quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A ERVA E O PÓ DO TERREIRO



 Em plena “silly season” na cidade, em que salvo um pequeno assalto aqui e ali e um incêndio na periferia nada acontece, antes de ontem a agressão a dois (um?) agentes da Polícia Municipal perpetrados por dois arrumadores do Terreiro da Erva veio abanar a pacatez desta terra.
Há muito que esta praça, localizada em pleno coração da Baixa, tem vindo a resvalar pelo cano da convivência, quem sabe em solidariedade com os muitos toxicodependentes e os sem-terra que por ali assentaram poiso em último reduto das suas vidas desgraçadas, à espera que a tão prometida recuperação do edificado à sua volta avance. E é precisamente por esta inércia camarária que este outrora largo industrial e comercial, como condenado no corredor da morte, se tem vindo a arrastar na decrepitude do tempo e no desleixo dos homens. Há mais de uma vintena de anos que está prometido avançar com um grande projecto para toda a sua zona envolvente. Em resultado desta apatia, e também da crise económica, nas últimas décadas os comércios à sua volta foram encerrando e os espaços, com autocolantes nas suas portas, parecem mausoléus em cemitério de mortos que ninguém quer ou lembra. Desapareceu o barbeiro, a loja de peças de automóveis, a casa de móveis, a loja de vidros, a oficina de bicicletas, a fábrica de olaria e última representativa de um passado de glória esquecido e enterrado nas entrelinhas das chinesices. Neste terreiro só resistiram as casas de hotelaria, o parque de estacionamento improvisado glosando um quarto mundo e os muitos arrumadores em busca de uma moeda que lhes permita comprar uma dose que é vendida à frente de todos e perante a indiferença geral. As salas de chuto são os becos estreitos, mal-cheirosos em putrefacção, e onde até o sol renega a penetração.
Há cerca de uma dezena de anos instalou-se na zona um centro de apoio e, recentemente, em 2008, o GAT, Gabinete de Apoio ao Toxicodependente, da Cáritas Diocesana de Coimbra, que, conforme o nome indica, presta assistência às centenas, senão muitos milhares de adictos, divididos entre a toxicodependência e o alcoolismo; a prostituição e os sem-abrigo da área. É evidente que ninguém quer uma vizinhança assim e hoje no Diário de Coimbra (DC) os comerciantes insurgem-se contra esta situação de apatia recorrente. Há muito tempo que, em face do aumento generalizado de tráfico e consumo –são as estatísticas postadas nos jornais que o dizem-, os operadores apontam o dedo à estrutura da Cáritas como fomentadora de tal movimentação indesejada. Mas, paremos para pensar. Será que o apoio dado por esta entidade é a causa ou é uma consequência de um estado que assistimos e de um tempo que vivemos? Penso que não há dúvida na resposta: esta estrutura existe porque é precisa no apoio psicológico, na troca de seringas e na ajuda do material para consumo, e, sobretudo, no acompanhamento e na monotorização desta população. Ora se não há dúvida de que é necessária porque não a queremos cá? Não queremos porque ninguém quer uma doença cancerígena, ou uma má vizinhança por perto. Mas se nós não queremos quem quer? É óbvio que ninguém. E então como é que se vai fazer? Vai-se impor pela força que outros aceitem o que a nós nos causa embaraço? Porque, repete-se, a sua implementação, pelo que vemos, está justificada. Não estaria se, de facto, por cá não houvesse toxicodependentes. Esta é a verdade. Não há outra.
Li com a atenção as declarações de Luís Costa, Presidente do Conselho de Administração da Cáritas Diocesana de Coimbra. Transcrevendo do DC, afirma este senhor que não conheço: “facilmente podemos imaginar como seriam as ruas, os cantos da Baixa de Coimbra se coexistissem com 277.613 unidades de seringas usadas”. Acrescenta ainda: “que aquele é o local que faz sentido, porque é ali que estão os consumidores de estupefacientes”. E deixa uma pergunta aos comerciantes: “se a estrutura não existisse ali, seria melhor (para a Baixa)?”
E é com esta interrogação profunda que deveremos partir para outras constatações. Hoje, estou convencido, não haverá nenhuma família que não tenha no seu seio um drogado, em leves ou pesadas, ou viciado noutra qualquer substância. Ora, olhando para esse nosso familiar, temos o direito de, apenas visualizando o nosso umbigo, exigir que não sejam apoiados milhares na mesma situação?
É que, a meu ver, há uma questão essencial: o que concorre para este mau ambiente social generalizado, contrariamente ao que se pensa, é o estado decrépito de toda a zona envolvente ao Terreiro da Erva e não o facto de lá existirem organizações de apoio. Ou seja, o que é preciso exigir é celeridade à autarquia e não a expulsão de quem pratica um essencial e bom serviço à comunidade. Claro que para pensar assim temos de transcender um pouco o nosso interesse egoísta individual e olhar, sobretudo, para os nossos familiares que tanta dor nos causa.
Vamos reflectir sobre isto? Fica o convite para quem o quiser fazer.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pegando na ultima parte do seu texto e aproveitando o pedido para fazer-mos uma reflexão sobre o assunto, vou exteriorizar o que penso e porque penso, já que conheço a realidade da toxicodependência e os seus caminhos labirínticos.

Os locais de consumo e tráfico de droga em Coimbra vão desde o Largo da Portagem (tráfico principalmente Buprenorfina (subutex)); Largo do Romal (consumos com prevalência de álcool); Praça do Comércio (consumo e tráfico SPA); Terreiro da Erva (consumo e tráfico SPA com grande concentração de indivíduos à hora das refeições); Azinhaga da Pitorra e Fábrica Ideal e Triunfo (consumo endovenoso, prostituição).”
Estas são algumas das zonas e edifícios, mais referenciados por ocupação de toxicodependentes, prostitutas e sem abrigo da cidade de Coimbra, que segundo dados oficiais, publicados no Diagnóstico de território – Baixa – Coimbra 2008,os toxicodependentes referenciados são 198, as prostitutas cerca de 100 e os sem-abrigo 70, dados estes que não andam muito longe da realidade em 2012.
No meu entender existe habitações com perigo para a saúde pública, nomeadamente os edifícios da antiga fábrica Ideal e Triunfo, onde as agulhas, seringas com resto de sangue, lâminas, frascos com metadona, comprimidos, dejectos que se misturam com os ratos que por ali vagueiam a céu aberto junto às instalações e no seu interior.
Já por várias vezes os agentes de socorro foram buscar toxicodependentes com overdose de heroína e os bombeiros chamados por causa de incêndios nas referidas instalações.
A toxicodependência é uma doença, quer queiramos quer não, como tal os doentes têm de ser tratados e apoiados tanto pelos familiares como pelas Instituições de Apoio ao Toxicodependente.
Eu entendo que ninguém queira ter essas Instituições perto da sua casa ou estabelecimento comercial, mas deixo uma pergunta, mas querem um posto médico ou hospital perto de casa não querem?
O problema não reside na localização dessas Instituições de Apoio ao Toxicodependente, mas sim reside na falta de policiamento desses locais, na falta de uma intervenção rápida e eficaz com o intuído de dissuadir a venda e o consumo na via publica. Venda e consumo sempre existiu e vai continuar a existir, mas terá mesmo que ser em sítios residências e comerciais?
P+ara terminar só um pequeno alerta, nos últimos meses a baixa de Coimbra foi “invadida” por novos consumidores e traficantes (afirmo isto porque sou da baixa, ando na rua todos os dias, e o pessoal que vejo a consumir, traficar não são caras conhecidas pelo menos da baixa de Coimbra e não se pode desassociar estes novos traficantes/consumidores da onda de assaltos que vem acontecer em Coimbra.

Jorge Neves