Tinha uma ideia vaga da aldeia do Salgueiral. Talvez há cerca de 45 anos que não visitava este lugarejo entre o Monte Novo e o Luso. Lembro-me, em criança, de ter percorrido várias vezes a linha de caminho-de-ferro entre Várzeas e esta povoação. Subia junto ao túnel e ia dar ao pequeno povoado.
Ontem deu-me uma saudade e, do Luso, passando pela Fonte do Castanheiro, fui visitar aquela aldeia que já não me lembrava praticamente nada. Parei à entrada e tirei uma foto. Mais à frente tirei outra. Um homem na janela, sem conseguir disfarçar alguma apreensão, olhava fixamente para mim. Praticamente, na estrada principal que vai dar a Vale da Mó, não se via vivalma.
Sensivelmente a meio do lugar, num terreiro, junto a umas arcadas em ferro, estacionei novamente o carro e toca de tirar mais umas fotos. É então que lá do cimo do monte, junto a uma casa, alguém ganhou coragem e atira: “ó amigo, precisa de alguma coisa?”. Para o obrigar a descer, porque calculei o que o atormentava, respondi: “preciso de um copo. O amigo paga um copo?” –eu estou para o álcool como Sócrates está para o Manuel Alegre. Dividimo-nos entre um amor de conveniência e um interesse de convergência.
Lá desceu o homem. Expliquei-lhe que já não visitava o Salgueiral há mais de quarenta anos, desde os meus tempos de menino. Lá lhe fui explicando que nasci em Várzeas, uma aldeia um pouco ao lado, mas como cedo vim para Coimbra, nunca mais voltei à sua aldeia. Por isso andava por ali a fotografar para mais tarde recordar. Aparentemente ficou mais descansado. Foi-me dizendo que na aldeia só ficaram os velhos. Praticamente já não há crianças. Como há pouca gente, anda tudo com medo. Ainda há dias, junto à estrada, roubaram um atrelado que a mãe usava para transportar fenos para o gado. “Uma carrinha fechada, parou e calmamente colocou lá dentro o pequeno carro que tanta falta faz à minha mãe. Outro dia, andava aí uma carrinha, também fechada, com um reclame qualquer, a dizer “TV…qualquer coisa”. Eu estranhei andarem por aqui todos os dias. Falei na GNR, os agentes vieram cá, interceptaram-na e afinal andavam por aqui a assaltar as casas. Já viu? Como é que podemos andar descansados? O senhor desculpe…pensei que era mais um que vinha estudar o terreno para depois vir dar a palmada”, justificou-se.
Como lhe disse que ia para Várzeas, indicou-me o caminho, por entre os pinhais e que mais à frente estacionasse que poderia visitar o túnel. Despedi-me e segui a vereda por entre pinheiros e eucaliptos. Enquanto apreciava todo o desleixo a que a floresta está votada e ia aspirando aquele cheiro parecido a rosmaninho, ia pensando nesta medida do Governo de encerrar as escolas básicas com menos de 20 alunos. Do ponto de vista de poupança das finanças públicas é uma medida acertada, mas do ponto de vista social é um desastre. Estas aldeias do interior, nas últimas décadas foram perdendo tudo. Começou pelo encerramento das pequenas fábricas que davam emprego; a seguir acabaram com a possibilidade de terem os seus animais, o porquito, a Ovelha, a Cabra, o Boi, utilizado na lavoura; proibiram quase todas as feiras agrícolas de animais, onde estes eram comercializados e constituíam o fundo de maneio destas pessoas que revolviam a terra e apanhavam o mato para fazer as camas aos animais; com a abertura da grande superfície na vila, encerrou a mercearia e taberna, centro de convívio do pequeno amontoado de casas e os velhos ficaram mais velhos e sós.
Com tudo isto, medidas certas do ponto de vista tecnocrata, de quem nunca passou um dia numa aldeia, liquidou-se estas pequenas urbes. Naturalmente que os mais novos migraram para os maiores centros, onde, em princípio, teriam uma vida melhor e poderiam dar outra educação aos filhos. E as casas com placas de “vendo” multiplicam-se a cada esquina.
Cheguei a Várzeas, uma aldeia que adoro e fui visitar as minhas tias. Passado um bocado, lá, uma vizinha atirou: “andou aí um homem do Salgueiral a perguntar se tu eras mesmo neto do Crispim…”
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