sábado, 11 de abril de 2015

COMO É QUE É? CONTINUAMOS NA MESMA COM OS SEM-ABRIGO?



Começo por apresentar o problema concreto: há um homem a dormir durante a noite e algumas vezes de dia numa entrada de um prédio, na Rua Eduardo Coelho, há mais de uma semana. A seguir formulo questões, entre elas, a filosófica e do direito e a responsabilidade das instituições.
Principio pelas filosóficas e do direito. Qualquer indivíduo, em pleno gozo das suas faculdades mentais, tem o direito de escolher a rua como morada. Qualquer sujeito nestas condições de opção, em pleno gozo das suas faculdades, pode não aceitar ajuda para troca da sua, aos nossos olhos, indigente vivência por uma habitação de bem-estar mínimo. Se ficasse por aqui, sem entrar em grandes análises interpretativas, aparentemente tudo estaria resolvido. Acontece que nas duas frases há uma prerrogativa que se repete e que torna a preferência sob condição: “em pleno gozo das suas faculdades mentais”. E aqui reside o busílis da questão. Se tomarmos em boa conta os dados extraídos da Internet e que a seguir reproduzo facilmente se chega à conclusão que o livre-arbítrio, a vontade livre de escolha, pode estar diminuído: “cerca de 160 mil portugueses devem sofrer de demência, que afecta sobretudo pessoas a partir dos 60 anos” -declarações de Álvaro de Carvalho, coordenador do Programa Nacional de Saúde Mental, em Maio de 2013- e “Cinco das dez principais causas de incapacidade a longo prazo e de dependência psicossocial são doenças neuro psiquiátricas: depressão unipolar, problemas ligados ao álcool, esquizofrenia, distúrbios bipolares e demência, sendo as perturbações depressivas a primeira nos países desenvolvidos” –dados extraídos do Programa Nacional para a Saúde Mental, 2013.
Ora, está de ver que, mais que certo, este homem estará doente. Já levo alguma experiência destes assuntos –já foram vários os casos iguais a este que denunciei e esbarram sempre na mesma provocatória interrogação: “o senhor é psiquiatra?”. Até parece que se sentem incomodados por haver alguém que se incomoda e pede a sua intervenção. Por parte das entidades competentes, há uma certa apatia, um deixar correr, como se esperassem que o visado, sem-abrigo, morra e resolva a situação do próprio e os técnicos encarregues de velar pela sua vida possam dormir descansados. Pode até parecer arrogância da minha parte, mas já escrevi e me envolvi muito em acontecimentos como este e sei qual é o procedimento habitual. Para eles, o maluco sou eu. Se o homem quer estar na rua é uma escolha dele, ponto final e parágrafo, invocam os representantes destas entidades que, saliento, recebem dinheiro do Estado para velar por estas pessoas disfuncionais. É lógico que, bem sabemos, mesmo num sistema perfeito nunca se acabará totalmente com amostras de pobreza como esta. No entanto, tenho para mim que se aposta menos na prevenção e terapia e mais nos “cuidados continuados”, como quem diz, na distribuição de comida e roupas. Acredito que possa estar a ser injusto mas as instituições ligadas à pobreza social deveriam em primeiro lugar intervir para quem é sinalizado a dormir na rua, tentando a recuperação, e só depois passar ao acompanhamento.
Depois deste desabafo generalista, e não se pense que não dou valor a quem se ocupa da pobreza, vou voltar ao caso em análise. Podemos formular a pergunta: mas alguma entidade já tomou conhecimento de que o Joaquim Cadaxo, de 57 anos de idade, que até recebe uma reforma acima dos valores mínimos e lhe permite arrendar um quarto para se alojar –como teve até há pouco- está a dormir na entrada de um prédio como um cão vagabundo? Já sim. No dia 1 de Abril fui pessoalmente à Cáritas, no Terreiro da Erva, e dei conta deste triste quadro humano a uma técnica. A seguir escrevi um texto poético sobre o Cadaxo e postei-o na Internet, no site da Cáritas. Até agora, segundo declarações do Joaquim, ninguém se importou em falar com ele e tentar dar um rumo à sua vida. Se o Cadaxo fosse um animal abandonado, tenho a certeza, já teriam sido accionados todos os meios de socorro. Embirro completamente com este procedimento desigual e hipócrita, sobretudo nesta cidade Património Mundial, em que a autarquia paga mensalmente 600 euros a uma associação para cuidar de gatos vadios. Deve ser obsessão minha. Também não será de admirar, a minha saúde mental, mais que certo, já viu melhores dias.


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