sexta-feira, 17 de agosto de 2012

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA DIRECÇÃO DOS BVC



 Meu caro João Silva, espero que esta minha missiva o vá encontrar de boa saúde na companhia de quem mais ama. Decidi escrever-lhe esta carta porque, enquanto associado da emérita agremiação que V. Ex.ª tão bem dirige, mais uma vez e pela enésima, recebi uma comunicação sua, enquanto membro da direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra, a pedir a minha colaboração de “5 euros solidários” e que os deposite na Caixa Geral de Depósitos.
Antes de prosseguir, gostaria de fazer duas ressalvas. A primeira, sou um anónimo cidadão, ignorante, e que nunca estive à frente de nenhuma instituição de solidariedade social; a segunda, passando a imodéstia, para o bem e para o mal, considero-me um pedinte militante. Comecei logo na infância, continuei na adolescência, prossegui na maioridade. Enquanto já homem, cheio de ambição de poder dar o salto da pobreza para uma vida melhor, em 1982, para obter financiamento para um negócio, olhando “olhos nos olhos” as pessoas a quem pedia, corri os bancos todos da cidade. Repito todos. Nenhum gerente me fez a vontade. Fui à minha aldeia de naturalidade e para obter uns escassos 1000 euros, na altura duzentos contos, num meu vizinho estive duas horas e num outro familiar directo estive três. Sempre de “olhos nos olhos”, quase a perder a paciência, consegui atingir o pretendido. Pus mãos à obra no meu plano de enriquecimento e comecei a trabalhar numa firma em que adquiri as quotas. Mal abri portas do estabelecimento, caiu-me lá um funcionário das finanças para penhorar todo o recheio. Como deve calcular, fiquei aterrado. “Olhos nos olhos”, implorei ao agente que, por tudo o que lhe era mais sagrado me ajudasse: eu não tinha dinheiro nenhum para cumprir minimamente. O homem, certamente tomado de uma humanidade sem limites, e que ainda hoje me interrogo, disse-me: “olhe, vamos fazer o seguinte, eu vou para a repartição e coloco o seu processo no fundo de todos os outros. Mas tome atenção, se o chefe me chamar “à pedra” ligo-lhe imediatamente e você vai lá para estabelecer um plano de pagamento. Não me pode falhar!”. E assim foi. Passados cerca de três meses fui fazer o acordo e tudo correu bem. Saliento que este agente do fisco nunca me solicitou nada nem sequer ousou pedir o que quer que fosse. Em face do meu rogar “olhos nos olhos”, estou certo, fez o que a sua consciência mandou para ajudar alguém que nada tinha.
A seguir recebi outra comunicação de dívida da então Caixa de Previdência com ameaça de penhora. A mesma coisa, fui falar, “olhos nos olhos”, com a responsável e paguei em prestações. Depois foi o Fundo de Turismo, igual e sempre “olhos nos olhos”. Depois destes casos apresentados, nos anos subsequentes, tive imensos acontecimentos em que foi os “olhos nos olhos” que me salvaram.
Como gosto de desafios, às vezes até ridículos, em 2003, de acordo com o Diário as Beiras, para mostrar que as pessoas não resistem a quem pede “olhos nos olhos”, disfarçado de mendigo, estive a abolar na rua e em três horas consegui 30 euros –que foram entregues à Casa dos Pobres. Recentemente, juntamente com dois amigos, olhando “olhos nos olhos” os mercadores, que, como se sabe, na generalidade, estão a atravessar um momento de grande pobreza, percorremos a Baixa a pedir ajuda para um colega comerciante que estava em grandes dificuldades e conseguimos o milagre: mais de 3000 euros.
Não lhe quero ensinar nada, meu caro João Silva, mas, se permite a sugestão, a enviar missivas para tudo quanto é comunicação social o senhor nunca almejará conseguir os seus intentos. Estamos todos saturados da correspondência virtual. Coloque os seus homens na rua, encabeçando a comitiva, e, “olhos nos olhos”, fale com as pessoas. Garanto o sucesso da operação desde que esteja convicto e acredite no que está a fazer. Poderá interrogar porque procedem assim os humanos. Isto é, porque perante a mesma motivação reagem de forma diferenciada. Com o tempo cheguei a essa resposta. Não a vou configurar aqui porque considero ser despicienda.
Gostaria ainda de lhe dizer que no projecto da Feira do Bota-abaixo, que lhe apresentei e o senhor deixou cair, cuja receita seria para os bombeiros, era minha intenção explorar esta vertente de sensibilização “olhos nos olhos”. Acredito que o acto de pedir, desde que seja para uma fundamentada e justa causa, enriquece sem denegrir quem pede e enobrece sem empobrecer quem dá.

1 comentário:

Anónimo disse...

Amigo Luis disse tudo!
Jorge Neves