da sua carne”, não vou referir o nome. Acrescento apenas, sem favor, que, para além de ter sido um fotógrafo de extrema sensibilidade, se não fosse este incidente triste, muito teria dado às artes de retratar a realidade que nos cerca.
Já em Maio do ano passado, nesse meu “post”, chamava a atenção para o facto de na Queima das Fitas –que, como sabemos, a edição deste ano, se aproxima a passo rápido- acontecerem todos os anos vários suicídios de estudantes da Universidade de Coimbra. Embora a Universidade tenha um serviço de SOS-Estudante –com o número de telefone 808200204- desde 1997, sabe-se que a este apoio poucos estudantes recorrem.
E perante as mortes (anunciadas) que ocorrem todos os anos o que faz a Universidade de Coimbra? Nada. Ora é aqui que está o fulcro da questão. A universidade, enquanto instituição pública de formação intelectual deveria preocupar-se mais com os alunos e não o faz.
Não se pense que eu falo por falar. Que tenho apenas informação e nenhum conhecimento. Nada disso. Andei lá até há três anos e sei o que por lá se passa. A relação entre professores e alunos é tão fria que nem o novo programa do governo para adesão aos painéis solares vai resolver seja o que for. É evidente que, como em tudo, há excepções, mas são poucas. Um aluno para um catedrático, regente da cadeira, é uma besta. Admite-se que em pleno século XXI, numa faculdade onde se ministra, para além do conhecimento, a tolerância, o trato e a intervenção pública, os alunos sejam tratados como coisas? Evidentemente que falo da Faculdade de Direito, que, a meu ver, mais responsabilidade social deveria ter na formação de advogados e futuros magistrados.
Poderia contar alguns casos que se passaram comigo, mas para que não se pense que falo porque estou ressabiado –e estou mesmo, assumo-o- contarei apenas um caso de um aluno meu conhecido que ilustra bem o que pretendo demonstrar. Há dois anos, em Julho, este meu amigo foi fazer uma oral. Como era verão, apresentou-se de bermudas e chinelos. Quando foi chamado para o exame, o regente da cadeira, demais conhecido e com um ego que não cabe no país e muito menos em Coimbra, ostensivamente mirou-o de alto a baixo. “Só pela forma provocadora e fulminante como ele me olhou senti-me logo intimidado. Vi logo que estava chumbado”, disse-me na altura o meu jovem amigo.
O tal regente da cadeira, do alto da sua importância majestática, fez a primeira pergunta. O aluno começou a “gaguejar”. O doutor nem o deixou acabar. Com ar de gozo, atira-lhe: “Olhe lá, o senhor é do Alentejo, não é verdade?” Perante a anuência do meu amigo, continua: “então faça-nos um favor, vá para lá guardar cabras, que é lá o seu lugar”. E acabou ali o exame oral do meu jovem amigo.
Servirá para alguma coisa dizer que este doutorado cometeu uma ilegalidade? De nada vale, evidentemente.
Sei de várias alunas que sofreram “esgotamentos”, e muitas outras que mudaram de curso e de universidade. É quase cruel a forma como são submetidos os alunos a este tipo de ensino quase medieval. Ninguém questiona um discípulo porque não consegue entender o que se pretende. E porquê? Porque, pessoalmente, tenho quase a certeza de que mesmo os professores não sabem o que querem. E, assim sendo, é evidente, como podem explicar algo que não sabem? Costumo dar este exemplo metafórico um bocado estúpido: mandam os alunos apanhar pedras, mas não dão mais especificações. Então, acontecem coisas do arco-da-velha, como não conhecem os parâmetros desejados, aparecem alunos com pedras às costas com mais de cem quilos e outros com pedrinhas de um grama. É assim mesmo. Ninguém sabe, concretamente, o que se pretende. Aparentemente, corre nos corredores que, tal como na Ordem dos Advogados, a intenção é tornar o ensino e as formalidades tão “catatónicas” para que mais de metade desista, ou então continue lá inscrito e não consiga fazer nenhuma cadeira –esta é uma das razões para o chumbo do Tribunal de Contas ao défice da Universidade pelas propinas não pagas na ordem dos 2,6 milhões de euros.
É incrível! Como é que passados mais de um século, da “Geração de 1870” e depois do “In Illo Tempore” de Trindade Coelho, a Universidade de Coimbra, e sobretudo o seu ensino anacrónico, em vez de realçar o que melhor há nos alunos, continue virada para fomentar as depressões individuais.
Se tanto se fala na avaliação dos professores (do Secundário) porque não são avaliados os do Ensino Superior? O caricato disto é que estes professores-doutores, péssimos “ensinadores”, até se dão ao luxo de “botarem faladura” em jornais diários contra os colegas do secundário. É simplesmente ridículo.
No meio disto tudo, quem mais sofre, como é o caso desta senhora dos Açores, são as muitas mães que perdem os seus filhos no dealbar da vida e, ainda mais, por um ensino vergonhoso, que é uma causa perdida.
Para esta mãe, e para tantas outras, o meu lamento profundo.
O que peço a estas pessoas, que provocam a morte por suicídio a tantos jovens, que no seu autismo nem se apercebem, é que arrepiem caminho e que tomem consciência que o poder ou estatuto é uma ilusão. Quando envelhecerem, ou se jubilarem, um ano depois, já ninguém os conhece, a não ser pelas tropelias que fizeram aos alunos, e, tal como qualquer um, vão acabar entre quatro tábuas. A única diferença, na hora do funeral, será o som da cabra (sinos da Universidade) a ecoar por toda a cidade.

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