quarta-feira, 2 de junho de 2010

QUEM QUER CALAR O LUÍS CORTÊS?




Ó senhor Luís, por amor de Deus, tem de me ajudar! Querem calar-me, querem tirar-me da Loja do Cidadão. Tenho de trabalhar senhor Luís! Pago 325 euros de renda de casa –por falar nisso, o senhor Luís ainda não foi ver a minha casinha, tem de ir ver aquele meu encanto! A minha mulher está desempregada!”. Quem me dirigia este pungente apelo era o Luís Cortês, músico invisual e deficiente motor.
Já escrevi vários textos sobre o Luís. Lembro sobretudo o hino por ele composto e musicado para a campanha política do candidato à Câmara Municipal Horácio Pina Prata.
 Como ressalva de valores, sou um defensor acérrimo de músicos de rua como o Luís Cortês. Na Baixa da cidade há imensos como ele, em que o talento, como espuma de uma taça de champanhe, transborda abundantemente e se perde escorrendo em fios de displicência como lágrimas vertidas por alguém que sofre. O mais grave é que esta apatia é fruto, tantas vezes, de uma insensibilidade mesquinha e falta de respeito pela arte ao ar livre. A troco de uma simples moeda pode ajudar-se a transformar o dia-a-dia das cidades e impedir que as ruas sejam sempre soturnas e rotineiras.
Então o que aconteceu, Luís? Interrogo. “Anteontem, um agente da PSP veio ter comigo para que eu baixasse o som do órgão e cantasse mais baixo. Segundo o cívico, tinham recebido um telefonema provindo da Loja do Cidadão de alguém a queixar-se do barulho da música. Eu baixei o volume do órgão e comecei a cantar mais baixo. Pensei que o assunto estava resolvido. Para minha surpresa, hoje, Quarta-feira, fui outra vez abordado pelo mesmo agente para que baixasse mais. Como é que eu posso trabalhar assim, senhor Luís?”, interroga-me o Luís Cortês em pergunta de retórica.
 Como manda o bom senso, desloquei-me à Loja do Cidadão para tentar chegar à pessoa incomodada pela música do Luís. Apesar de perguntar aqui, ali e mais à frente, não cheguei ao queixoso. Em duas secções diferentes, duas pessoas, falando praticamente a uma só voz, que pediram o anonimato, um pouco receosas de emitirem opiniões, lá foram dizendo “que de certeza que esta queixa para a PSP era individual, isto é, de alguém que se sente incomodado". Disse mais: "daqui, da Loja do Cidadão, enquanto estrutura pública, duvido que alguém fizesse uma única participação. Até porque, repare, quando foi da campanha do Pina Prata, em que era um barulho quase infernal, ninguém aqui da casa fez o que quer que fosse contra o músico. Quando havia queixumes eram direccionados e focalizados em tratamento personalizado à pessoa que os provocava. Posso garantir-lhe que aqui, nesta repartição pública, há um profundo respeito por todos. Aliás, ainda bem, porque é a nossa obrigação. Enquanto funcionário de atendimento ao público fico muito satisfeito com esta forma de procedimento”, enfatizaram os dois funcionários da Loja do Cidadão.
 Para obter um melhor esclarecimento, dirigi-me à 2ª Esquadra da PSP. Embora simpático o agente de serviço confirmou que de facto havia várias queixas contra o Luís Cortês, sobretudo pelo volume. “É fácil de imaginar, já viu o que é uma pessoa estar todo o dia a ouvir música de manhã até à noite?”. Mas que não poderia ir muito mais além do isto. Reportou-me para o Gabinete de Relações Públicas, daquela polícia, na Avenida Elísio de Moura. Por impossibilidade, em tempo útil, não me desloquei àqueles serviços de informação. No entanto, creio que o essencial fica escrito, e a interrogação fica no ar: quem quer calar o Luís Cortês?

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