(O SENHOR MENDES É O PRIMEIRO, A COMEÇAR DE BAIXO)
Dona Anabela, comerciante e uma das sócias da casa “Sacril”, na Rua das Padeiras, está apreensiva com o aumento desmesurado de pedintes, loucos e vadios. “Esta Baixa está a tornar-se impossível com tantas pessoas que afastam os consumidores”, diz-me em lamento. Enquanto falamos, ouvimos em fundo, uns acordes de flauta e uns trechos de uma canção de Quim Barreiros, trauteados num vozeirão de tenor. É o Geraldo, nosso velho conhecido destas ruas estreitas.
Há dias a Anabela apanhou um grande susto. Estava junto à porta do seu estabelecimento, quando passou o senhor Mendes –um passageiro dos dias que deambula por aqui. Já contei a sua incongruente história. Chamei-lhe o "Fura-Mundos". “Eu estava junto à porta da loja quando passou o homem. De repente vira-se para mim e, de mão em riste –como se fosse bater-me-, começou a vociferar “ó sua “esta”…ó sua “aquela”, tu estás a dar cabo da humanidade. Estava mesmo a ver que me batia. Apanhei um susto como nunca me lembro. Enquanto ele estava a ameaçar-me, da tasca em frente, saiu um rapaz mais novo, também do tipo sem-abrigo, quando viu o quadro ameaçador, despiu o casaco e envolveram-se os dois à pancada. Eu só gritava para que alguém acudisse, mas não havia polícia. Foi o Arcindo –um comerciante vizinho- que tentou separá-los, mas acho que ainda apanhou também. Alguém tem de olhar para estas ruas. É um espectáculo degradante. Olhe, anda aí uma cigana romena –que tem uns quistos na cabeça- que não deixa parar ninguém nas montras. É de tal forma “carraça” que, às vezes, as pessoas chegam a refugiar-se aqui dentro para fugir dela. Tantas vezes que assisto os transeuntes a exclamarem: “olhe lá senhora, por favor deixe-me em paz. Largue-me!”. Para além de bêbados, outras vezes é o Luís, o “Aspirante”. Esta Baixa está convertida num hospício de loucos, a fazer lembrar o filme “Voando sobre um ninho de cucos”. Isto passa-se quase todos os dias! Enfatiza a Anabela.
De facto, tenho reparado que o senhor Mendes, e desde Fevereiro, quando escrevi a sua história inverosímil, está cada vez a tornar-se mais violento. Há dias, na Praça do Comércio, estava prestes a agredir um transeunte que ia a passar. Como conhecia o Mendes, interroguei: então o que se passa, Mendes? Virando-se para mim, agarrando-me os colarinhos com as duas mãos, vociferou: “estás por mim ou por ele?”, interrogou-me com olhos furibundos. Ao mesmo tempo, olhava o homem que, meio atarantado, nem sabia se havia de respirar ou pôr-se a mexer. Claro que estou por ti, Mendes, então não sabes que somos amigos? Ao mesmo tempo que o puxava para longe dali.
“É esse filho da puta, que anda a vender droga…mas tu estás por ele? Diz-me já! Que eu mato os dois!” –e mais uma vez me puxando os colarinhos. “Eu estou ordenado por Deus para matar quem eu quiser. Ele deu-me ordens para eu limpar esta escumalha toda. Exclamou irado o Mendes. Aos poucos, foi-se acalmando e quando o deixei, aparentemente, estava tranquilo.
É preciso tomar atenção a este caso. Não se admirem que um dia destes, este homem, aparentemente inimputável, num quadro de grande senilidade, faça por aqui uma qualquer asneira. Aguardemos…
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