Hoje, durante a manhã, nas ruas
estreitas, os seus gritos, num português construído “à podoa”, ecoavam e eram bem audíveis: “peensos”…
o “Borde…dáguuua!”… “pensos”… o “Borde… dáguuua”… “compri”!”
Eram um grupo de jovens romenos a
vender pensos e o Borda d’Água. Pode até parecer que vou escrever sobre o facto
da popular publicação em muitos casos e algumas vezes ser fotocopiada ou pelo
facto destes vendedores serem estrangeiros. Nada disso! Esse lado, pelo menos
por agora e, sobretudo, nesta crónica, passa-me ao lado e prefiro focar o berro que nos toca a alma e nos transporta para um tempo em que a Baixa era um caldeirão de sons, onde
e quando o tempo rolava assente em rolamentos artesanais.
Ao constatar este facto, dou por
mim a verificar que o desenvolvimento não é linear: anda constantemente em círculo.
Ou melhor, se calhar numa elipse –contrariamente ao círculo, que é redondo e
cuja distância é sempre igual ao seu eixo; a elipse é oval, assenta sobre dois
pontos e a distância entre eles é variável.
Dizia eu, então, que o progresso
assenta sobre dois pilares. Na minha especulação, um deles, e principal, será a
economia –quanto mais esta fluir em crescimento, maior será a distância igual entre
os dois pontos e não se sentirá necessidade de voltar ao passado. Pelo contrário,
se a economia se contrair, voltar aos tempos remotos em certos hábitos será o
caminho –pensemos, por momentos, que se a recessão é apenas uma etapa do ciclo económico, que os economistas enumeram em uma década-, poderemos perfeitamente pensar que
o desenvolvimento, tal como tudo no Universo, não é infinito e pode ter um fim.
A questão é conseguir reconhecer esse final e princípio de outro estádio.
O outro pilar essencial da
evolução da humanidade será a paz –não deixa de ser discutível este preceito,
sobretudo, quando se sabe que a sociedade, no seu âmago, está em permanente ebulição
de conflito e neste, através da reivindicação e da manifestação popular, reside
a sua mola rumo. Esta paz a que me refiro é a que está fora dos grandes
conflitos bélicos –o que também não deixa de ser curioso saber que após o
holocausto –como por exemplo as duas Grandes Guerras- soçobram períodos de
extraordinário crescimento nos dois pilares fundamentais, o da paz e o
económico.
Por outro lado, de uma forma
natural e assente na sua condição antropológica, não deixa de ser interessante
o facto de o homem, atingindo a meia-idade sentir uma absoluta precisão de
olhar para trás e, materializando a memória, voltar a viver resquícios de um
tempo que passou a correr. Talvez seja por isto mesmo que se, por um lado, nos
projectamos no futuro que é já agora, por outro, estamos sempre prisioneiros de
um passado que, para o bem e para o mal, nos formou na vida e nos tornou
melhores ou piores –consoante se tivemos sorte, e neste caso vivemos
agradecidos, ou azar, e assim vivemos angustiados e azedos com tudo e todos os
que nos rodeiam.
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