Quem faz o favor de ser cliente
aqui no meu jornaleco já viu que, quase todos os dias, estou a fotografar os “figurões”
da cidade. Certamente, para si mesmo, já teria interrogado da razão deste
empenho. Como tenho uma página semanal no jornal “O Despertar” –“Rostos Nossos
(Des)conhecidos”-, repetidamente, lá vem um retratado. O engraçado é que sempre
que escrevo e publico a sua imagem, estou em crer que nesse dia, para eles e
para os amigos, é uma festa. Os que ainda não foram visados, sempre que me
encontram, referem: “Ó senhor Luís, então, quando venho no jornal?” –e, é claro,
tenho de dizer, fico envaidecido. Sei lá! Há aqui, entre os dois, uma troca de
emoções, uma reciprocidade de compensação. Um alimentar de egos. Eu sinto-me
bem porque me sinto reconhecido, por eles, pelo “trabalho” que desenvolvo e
eles, através da minha atenção, sentem que são mais iguais aos outros, são
gente, que também têm o seu momento de glória. Penso que estamos perante um
jogo de espelhos, em que cada um sente e vê simplesmente o que quer ver.
E isto é giro! É giro porque, por
um lado, acho que estou a mostrar um pouco da cidade no seu lado mais básico,
por outro, estou dar vida a alguém que, como é hábito, apenas é notícia
quando morre.
Agora há uma pergunta sacramental
que é preciso fazer: este acto é inocente? Isto é, retrato-os com espírito de
missão? Ou, pelo contrário, haverá da minha parte um certo abuso no aproveitamento
da sua fragilidade? Isto é, sirvo-me deles, utilizo-os, para encher, como
assunto, uma página do quotidiano? Aqui, mesmo sendo eu a colocar-me a questão,
fico meio encalacrado e respondo que serão as duas coisas. Sendo assim, é evidente
que tendo consciência dos meus actos, terei de inclinar mais um dos pratos da
balança para o espírito de missão.
E já agora, já que estou numa
espécie de catarse, uma viagem ao interior das minhas emoções, o que me fará
andar atrás deles? Das suas poses, dos seus gestos, do seu vestir? É uma boa
pergunta que me faz, diria eu se não fosse eu mesmo a formular a interrogação.
Acontece que não sei bem. Às vezes penso que será o facto de eu vir lá do fundo
da latrina, do meio humilde e pobre, que me faz tomar mais atenção a estes
cromos –porque não tenho dúvida, ainda que no lado contrário, sou outro cromo
igual a eles. O que sei é que sempre me senti atraído por estes estranhos
personagens que vagueiam pela cidade –quando era criança, lembro-me, havia na
minha aldeia um assim, era o Pinhão. Todos os lugares habitados, lugarejo, vila, ou outro, há histórias assim. Estes estranhos personagens, em metáfora,
são rosas bravas, cactos selvagens –no sentido de que não alinham no
estandardizado social- que, como num jardim, têm uma incontornável e extraordinária
beleza no conjunto geral.
E comecei a escrever esta
lengalenga porque, hoje, na Rua Adelino Veiga, na parede do café Flórido, fui
dar com uma fotocópia de um poema que publiquei n’O Despertar acerca do “Carlitos Popó” -trocando o "Popó" para "Pipi", não se sabe ao certo qual o que prevalece. Certamente algum amigo do nosso embaixador de todas as culturas do mundo
entendeu que todos os transeuntes daquela rua do poeta morto deveriam ler. Naturalmente não
visando a minha pessoa, mas focando o conteúdo e o rosto ali representado: o “Carlitos”.
É lógico, sem falsa modéstia,
senti-me envaidecido e muito bem ao ver aquilo ali. Penso que, de certo modo, é um
declarado tributo a estes pequenos textos que elaboro. A quem o fez, conjuntamente com o agradecimento do retratado, o meu
muito obrigado.
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