LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "O ARTISTA DE LESTE", deixo também as crónicas "VICTOR SANTOS NO RANCHO DE COIMBRA"; "REABRIU A "TOCA DO GATO""; "HÁ SEMPRE ALGUÉM QUE RESPONDE"; e "FALECEU O NEVES, DAS AZEITEIRAS"
O ARTISTA DE LESTE
Veio ter comigo há dias. Transpôs a porta,
meteu a mão no bolso e puxou de uma carteira recente. Pretendia vendê-la,
defendeu. Era o único bem que possuía e o único meio de fazer algum dinheiro. É
um homem mediano, de meia-idade, cabeça calva, onde os cabelos que já a
cobriram por inteiro decidiram emigrar, olhos vivos e perscrutadores. Exprime-se
num português mal-amanhado e a fazer
ressaltar a pronúncia de leste. A carteira não tem qualquer valor, repliquei
para seu desalento. Em última cartada, em desabafo, o homem atirou: “Não ter uma única moeda no bolso. Estar muito aflito para pagar quarto e não
quer estender a mão à caridade. Não ser capaz. Sempre trabalhar na vida. Nunca estar
numa situação assim! Ser pintor e escultor. Ser ucraniano! O Marco enviar cá e dizer que você tinha
escrito a história dele e também escrevia a minha” –contei a narrativa do
músico polaco Marek Kepacs n’O Despertar, da edição de 20 de Março, e no seu
fremente desejo de ter um acordeão para poder dar sentido e cor à sua vida.
Dei-lhe uma folha branca e um lápis e pedi-lhe
para me mostrar o seu talento. Passado um bocado, e sob o meu olhar, tinha um
Cristo, com ar sofrido, bem desenhado e com traço inconfundível de criador. Não
tinha dúvida, à minha frente estava um artista, sem margem para dúvida. Se lhe
arranjasse uma cana para pescar, como
quem diz, tintas, pincéis e papel de aguarela será que estaria na disposição de
ir para a rua pintar e tentar arranjar um meio de sobrevivência? Interroguei. “Claro! Claro! Só precisar mesmo de tintas e
pincéis para trabalhar. Todo meu “respeto” para o senhor que tenha um grande
“coraçau”. Neste meio tempo apareceram dois meus amigos e ouvindo a
conversa e perante o desenho um disse logo que lhe oferecia um cavalete. O
outro que lhe comprava as tintas e os pincéis. No dia seguinte o Sergiu
Stefanov –conhecido por Sérgio- já estava a pintar no Largo da Freiria e pronto
a tentar a sua sorte na rua. Ainda teve tempo para me mostrar uma espetacular
escultura de um busto feito com jornais e farinha –e sempre a repetir: “eu não enganar. Eu ser artista! Acreditar
em mim!”
Mas afinal quem é o Sergiu Stefanov? É ele que se vai apresentar. “Tenho 49 anos de idade, nasci em 1965. Sou romeno. Disse que era
ucraniano para não me tomar por pedinte. Infelizmente sinto que o meu povo está
muito malvisto por cá. Estudei na Roménia até ao 10º ano. Fui funcionário da
Romtelecom durante cerca de uma década e até 1999. Deixou de haver trabalho e o
dinheiro começou a escassear. No regime comunista de Nicolae Ceausescu vivi
sempre bem, até à sua queda em Dezembro de 1989. Foi uma mudança violenta que
resultou em mais de mil mortes. Desde cedo estive sempre ligado à escultura e
pintura. Fiz três exposições em Botosani. Já em democracia, com a economia a
dar voltas na barriga de miséria, desde pedreiro a pintor de interiores, a
estucador, a artesão, a restaurador de móveis, até passando pela eletromecânica,
fiz de tudo e não chegou. Atirei-me à Europa e fiz dela a porta da minha
esperança. Passei por Itália, Bulgária, França, Holanda. Nestes países fazia de
tudo o que aparecia, desde a construção civil até apanhar fruta, e aproveitava
o que calhava para sobreviver. Em 2013 vim para Portugal. Por cá, trabalhei
numa quinta, na construção civil. Recusei sempre a estender a mão na rua. Tenho
dignidade. Continuo a procurar trabalho. Estou inscrito no IEFP, Instituto de
Emprego e Formação Profissional. Já tirei vários cursos profissionais,
incluindo de português, mas não tem aparecido nada para eu mostrar o que sei
fazer. Nunca recebi nada do Estado português até agora –embora já tivesse
tratado da documentação para futuramente poder receber o RSI, Rendimento Social
de Inserção. Até há pouco, com os trabalhos precários que tenho arranjado, fui
conseguindo saldar a renda do quarto. Pago 135,00 euros. Mas agora é que toquei
no fundo. Não sei o que fazer nem a que porta posso bater. Não quero ir para
debaixo da ponte. Para as refeições, diariamente, vou à Cozinha Económica. Foi
então que o Marek Kepacs me indicou o senhor. Pode fazer alguma coisa por mim?
Pode ajudar-me?”
VICTOR SANTOS NO RANCHO DE COIMBRA
Victor Santos, o nosso mais querido e famoso
cantor e artista de variedades, esvoaçando entre as nossas margens esquerda e
direita do Mondego e do Sena, na terra de Obelix, vai atuar no Rancho das
Tricanas de Coimbra no próximo domingo, 12 de Abril, entre as 16 e as 20h00, em
mais uma extraordinária matiné
promovida pela nova direção da coletividade recreativa com sede na Rua do
Moreno, na Baixa da cidade.
Pelo que sei, por parte do seu público admirador,
sobretudo o feminino, a expectativa é enorme e conta os dias que faltam com
ansiedade. Segundo as declarações do artista, “tenho a certeza de que não irei defraudar as minhas fãs. Vou cantar
entre oito a dez canções. A minha participação é gratuita para poder contribuir
para a revitalização deste grande espaço de memória. A talhe de foice,
aproveito para informar que proximamente vou gravar um novo cd com 10 temas.
Provavelmente será depois da minha “tournée” que vou realizar entre a Suíça,
Alemanha e Luxemburgo. Vou atuar para a comunidade portuguesa. Sinto um grande
contentamento por poder mostrar o meu talento para os nossos emigrantes que tão
bem conheço e mantenho no coração.”
REABRIU A “TOCA DO GATO” COM NOVA GERÊNCIA
Com nova gerência, reabriu a semana passada a
“Toca do Gato”, uma nossa bem
conhecida taberna da Baixa de Coimbra. Ao leme desta reconhecida embarcação
pantagruélica está o João Pedro Almeida Braga, dono da Retrosaria Ziguezague e situada
ao lado do novo estabelecimento.
Encerrada desde Dezembro do ano
transato, a “Toca do Gato” a laborar desde 1930 na cidade, pela sua convivência
revitalizadora fazia falta nas Escadas do Gato. Quem nos vai fazer a
apresentação é o João Braga: “já sonhava
há muito tempo em ter uma tasquinha típica e, agora, surgiu a oportunidade. Até
porque, para melhor e pela proximidade dos dois estabelecimentos, com a ajuda
da minha mulher, Anabela, consigo conciliar o comércio com a hotelaria. É certo
que será muito mais esforçado mas os tempos de dificuldades que atravessamos
assim obrigam. No meu novo investimento e na minha reconhecida casa histórica,
como manda a tradição, o cliente pode continuar a provar a boa bifana, a
sardinha frita, a patanisca, o croquete e o rissol e o ovo cozido. Diariamente,
para acompanhar um bom tinto, também temos o pires de orelheira e o polvo em
mistura ensalsada. Para além destes petiscos, terá também um prato do dia bem
confecionado e por um preço ótimo.
Aproveito o ensejo para convidar os leitores a visitarem esta minha
casa típica.”
HÁ SEMPRE ALGUÉM QUE RESPONDE
Há cerca de duas semanas escrevi uma crónica n’O
Despertar a contar a história de Marek Adam Kepacz, mais conhecido por Marco,
polaco e nosso conviva diário destas ruelas e becos. No texto subscrevo a sua
vontade de conseguir um acordeão para ganhar algum dinheiro a tocar na rua.
Para minha surpresa e a mostrar que há muita gente boa a responder a estes
apelos, o polaco já tem um instrumento, cedido a título de empréstimo, que lhe
permite ganhar a vida. O benemérito é o meu amigo José João Cardoso. Obrigado
João! Esperemos que o Marco esteja à altura do gesto altruísta do Cardoso. Ou
seja, ansiamos todos ver o músico a tocar proximamente na via pública. A ver
vamos! Mais uma vez, e por que não me cansa enaltecer e agradecer, bem-haja João!
FALECEU O NEVES, DAS AZEITEIRAS
Foi sepultado na semana passada, no cemitério
de Chelo, Penacova, o nosso colega Manuel Aguiar Neves. O Neves, com 70 anos de
idade e pessoa muito estimada na Baixa da cidade, esteve estabelecido, durante
muitos anos, com uma taberna e casa de pasto na Rua das Azeiteiras. Era pai do
Jorge Neves, meu amigo e grande defensor da Baixa da cidade. Sei que foi bem
cuidado pelo filho Jorge e tudo foi feito para lhe prolongar a vida.
Infelizmente estava escrito nas estrelas que o seu caminho tinha chegado ao
fim. E quando assim é, por mais que se corra, nada se pode fazer.
Para o Jorge Neves e restante família, em nome
da Baixa –se posso escrever assim- as nossas sentidas condolências. Um grande
abraço de solidariedade nesta hora de sofrimento e pesar.
Sem comentários:
Enviar um comentário