Já aqui falei muito da senhora
Adelaide. Tem 88 anos e, mesmo contra todas as dores do mundo e sobretudo as
que ela sente no seu corpo, continua, diariamente, a estar de plantão junto ao
café Santa Cruz a vender pistachos, tremoços, amendoins, pinhoadas e mais uma
coisa ou outra. O trabalho para esta velha senhora é assim uma espécie de droga
que a ajuda a manter viva. Várias vezes me tem dito que quando deixar de estar
ali a vender e lhe faltar aquele contacto com as pessoas morre- em contrapartida, repete até à exaustão que vai deixar de estar ali porque já não pode, já não aguenta tanta dor.
Esta mulher é um ícone vivo de
resistência. Já escrevi imensos textos sobre ela. Certamente pelos caminhos de
escolhos que teve de percorrer, tornou-se seca, dura e fria no falar. No
entanto, misturado com uns palavrões de fazer corar o mais pudico, conserva uma subliminar e fina ironia acerca de tudo o que a rodeia.
Acho-lhe uma graça sem limites.
Há bocado passei por ela. Como é
normal lá estava sentada no parapeito de pedra em frente ao Banco Espírito
Santo. Cumprimentei-a:
-Bom dia, dona Adelaide. Então,
como é que vai?
-Muito mal, menino! Muito mal!
Dói-me a coluna –e leva um braço até ao dorso. Tenho reumatismo neste braço –e levanta-o
para eu ver. Tenho de deixar de vir para aqui – já anda há quatro anos a
repetir a mesma coisa. Sabe que estive muito mal?! Ah pois… quase que bati a
bota. Têm de me ajudar lá em casa a fazer tudo… já não posso! Já nem uma dou! Já
pouco mais vou durar…
-Ora…ora… pessoas como a senhora
nunca morrem –digo em jeito de alento e provocação.
-Está bem está! Eu para vir para
aqui já só venho amparada…
-A senhora está muito bem…
deixe-se disso –atiro de supetão.
-Não estou não. Para ficar mesmo
boa, precisava mesmo era de um chá…
-… De um chá? Que tipo de
chá?!...
-Precisava de um chá de putas e
paneleiros.. (sic!) – diz-me isto com uma cara séria e de safada. Fartei-me de
rir.
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2 comentários:
Estas pessoas preenchem o nosso imaginário para todo o sempre e fazem-nos acreditar que também nós (se tivermos saúde e alento) podemos ser o mesmo para os vindouros.
Bom fim-de-semana!
Exactamente, João Paulo. É isso mesmo. mas que são um encanto, creio, não há dúvida. Não me consigo libertar deles; da sua forma de ver o mundo. Obrigado, meu caro. Um grande abraço.
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