sábado, 5 de junho de 2010

CRÓNICA DA SEMANA PASSADA...

(FOTO DO DIÁRIO DE COIMBRA)










 Esta semana, logo na Segunda-feira, a Baixa foi abalada pela presença de uma senhora, Emília Lourenço, que se colocou de plantão à entrada da Câmara Municipal de Coimbra. Com um grande cartaz, onde alertava para a necessidade de as entidades competentes lhe resolverem um problema de águas que, provindo de um terreno vizinho em plano superior, invadia o pátio da sua casa em Alcarraques, a dona Emília tem permanecido todos os dias úteis às portas da autarquia.
 Na Terça-feira, os dois jornais da cidade, o Diário de Coimbra e o Diário das Beiras, em grande destaque, focavam o assunto na primeira página. A partir daí, embora a contestatária lá tenha continuado nos dias em que a edilidade está em funcionamento, nunca mais o assunto foi trazido às páginas dos dois periódicos.
Numa tentativa de tentar entender este alheamento da comunicação social vou tentar especular sobre o que terá acontecido para esta falta de atenção.
Vou começar mais detrás. Embora este tipo de protesto, na forma de reivindicação, seja original, lembro que já tem historial na autarquia de Coimbra mulheres de meia-idade manifestarem-se abertamente contra a política social do executivo da “Coligação por Coimbra”. Há cerca de dois anos para cá, Vitália Ferreira, vinda da Rua Padre António Vieira até à Praça 8 de Maio, gastou as solas a reclamar contra o barulho de um bar junto à sua porta. Andou pela Assembleia Municipal, foi ao executivo várias vezes e, até hoje, ainda não resolveu o problema que a aflige.
Dona Leónidas, uma professora, proprietária de um prédio nas Escadas dos Gatos, julgando-se prejudicada no seu edifício pelo ruir abrupto de dois prédios vizinhos em Dezembro de 2006, tem intervindo imensas vezes em defesa dos seus legítimos pontos de vista na Assembleia Municipal e no executivo camarário.
A todas estas pessoas as respostas têm sido insatisfatórias e inconclusivas. Tudo indica, nos dois últimos casos, em que as senhoras terão mais de setenta anos, que vai ser o tempo a encarregar-se de solucionar as questões que as envolvem.
Também nestes três casos, há um que se torna “sue generis”. Na história da dona Vitália, a comunicação social deu relevo ao caso até à exaustão. A ponto desta senhora vir a ser demandada em difamação-agravada, e condenada em tribunal, pelo bar alvo dos queixumes da moradora, por declarações prestadas em excesso aos jornais.
Ora, neste caso da Dona Emília, o que se assiste é a uma completa ostracização pela imprensa sobre o protesto da moradora de Alcarraques. Estarão os jornais com medo que lhes aconteça o mesmo e virem a ser demandados judicialmente?
Analisando as declarações do presidente da Câmara, Carlos Encarnação, ao Diário de Coimbra, de que “o que a munícipe pretende é “chamar a atenção”, por isso “pode continuar (com o protesto) o tempo que quiser” porque “não pactua” com este tipo de manifestação”, podemos eventualmente acreditar que este desabafo do autarca foi ouvido por todos, incluindo o público e a comunicação social.
 Mas, continuando a especular, é possível crer que alguém para chamar atenção se vai colocar diariamente, sob um calor tórrido, às portas de uma instituição? Esta motivação será credível? Quem acredita nela?
A verdade é que, por estranho que pareça, as televisões privadas ou públicas também não ligaram ao assunto até agora.
E o público diário da cidade? A mesma coisa. Passam de lado como se aquele assunto não lhes dissesse respeito. Provavelmente olharão de soslaio e com algum desprezo a protestante. Quem sabe até, mentalmente, apelidando-a de “maluquinha”.
É certo que a cidade nunca foi muito solidária com casos individuais de protestos. O normal é o toque a reunir e agir colectivamente, em massa. Faz-se uma petição, colocam-se como subscritores meia-dúzia de professores universitários, juntam-se os artistas de diversas áreas, mais uns médicos e outros nomes conotados com a esquerda intelectual e aí temos um “forrobodó” a invadir a cidade e não se falará de outra coisa. Nem interessa que os queixumes sejam ou não justos, isso não importa nada. O que convém é a mimética de carneirada que subjaz neste acto que pode ser tudo menos em nome da solidariedade.
Acho imensa graça, sobretudo aos políticos, ao apregoarem a participação política dos cidadãos. Quando acontecem casos iguais a este da dona Emília e outros, pura e simplesmente, ostracizam-nos. Bem querem estes representantes políticos saber sobre as angústias destas pessoas. E tanto faz ser o executivo como a oposição. São todos iguais. Até diria mais: a oposição, nestes casos, consegue ser mais hipócrita que a coligação que está no poder. Para mostrar aos eleitores que estão preocupados com os problemas não resolvidos pelo partido eleito, sob os holofotes da imprensa, como sanguessugas, vão auscultar a vítima só para inglês ver. Mas, depois, nos dias subsequentes, deixam de se interessar pelo assunto. Raramente cumprem alguma promessa que tenham substabelecido em nome do seu partido, ou mesmo em seu próprio nome.
 Actuam todos ao lado do tempo. Sabem bem que estas pessoas, naturalmente, vão cansar-se e acabam por não aguentar. E os problemas, que deveriam ser resolvidos por estes políticos que foram eleitos e ganham ordenados para isso, vão continuar nas calendas por dirimir.
Pouco lhes importa que a contestatária regresse a casa com um anátema de “doidinha” que nunca mais vai livrar-se. Isso não é da esfera destes iluminados políticos que nos regem. Pouco lhes importa que estas pessoas fiquem deprimidas para toda a vida por causa de um auto de fé que, num dia de garrafa cheia, decidiram saltar a barricada e, pacificamente, vieram para a rua à procura de serem escutadas por alguém. Mas, em terra de surdos, como será possível ouvir o que quer que seja? “E mais um assunto que não me diz respeito? Homessa! Isso é que era bom! O que é que eu ganho com isso?” –pensa esta gente, massivamente.
É uma vergonha o que se está a passar aos nossos olhos! E, pelos vistos, todos dormimos bem sobre o caso que preocupa a dona Emília Lourenço. O problema será quando calhar a nossa vez. Ah…-eu tenho cada uma!- claro que nunca calhará a nossa vez: nenhum de nós tem metade da coragem desta senhora.

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