quarta-feira, 22 de julho de 2009

UMA CHUVA INCÓMODA CAI NA CIDADE




Hoje chove na cidade. Mostra que o tempo também chora,
os transeuntes, de passo apressado, sempre a evitar,
grossos pingos de água, pensam, “nada melhora”
até o verão, tão nosso amigo, agora, parece gozar,
fazendo máscaras de sofrimento de dor, perora,
sobre a melhor forma de, sem dó, nos fazer penar;
Idalina, cadela rafeira, debaixo do toldo, resmunga,
é difícil tratar da vida com sol, quanto mais a pingar,
estraga-me a toilette, a minha franja loura –e funga.
Marcolino, o lindo gato da Lurdinhas, está a suspirar,
“Ermelinda, minha gatinha, quero ver-te”, comunga,
“Ai esta chuva, enfadonha, que não há meio de passar;
Manel, à porta da loja, arranhando na cabeça, a pensar,
se continua assim, tempo acinzentado, não vou vender,
as modas são um problema, passam a monos num piscar,
por que vim para o comércio, tanto me hei-de arrepender,
podia ter sido artista, músico, doutor, já me estou a fartar,
é uma vida de ansiedade, de insegurança, só me faz sofrer;
Armandolas, engatatão, polidor de esquinas, está descontente,
gosta de mulheres despidas, cheias de calor, parecem esfriar,
pode este trabalhador, com esta chuva, ter uma vida decente?
Claro que não. Se o tempo continua com fífias, vai mas é gamar,
Mas quem? Anda tudo embrulhado em si, o vício que aguente,
espera por amanhã. Pode ser que o tempo venha a melhorar;
Gustavo, um sem-abrigo, pensa no Rendimento de Inserção.
Retiraram-lho. Como vai agora comer uma sopa, qualquer coisita,
já está habituado a dormir no chão, mas ao menos uma refeição,
bem reza todos os dias, vai à Igreja, fala a Deus na marmita,
o Senhor não lhe liga, o padre não escuta, ora mais uma oração,
o trabalho cansa, a vida é bela, a fome é negra, é uma desdita.

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