sexta-feira, 18 de junho de 2010

UM COMENTÁRIO RECEBIDO (SOBRE...)




Marco deixou um novo comentário na sua mensagem "MORREU JOSÉ SARAMAGO": 

Luís, concordo consigo quando refere que Saramago foi um vulto da nossa cultura e projectou o nome da nação no mundo das artes. Pessoalmente, nunca gostei da sua escrita. Tentei efectuar segundas leituras, pois por vezes não vemos imediatamente a beleza de certas obras quando as lemos. Enquanto homem, a minha opinião sobre ele é ainda pior que a de escritor. Foi uma pessoa que em nome da «coerência» nunca mudou de ideias, principalmente a nível político. Patriota, nunca foi, pois lembro-me que disse que nunca regressaria a Portugal, quando Cavaco Silva foi eleito. Uma demonstração de falta de humildade
e de saber perder.
Não quero parecer insensível, mas não pactuo com o habitual comportamento do português quando morre alguém: «era muito boa pessoa», «tinha o seu feitio, mas era uma jóia de pessoa»,etc.
Resumindo, reconheço o facto de se ter falado muito de Portugal quando foi premiado com o prémio Nobel. Isto ajudou outros escritores nacionais a serem conhecidos no estrangeiro, pois a curiosidade pela literatura portuguesa era reduzida. Devido a Saramago, pode dizer-se que A. Lobo Antunes, J. L. Peixoto e outros são reconhecidos lá fora, esse mérito temos de lhe dar, apesar de se ter tornado um patriota exilado em Espanha por opção pessoal.
Os meus sentimentos à família. Agora não me peçam para o elogiar.
Marco

4 comentários:

Jorge Neves disse...

A minha sentida homenagem a este Homem!
Um texto sentido, talvez o mais bonito (pelo menos assim o sinto agora) de tantos bonitos que escreveu.
Abraço.
Jorge Neves

CARTA PARA JOSEFA, MINHA AVÓ
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”.
É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.
José Saramago

Jorge Neves disse...

Saramago dispensa elogios e pedidos de favor.
Ate sempre

Anónimo disse...

Amigo Jorge,o sr. não se está a ver ao espelho,por acaso?
Quando dou as condolências a alguém são sentidas,só quem perdeu alguém que ama muito sabe o que é sofrer,e eu infelizmente sei muito bem o que é isso.
Mas a minha opinião sobre o homem não tem de ser igual á sua.
Marco

Jorge Neves disse...

Caro Marco, não existe ninguem que não tenha perdido pelo menos uma pessoa que querida. A sua opinião não tem de ser como a minha, como a minha como a sua,tanto odio a um Premio Nobel Portugues só por ser comunista, e de ter de fugir para Espanha por causa do sr Cavaco e de um Ministro do mesmo, não é de ser isento e muito menos bom grado. Simplesmente me referi ao seu " não me peçam para o elogiar", ninguem lhe o pediria fique descansado, do mesmo modo que nunca cuspirei numa futura estatua de Salazar,porque quer goste ou nao goste faz parte da nossa historia, e mereçe respeito por tal.
"É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua."