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Boa noite Luís, mais uma notícia que não surpreende ninguém: a certidão 51 do processo “Apito Dourado” deu origem a um outro processo sobre a viciação das classificações dos árbitros. Foi hoje a leitura da sentença e o resultado? Todos absolvidos! O Senhor Pinto de Sousa, Azevedo Duarte e outros, acusados cada um pela prática de mais de 100(!) crimes, com provas concludentes e sem qualquer dúvida razoáveis, pelo menos para nós cidadãos normais que ouvimos a escutas efectuadas pela PJ.
É este o estado da justiça em Portugal. O Ministério Público (MP) está a ponderar recorrer da decisão. Na minha opinião não o deveria fazer. Será um desperdício inútil de recursos humanos e financeiros. Depois de um ano de trabalho da Policia Judiciária (exemplar), julgamento com dezenas de sessões, milhares de euros gastos tanto na investigação como na acusação do MP, vai-se perder mais tempo e dinheiro público com este processo? Acho que não vale a pena, só se for para os advogados de defesa.
Este caso é paradigmático do estado da justiça em Portugal! O que lhe parece, Luís?
Abraço.
Marco.
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Abraço.
Marco.
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RESPOSTA DO EDITOR:
Como ressalva de valores, embora goste muito e acredite que ainda um dia serei advogado, mesmo interessando-me muito pelo assunto, percebo pouco e não tenho nenhuma experiência de direito. Portanto, procurarei responder à sua interrogação como simples opinador.
Vou fazê-lo a dois tempos. No primeiro -socorrendo-me de um livro-, enquadrando a minha subjectiva resposta na variável tempo actual. No segundo, tentarei, amparando-me de pensamentos de um grande filósofo, dar uma perspectiva histórica.
Começo por lhe dizer que, apesar da desconfiança crescente, os Tribunais serão o último reduto de alguma esperança que resta numa justiça humana. Tal como tudo o que é humano, a justiça nunca será perfeita –pelo menos para alguns- será sempre um resultado inacabado e imperfeito.
A justiça, embora sendo a virtude suprema do homem, será sempre um ideal, um projecto existencial, um projecto de liberdade assente num contrato social entre o “eu” social e o Estado. Cabendo a este, através de medidas justas e equitativas, administrar uma justiça geral, igual para todos, tendo em conta as diferenças de cada um.
Sem me armar em culto, vou apenas referir umas bicadas em dois grandes pensadores: Hegel e Marx. Referia o primeiro, acerca da alienação religiosa e política –aqui englobando o económico- que “a tragédia da consciência dilacerada torna esta ávida do além”. Utilizando esta frase em analogia, poderemos pensar que o fracasso da “Cidade Terrestre”, a polis, leva-nos a exigir mais das Instituições, e, neste caso, na Justiça. Em produto final de esperança, concentramos nestas fundações um poder outorgado como se de um Deus vingador se tratasse, e cabendo-lhe o papel de realizar o nosso ideal. O problema, é que esquecemos que as instituições têm sempre um âmbito limitado, como limitado é o homem, e, como lançamos as expectativas demasiado alto, a frustração acaba por ser muito maior. Ou seja, acaba por se acentuar uma desigualdade e um divórcio entre o que o sujeito projecta e o que é realizado pela instituição num universo de humanidade.
Nós hoje dividimos a sociedade em dois pólos. “Nós” (os bons) e os “outros” (os maus). Sempre que acontece esperarmos uma sentença de um caso em que estejam envolvidos notáveis, da política ou da alta finança, partimos sempre de um “a priori” de culpa. Este apriorismo acaba por condicionar a nossa capacidade de análise critica independente. Há nesta condenação antecipada uma vendeta, uma vingança, de nós (bons) contra eles (maus), pelo facto de serem bem sucedidos e nós não passarmos da cepa torta. Esquecemo-nos que, aquando o acto jurídico redunda em absolvição, os tribunais para condenarem precisam de provas factuais, e, na maioria dos casos, devido a trabalho intenso no fio da navalha das polícias, os processos chegam à barra enfermando de vícios diversos –como é o caso de escutas que são invalidadas. Ora, perante ilegalidades o que podem fazer os Juízes? Naturalmente absolverem. É evidente que “Nós” não entendemos esta absolvição. Porquê? Porque já os tínhamos sentenciado antecipadamente.
Já muita gente que trabalha na justiça o disse: o nosso direito é demasiado garantístico. Não vou dizer sim ou não. O que sei é que os tribunais têm uma intrínseca preocupação de não condenarem inocentes. Há um princípio do direito que arroga que “vale mais andarem à solta 1000 criminosos do que estar preso um único inocente”. É evidente que esta frase é passível de muita argumentação, no entanto o que subjaz é o elevado conceito da eficácia da justiça.
Em resumo, em minha opinião, devemos aceitar com maior convicção as deliberações do tribunal. Até porque não nos resta outro remédio, mesmo correndo o risco de se praticarem injustiças. Sendo uma justiça feita por homens, e sendo estes naturalmente imperfeitos na equidade, jamais será possível expurgar as injustiças. Com a natural dinâmica das instituições, ainda que lentas, é natural que, progressivamente, se atinja um grau de equilíbrio maior.
A ENGRENAGEM
Quando Maquiavel pensou o Estado enquanto estrutura organizada, política, social e jurídica, estaria longe de pensar que um dia, longínquo, chegaria o momento de questionar a sua eficácia. Ou seja, tal como hoje se verifica, há uma contestação generalizada. Este Estado não agrada nem a “Gregos” nem a “Troianos”.
Tudo começou nas sociedades ocidentais e após a industrialização nos fins do século XVIII, com a Revolução Industrial. É aqui que se acentuam as desigualdades dos sujeitos. Começa aí a luta na contingência relativa a projectos próprios num conjunto de relações sociais objectivadas.
Marx vem a debruçar-se sobre esta objectivação ainda sobre a alienação do homem quando escreve que “este (o homem) está ameaçado pela incoerência das suas reacções ao acontecimento, pela desigualdade dos projectos existenciais incompatíveis com o seu próprio que tecem a rede dos acontecimentos da sua vida quotidiana, pela inércia e pela satisfação em face dos trabalhos, das obras e das instituições” –in Alienação e Sociedade Industrial, de François Perroux.
Marx -1818-1883-, considerava que a Revolução Industrial veio colocar o homem perante uma “engrenagem e de um projecto assente nas culturas mecânicas das sociedades nascidas desta industrialização moderna”.
“O homem que aí se encontra alienado só pensa em relação à engrenagem. (…) Ele não é estranho à engrenagem, não a ignora, não pode esquecê-la, fala dela. A engrenagem é que lhe é estranha; o homem não sabe ou não pode servir-se dela; bem o desejaria. (…) O mais grave é que a engrenagem parece utilizar-se do homem. O homem alienado continua, na sua angústia, a falar numa linguagem reveladora: diz de si próprio que é “uma roda numa grande engrenagem”, que está “preso na engrenagem”, que foi “esmagado pela engrenagem” (uma “engrenagem infernal” em que a ignorância e o destino jogam contra o homem…)”.
O que quero dizer com isto? Pegando nas palavras do Mestre, que o Estado se tornou numa grande engrenagem. “Uma grande máquina, um maquinismo composto de máquinas combinadas umas com outras, no intuito de produzirem objectos úteis. É um composto de opressões exercido por homens sobre outros homens através da comunicação unilateral, arbitrariamente seleccionada, truncada ou deformada, da informação, e através da ameaça e do exercício da opressão (…)”.
O homem dos nossos dias vive nesta engrenagem alienado por uma convicção de verdade instrumentalizada. É curioso que o grande “boom” da comunicação mundial apenas veio adensar ainda mais uma exactidão que nunca o fora. Hoje, um sujeito que seja prudente e avisado, perante umas imagens ou notícias, não se deve pronunciar sumariamente contra ou a favor. Nesta engrenagem, em que todos fazemos parte, como marionetas, vivemos uma época de fabricação de inverdades assentes sempre sobre o interesse político de alguém. É aqui que deveremos estar permanentemente alerta.
Isto não quer dizer que os próprios tribunais, dentro da engrenagem Estado, não se transformassem também numa engrenagem autónoma, ritualista e ultrapassada. Isto é, num sistema, dentro de outro sistema segregando a sua própria legitimação autonomamente por força da separação de poderes.
O que assistimos hoje é a um direito (leis) moderno a entrar numa complexa máquina, anacrónica e agarrada a ritos e a tradições, e incapaz de acompanhar os tempos contemporâneos.
Embora, por força do desrespeito que começa a sentir-se nos tribunais, nas salas de audiência, estes vão ter, obrigatoriamente, de se actualizar. Os tribunais de hoje já não infundem aquele respeito fundamentado no medo de outrora. Basta ver, a semana passada, as agressões verbais num julgamento em Coimbra e ontem em Bruxelas, na Bélgica, em que o sentenciado assassinou a magistrada e um funcionário.
Os tempos serão de mudança. Afinal não é isso que todos esperamos?
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