sábado, 21 de março de 2009
ENGRAXADOR POR AMOR
“Adoro este serviço…são muitos anos! Não me consigo imaginar sem as tintas, as graxas e o convívio das pessoas”. Quem fala assim é o senhor Carlos Alberto, engraxador de “poiso” fixo no Largo das Ameias, em Coimbra.
Este homem, de 54 anos –que fez ontem, parabéns senhor Carlos!- que aos onze foi obrigado a migrar para o Alentejo para guardar rebanhos de ovelhas, de olhar aguçado pela rusticidade da vida, começou muito cedo a trabalhar nas ruas de Coimbra. Com sete ou oito anos, já andava a namorar as tintas e as graxas na Rua Direita, ali em frente a Santa Cruz. Com uma caixa de madeira, quase maior que ele, ia engraxando as pessoas, que, pelo seu pequeno tamanho, achavam graça e lá lhe davam uma moedinha suplementar, além dos cinco escudos do seu pagamento. Era desse complementar trabalho infantil que ajudava a mitigar a fome de todos, dos seus pais e irmãos.
Quando o interrogo se o que ganha dá para viver, crava em mim os seus olhos claros, quase em desafio, e passa a inquiridor: “você acha? A engraxar sapatos a 2 euros, ainda para mais com esta crise, como é que eu conseguia viver?”
Já um pouco mais persuasivo, vai-me dizendo que está reformado por invalidez, “se não fosse assim, estava linchado. Veja lá!, para estar aqui a trabalhar –não esqueça que é uma profissão em vias de desaparecimento, na Baixa existem apenas dois- eu tenho de pagar à Câmara Municipal 3,24 euros por mês. Já viu? Não acha ridículo a autarquia estar a tirar meia dúzia de cêntimos, que mal dão para as guias que me passam, a quem tanto precisa? Para além de mais, exerço um trabalho turístico –ainda me haviam de pagar. Os turistas estão sempre a tirar-me fotografias. Ainda há dias fui filmado e entrevistado pela TVI.
Interrogo se sempre pagou para estar ali a exercer a sua profissão: “não senhor! Só desde que veio a Polícia Municipal (a partir de Outubro de 2003) é que me obrigaram a pagar então os 3,24 euros por mês. Um dia, estava eu aqui a engraxar, vieram duas meninas agentes da polícia municipal e disseram que eu não podia estar aqui. Ai posso, posso!, disse eu, puxando dos papéis que me autorizavam a trabalhar, mas como não pagava nada fui então à Câmara Municipal e passei então a pagar”, relata-me o senhor Carlos Alberto.
Pergunto-lhe então, uma vez que, a meu ver, a profissão de engraxador é ambulante, se pode circular pela Baixa, “não senhor! Sou obrigado a estar neste cantinho do Largo das Ameias” –puxando, e mostrando-me uma série de papéis da autarquia.
Tantos papéis? –interrogo. “Nem imagina, isto é de loucos. Se fosse hoje não trataria de nada. Foi preciso um monte de burocracias. Até um retrato da caixa tive de tirar”, responde o engraxador Carlos.
Em jeito de provocação, interrogo: imagine que Carlos Encarnação, o presidente da Câmara, se sentava aqui para o senhor engraxar, o que lhe diria? “Dizia-lhe que é uma injustiça o que ele está a fazer…tirar 3,24 euros por mês a quem tanto precisa de trabalho para viver”.
Só isso? –continuo a provocar. “Não. Em vez de 2, levava-lhe 10 euros”, remata o senhor Carlos no meio de um largo sorriso.
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