sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
BAIXA: A CRISE TAMBÉM AFECTA OS PEDINTES
(O EDUARDO VENTURA NA ESQUINA DA RUA EDUARDO COELHO)
Em Agosto de 2003, a frequência, de manhã à noite, de pedintes na Rua Eduardo Coelho, em Coimbra, era tão grande que um comerciante da zona, apelando à advertência pública para este facto, se disfarçou de falso cego. De acordo com outros colegas, e como forma de chamar a atenção para a facilidade como o público, na maioria das vezes, é enganado, ao mesmo tempo que contribui, assim, para incentivar a mendicidade. Para além de um outro pedinte, tinha ao lado um manequim onde apelava à não contribuição. O falso cego, em quatro horas “ganhou” 30 euros. Salienta-se que esta verba foi entregue na Casa dos Pobres.
Mesmo em frente à Rua das Padeiras, numa esquina da Rua Eduardo Coelho, não havia mãos a medir para os pedintes. Chegava-se a assistir a discussões entre eles, do género: “agora é a minha hora, vai-te embora, antes que me chateie”. Diariamente, de segunda-feira a sábado, os frequentadores desta esquina estratégica, eram dois cegos (verdadeiros), um indigente que, torcendo o braço, se fazia passar por deficiente, eram várias romenas com bebés ao colo e ainda uma cigana que, sentando-se no chão, recolhendo as saias até quase à virilha, mostrava, para além das cuecas, uma grande cicatriz na rechonchuda coxa. Como récita sem ser encomendada, os comerciantes, durante todo o dia, “gramavam” a lengalenga saída da boca de cada um dos intervenientes do apelo à moedinha.
Hoje, passados quatro anos e meio, esta outrora disputadíssima esquina da antiga Rua dos Sapateiros permanece quase sempre vaga. Fazendo parte dos antigos frequentadores, o único que permanece fiel ao local, pelo menos duas vezes por semana e durante duas horas, é o Eduardo Ventura, invisual de nascença. Tem 54 anos de idade. Mora em Soure, de onde vem e vai de comboio.
Quando lhe pergunto como “vê” a Baixa nos dias de hoje, e comparativamente com o movimento e o bulício que havia até há meia dúzia de anos, responde-me: “Olhe, “trabalho” aqui há 15 anos e nunca “vi” tão pouca gente na Baixa. Está quase deserta. Sinto-a muito mal, como se estivesse doente. Está tudo parado. Passa pouca gente”.
Quando o interrogo, na comparação entre o que ganhava noutros tempos e hoje, responde: “Ó meu amigo não tem comparação. Noutros tempos ganhava três ou quatro vezes mais. Talvez resultados da crise, hoje as pessoas dão muito pouco. Fogem de dar porque a vida está muito difícil. Isto está péssimo”. Quando lhe pergunto para especificar melhor, responde, “pouca gente deixa uma moeda de euro, a maioria só dá cêntimos”. E notas?, interrogo. Recebo em resposta uma grande gargalhada, complementada com a frase: “Notas?, só quando o rei faz anos”.
Pergunto-lhe, uma vez que já anda por aqui há 15 anos, se considera ser bem tratado pelos comerciantes. Diz-me: “sim, sempre fui muito acarinhado, na maioria das vezes mais do que pelas pessoas em geral. É como se eles entendessem que eu sendo cego não tenho muitas possibilidades de ganhar dinheiro, até pela idade, conclui o Eduardo.
Então, interrogo, isso quer dizer que você não sente uma grande proximidade das pessoas? Sente que é discriminado, mesmo quando lhe dão uma moeda? “É assim, as pessoas dão, mas não se dão. Parecem ter receio de se chegar ao invisual; embora eu sinta que, hoje, as pessoas estejam mais solidárias, ajudam mais, mas parecem ter nojo do cego, entende o que quero dizer?”, responde o Eduardo com uma interrogação.
Ao longo da curta conversa, reparei no ar despreocupado do Eduardo e, quase em provocação, não resisti à pergunta: o Eduardo é feliz? “Sim, sou muito feliz! Apesar de sentir muitas dificuldades –recebo apenas uma pequena reforma. Mas tenho esperança, acho que as coisas vão melhorar. Não tenho dúvidas”.
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