sábado, 14 de março de 2009

UMA RUA CONTRA A VIOLÊNCIA (E FALANDO DE ADELINO VEIGA)



 Recentemente o Rádio Clube Português lançou um desafio a todas as autarquias do país para que dessem um nome de uma vítima desta violência a uma rua.
Carlos Encarnação, presidente da autarquia de Coimbra, ontem, aos microfones daquela estação, e correspondendo ao apelo lançado por aquela rádio, prometeu dar o nome a uma rua de Maria José Maurício, de 20 anos, estudante de engenharia em Coimbra, e que foi assassinada pelo namorado por motivos passionais.
Lembro que a comissão de toponímia é presidida pelo vereador da Cultura Mário Nunes e coadjuvada por representantes de outras entidades, tais como os presidentes de três juntas de freguesia das áreas em análise; de três cidadãos indicados pela Assembleia Municipal; e vários representantes de várias entidades da cidade, entre elas, a ACIC, a Diocese, a Universidade, o Conselho da cidade, o GAAC, o MAC, ADDAC, Correios de Portugal e União dos Sindicatos de Coimbra.
Qualquer proposta depois de aprovada nesta comissão, para se tornar efectiva, tem de ir ao executivo municipal e ser ratificada por este órgão.
Vou então discorrer sobre a promessa de Carlos Encarnação ao Rádio Clube Português, em colocar um nome numa rua da cidade. E começo por perguntar, em peso de simbologia social, quanto vale um nome de uma rua? Em minha opinião, nada. O que fica é o nome e não o substrato social da pessoa que lhe deu origem. Alguém sabe quem foi Adelino Veiga, por exemplo? Está bem, em relação a si, falhei. Você sabe. Mas quantos cidadãos de Coimbra sabem que este homenageado foi um grande poeta operário e, para além disso, grande benemérito e filantropo na cidade? Curiosamente, penso, se pesquisarmos na Web não se encontra nada sobre o passado deste homem de Coimbra. Nasceu a 18 de Novembro de 1848, na Rua das Solas e faleceu a 8 de Março de 1887, no Largo do Romal.
Já agora, e a título de informação, vou transcrever algumas passagens do jornal de número único, editado na comemoração do 50º aniversário da morte do grande poeta, na cidade de Coimbra, em 8 de Março de 1937.


“Pedem-me para que, como contemporâneo de Adelino Veiga, sobre a vida deste artista tão estimado em Coimbra e que aqui deixou uma tradição que ainda hoje, aos 50 anos da sua morte, é lembrada e admirada com saudade e honra para o seu nome.
Ora para que este fenómeno se dê é preciso ter qualidades e virtudes que se imponham à consciência pública. Adelino Veiga tinha-as.
Duas das suas principais características eram a poesia e arte cénica. Sobre estes aspectos da sua personalidade, é análise e crítica que a outros pertence.
Dotado de sentimentos nobres nunca ninguém o viu numa orgia. Na oficina, no teatro ou em casa, entregue aos cuidados da família, era ali que o encontravam. Coração aberto a todas as misérias alheias, nunca negou o seu auxílio às iniciativas daqueles que, em récitas teatrais, procuravam minorar a desgraça dalgum, quando não era ele próprio que as tomava. Era actor muito querido das classes populares. Foi um dos principais intérpretes da revista coimbrã de Solano de Abreu, “Coimbra em fraulda” (…)”, escrevia assim Rasteiro Fontes no jornal de homenagem ao grande poeta-operário.


Mais à frente, e ainda no mesmo jornal, escreve Ernesto Donato, contemporâneo do poeta, “Eu tinha, já, 16 anos quando Adelino Veiga morreu, e lembra-me bem dessa tarde em que ele foi a enterrar, num modesto coval do Cemitério da Conchada onde anos transcorridos os seus mais dilectos amigos e admiradores mandaram levantar um mausoléu-monumento para perpetuar a sua memória –do Poeta dos pobres; dos desafortunados; dos humildes.
Foi em 8 de Março de 1887 –ao fim de uma luminosa tarde de Primavera prematura, e quási à hora em que o sol morria no horizonte numa esplendorosa agonia de mil cambiantes em que, decerto, se diluía a alma do Poeta- que o extenso cortejo fúnebre, que acompanhava o féretro coberto de flores, atravessou a cidade entre filas compactas duma multidão enlutada –desde o Largo do Romal até ao Cemitério; e lembra-me também que nessa tarde, de profundo dó, Coimbra tinha o ar compungido, o fácies dolorido que vinca, sempre, e traduz nos nossos semblantes, as grandes tragédias que ferem, profundamente, a nossa alma (…)”.
Linda esta escrita. Só não transcrevo mais porque não quero abusar da sua bondade. Penso que ficou claro as pessoas que deveriam merecer figurar numa rua da nossa cidade. Hoje, sem qualquer préstimo, quer para o homenageado, quer para o enriquecimento social, qualquer um pode figurar na toponímia coimbrã. Por acaso, e só mesmo por acaso, ainda não se lembraram do gato Malaquias de Carlos Encarnação, recentemente falecido, mas a seu tempo lá irá.
Deixo-vos com a poesia do grande poeta Adelino Veiga:


Eu tenho duas vizinhas,
Uma clara, outra trigueira;
Eu não sei qual mais adoro…
Se a segunda, se a primeira.


Mataram-me o coração
C’o o punhal do desconforto;
Vai baixar à terra fria…
Rezai por elle, que vai morto!...


Entre as nuvens fui deitar-me,
Das estrelas fiz encosto;
Abracei-me a uma d’elas
Pensando que era o teu rosto.


Por te amar perdi a Deus,
P’lo teu amor me perdi,
Agora vejo-me só
Sem Deus, sem amor, sem ti.


Nas ondas do teu cabelo
Hei-de deitar-me a afogar;
Ficarás depois sabendo
Que há ondas sem ser no mar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Procurei e de facto a sua informação sobre Adelino Veiga, foi válida.

Posso passar-lhe a minha informação,
Afonso Lopes Vieira, faz referencia a Adelino Veiga, numa conferencia que fez sob o tema "O canto coral e o Orfeon de Condeixa", no Teatro da Républica, em Lisboa em 1916. [Adelino Veiga, ope...chegou a fazer dansar e cantar, nas fogueiras do San João, A Marselhesa.] Informação séria, trabalho na biblioteca da figueira da Foz, graça marques