quinta-feira, 10 de setembro de 2009

EDITORIAL: EM NOME DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO





Nos últimos tempos, em nome da liberdade de expressão, somos confrontados, sempre que há oposição a duvidosas criações, lá vem o carimbo: “CENSURA”.
E este comportamento não é apenas em Portugal. É transversal a toda a Europa. Quanto a mim, neste velho Continente, porque tem problemas mal resolvidos, continua-se a confundir “liberdade” com “libertinismo”.
Em nome da sua carta de alforria, em nome da autonomia da liberdade, e na cabeça de muita gente, tudo se pode fazer: violar direitos de outrem, ofender convicções, difamar; em nome da arte, numa gratuidade absurda, atentar contra a vida dos animais, apresentar obras de mau gosto; na publicidade, a mesma coisa.
Recentemente por aqui, e em nome da liberdade de expressão, basta lembrar o cancelamento do Jornal de Sexta-feira da TVI e agora a proibição do livro (Madie- A Verdade da Mentira) de Gonçalo do Amaral. Caiu o Carmo e a Trindade se alguém, em defesa do seu nome (no segundo caso) ou na plena liberdade empresarial de escolher os conteúdos que melhor lhe aprouver (referente à TVI). Segundo o pensar de muita gente o absolutismo do todo deve exacerbar a liberdade individual. Ou seja, pelo voyeurismo e irresponsabilidade de uma maioria deve a minoria render-se à sua duvidosa e omnipotente vontade insaciável de espreitar e violar as entranhas da individualidade.
No referente à publicidade, está aí uma grande polémica na Alemanha, com uma campanha contra a Sida, a ser lançada em Dezembro próximo, onde, para além de cenas de sexo explícito, são utilizadas num clipe as figuras de Hitler e outras personagens trágicas que contribuíram para o extermínio da humanidade.
Ainda há pouco tempo passou aí uma discussão animalesca em volta de um artista, de nome Guillermo Vargas, que recolhendo um cão vadio, atou-o com uma corda na parede de uma galeria de arte e ali o deixou morrer à fome e à sede. Penso que mais uma vez estamos na fronteira entre o que é a liberdade e o sádico “libertinismo” a cair no patológico. É na arte que estas manifestações são mais perceptíveis e de maior dificuldade em definir a liberdade de criação e o bom gosto. Ambos os conceitos, “liberdade” e “bom gosto”, já por si são difíceis de definir. Mesmo sem o querer, cada um acaba sempre por invadir a esfera do outro.
Uma outra discussão que foi adiada, embora temporariamente, porque mais tarde ou mais cedo terá que ser debatida no Parlamento Europeu é a liberdade na Internet. Quanto a mim, esta grande rede global não pode continuar sem regras. O crescimento deste mundo cibernético que toca todos os ramos, desde a economia, social, político, até aos tão propalados direitos de autor, em nome da criatividade e da liberdade de expressão não pode continuar a violar princípios individuais fundamentais. Só para dar exemplos, em nome de uma liberdade económica –que nos moldes em que se move na Web ninguém sabe o que é- não se pode continuar a transaccionar tudo, desde droga, armas, medicamentos sem receita, até à venda indiscriminada de produtos, sem controlo aduaneiro ou fiscal, por parte de particulares que estão a contribuir para o genocídio de milhares e milhares de Pequenas e Médias Empresas. Assim como também por aqui operam empresas, aparentemente credíveis, sobretudo em redes sociais, ditas de encontros de pessoas, que, a quem lhes facilitar o número de cartão de crédito, actuam como parasitas. As suas sedes, inerentes à sua responsabilidade civil e criminal, nunca são encontradas. Muitas vezes, só o recurso ao cancelamento do cartão de crédito é a única solução.
No campo social e político é o que se sabe: qualquer um cria um blogue –segundo a Google, diariamente, é criado um novo site a cada segundo que passa. Sobre a capa do anonimato, acusa, ofende, difama, sem que na maioria das vezes se consiga chegar ao seu autor.
No campo dos direitos de autor, é o que se sabe, a fazer-se pirataria para se comercializar as obras que deram tanto trabalho a construir.
Infelizmente, sabe-se antecipadamente que as regras que aí virão, ao mesmo tempo, serão acompanhadas de grandes abusos pelas mega companhias que regulam este mundo de internautas. Caberá a cada utilizador, com grande responsabilidade, não deixar transformar esta grande floresta de liberdade sem regras numa selva, com algumas regras sim, mas onde quem vai imperar, a ditar as leis, serão os grandes dinossáurios económicos, que, pela força do mais forte, exterminará o mais fraco.
Confesso que tenho alguma dificuldade em saber qual o melhor sistema: o actual sem regras, se o que virá, restritivo e totalmente controlado, somente com único fim que é onerar todos, e, com esse custo, provocar maior discriminação entre os mais carentes financeiramente. Tenho esperança que a nova sociedade de informação, actual e futura, saberá encontrar a melhor solução.
De qualquer modo, e recorrendo a um chavão, é bom lembrar que a única forma de compreender a liberdade é entender que a “minha” deve terminar quando estou a invadir a esfera do “outro”. Se formos capazes de estabelecer esta fronteira não teremos problemas de discernir o que deve ser verdadeiramente esta “liberdade” de que tanto se fala mas tão mau uso lhe é dado por todos nós.

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