segunda-feira, 7 de setembro de 2009
BAIXA: O CLIMA DO MEDO
No último sábado, dia 5, cerca das 13 horas, entrou numa loja de pronto-a-vestir, na Rua Eduardo Coelho, um indivíduo de barbas, aparentemente bem cuidado de aspecto, com um saco. No estabelecimento estava apenas uma empregada. Calmamente, começou a enchê-lo com um número indeterminado de blusas. Para que a funcionária permanecesse quieta e os gritos saíssem em sussurros, bastou um olhar fulminante do assaltante.
Na Sexta-feira anterior, dia 4, cerca das 13H15, no Centro Comercial Horizonte, ao lado da Loja do Cidadão, Sílvia Antunes, proprietária de uma loja de artigos de criança, num ápice, viu-se roubada de cerca de 30 peças de artigos para infantes. “Era um fulano razoavelmente bem parecido, de calças pretas, camisa branca e tinha barbas”, segundo as suas declarações. O montante ascendeu a cerca de 600 euros.
No ano passado esta loja foi assaltada durante a noite. Depois de partirem o vidro os energúmenos levaram o que quiseram.
No princípio deste ano, pelas frinchas de um vidro, através da técnica do arame, viu-se sem vários artigos. “Até onde o arame chegou, foi tudo”, confidencia-me.
Em Março, último, durante o horário de expediente, um indivíduo, entrou dentro da loja, pegou num fato e largou a correr porta-fora. D. Sílvia, ainda correu, mas apenas logrou o seu rasto.
Em Abril, durante o dia, duas ciganas entraram na loja. Enquanto uma fazia perguntas, a outra encheu um saco de artigos para bebé. A proprietária apercebeu-se, tentou apanhá-las mas em vão.
Quando lhe pergunto se participou à polícia, responde-me na interrogação: “para quê?”. Quando lhe pergunto como se sente psicologicamente, diz-me, quase em choro, que muito revoltada. Não sabe como aguentar esta situação. “Sinto-me num poço. Estou a ficar sem forças…”
Uma outra loja de pronto-a-vestir, na Rua Eduardo Coelho, há cerca de um mês, num dia de semana, cerca das 19 horas, a proprietária apercebeu-se que uma mulata, tóxicodependente estava a encher uma mochila com artigos. Fechou a porta à chave, para impedir a saída da meliante, e chamou a PSP. Vieram dois agentes. Quando avistaram a rapariga, disseram: “olha quem é ela? Outra vez? Tu não queres mesmo outra vida, pois não?”. Identificaram-na e mandaram-na à vidinha. Quando ela desapareceu, certamente em busca de outra vítima, os cívicos, à laia de desculpa, tentaram justificar-se. Que não podiam fazer nada. Que apenas tomavam conta da ocorrência para fins estatísticos. Antes de abandonarem o estabelecimento ainda disseram à lesada "que não voltasse a fechar-se com um assaltante dentro da loja, poderia ter redundado em tragédia”, avisaram, diz-me esta proprietária que pediu o anonimato.
Passados poucos dias depois, num Sábado à tarde, quase à sua frente, deu conta de ficar sem várias peças que foram colocadas dentro de um saco. Não conseguiu apanhar o assaltante. No Sábado seguinte, durante a manhã, duas mulheres ainda novas entraram. Enquanto uma fazia perguntas a outra enchia um saco. Quando se apercebeu já era tarde. Há dias, mais uma vez, apanhou um indivíduo a roubar. Com calma que não sentia, impôs que imediatamente lhe devolvesse as peças surripiadas. Provocadoramente, como sabendo que nada lhe aconteceria, o ladrão retirou as peças do saco e atirou-as à cara da proprietária.
Quando pergunto a esta comerciante se quer dar a cara, fica na dúvida e atira: “se todos o fizerem eu também me identifico. Eu sei que o que se passa na Baixa é simplesmente assustador. Mas se isto sai nos jornais, as pessoas cada vez se afastam mais. As minhas empregadas contam-me, porque falam umas com as outras. Anda tudo com medo. Mas valerá a pena dar a cara? A Baixa está completamente ao abandono. Depois, se vamos noticiar isto, ainda é pior. Vale mais ficarmos com os prejuízos. Chamar a polícia ou não é a mesma coisa. Só perdemos tempo”.
Quando lhe pergunto como se sente no dia-a-dia, responde-me: “é uma preocupação contínua. É um transtorno constante. Estou sempre alerta. Estou sempre em tensão. Isto dá-me cabo dos nervos”.
Passado um quarto de hora, recebi um telefonema do seu namorado. “Desculpe estar a ligar-lhe, mas não acha que em vez de isto ser noticiado nos jornais dever-se-ia fazer uma qualquer outra coisa?”. Quando lhe pergunto o quê, não sabe. A titubear, diz-me: “porque não vamos à Câmara ou ao Governo Civil… sei lá!.... O melhor é que isto não se saiba, está a ver? Depois as pessoas não vêm à Baixa…é muito pior…o senhor não acha? Vale mas é mais ficarmos com o prejuízo e calarmo-nos. Entende? Isto está assim. O que se há-de fazer?”.
Hoje, ao falar com a comerciante que foi assaltada no Sábado, na Rua Eduardo Coelho, para tentar saber pormenores, ao perguntar-lhe se não quereria tornar público o seu caso, espavorida, quase em gritos, fora de si, como se quisesse abanar-me à força para eu compreender, replicou: “não senhor, não quero falar disso. É um problema meu e de mais ninguém. Não se meta na minha vida, está a ouvir? Não quero ver nem o meu nome, nem o da minha casa, nem o da rua, está a ouvir? Insistia. Se isto sai nos jornais ninguém vem à Baixa. Temos todos que encerrar as portas…ouviu o que eu disse? O que se têm conseguido anteriormente com as notícias? Temos tido mais segurança? Temos tido mais polícia? Eu cuido da minha própria segurança…não se meta na minha vida”, insistia, como se estivesse em êxtase.
A verdade é que, perante tanta convicção, acabei por ficar na dúvida se, para além de escrever aqui o que se está a passar na Baixa, deveria mandar este texto e passar a informação para o Diário de Coimbra. Não mandei. Quem ler este texto que retire as suas próprias ilações. A Baixa está transformada numa terra de ninguém. Não se admirem se um dia destes houver mortes. Com a maior sinceridade, limitei-me a transcrever o que vi e ouvi. Não me admiro da angústia que perpassa nas cabeças de muitos comerciantes quanto ao futuro. Eu sinto o mesmo. Apetece-me sair daqui.
Repetindo o que disse uma comerciante assaltada: “A Baixa está completamente ao abandono!”.
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3 comentários:
Vê Sr. Luis,você como sempre em defesa dos comerciantes e depois leva com estas atitudes.
Francamente, alguns comerciantes não ajudam mesmo nada. Depois vem o Comandante da P.S.P. para os Jornais afirmar que a Baixa é tranquila e que a estatistica o confirma. Palavras para quê?
Os comerciantes têm que colaborar consigo, porque se trata de uma pessoa empenhada na defesa do comércio tradicional.
Pena o Sr. não ser compreendido.
Obrigado amigo. Você conhece melhor do que ninguém os agradecimentos de que fala. Mas, apesar disso, continua. E eu, igualmente, cá vou andando...
Um grande abraço.
Volte sempre.
A segurança na baixinha de Coimbra só regressa com o rejuvenescimento da população.
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