terça-feira, 7 de julho de 2009

GERVÁSIO PARTIU





Quem faz o favor de ir lendo o que escrevo aqui verá que raramente me refiro a futebol. E se o fizer, é assim sempre numa espécie de passagem para canto. Não posso permanecer muito tempo com a bola, caso contrário descobrem que eu, para além de não ter qualquer conhecimento sobre a matéria, não percebo mesmo nada de habilidades com a esfera. E, já agora, fugindo ao tema que me levou a escrever –porque a escrita é como o “couvert”, nunca queremos, mas entramos lá, provamos, e pronto, estamos perdidos- vou contar uma pequena história –até é de admirar, parece você dizer-me, eu nunca conto histórias.
Por alturas de 1970, teria eu então 14 anos, trabalhava então na Praça da República, toda a gente discutia futebol. Quem não o sabia fazer, era o mesmo que não saber ler. Mas eu nunca tive apetência para a cultura futebolística. Mas “status” “oblige”. Então, eu que normalmente ia ler os livros de banda desenhada “à borliú” para o quiosque do senhor Machado e da esposa, a Dona Teresa, durante muito tempo, passei a ler a “Bola” e o “Mundo Desportivo”. Então nas discussões acaloradas nos bilhares do Café Moçambique ou no ACM, quando puxava futebol, era ver o puto –que era eu- a puxar pelos galões da cultura do pontapé na bola. Não me lembro, mas quase de certeza que não convenci ninguém com a minha sabedoria. Depressa tive de voltar à minha leitura predilecta do “Falcão”, do “Mundo de Aventuras”, do “Texas Jack”, do “Condor” e dos pequeninos “6 Balas”, estes já tinham de ser comprados usados na Tabacaria Sereia, na Rua Almeida Azevedo, porque vinham com as páginas fechadas.
Foi nesta altura que conheci todo o plantel da Académica, o Maló, o Belo, O Néné –que morreu num acidente, com um mini Cooper S, na estrada da Figueira-, o Rui Rodrigues, os Wilson, pai e filho, o Curado, e então o Gervásio. Nunca tive grande confiança com qualquer deles, no entanto, do meu canto, observava-os. Lembro-me bem deste último, o Gervásio. Era muito calado, um pouco intimista, uma pessoa reservada e bem personalizada. Nos últimos anos, falei com ele uma ou duas vezes, por acaso, apenas pelo acaso. E o que me levou a escrever este texto é que o grande capitão da então Académica partiu há dois dias. Poderia não escrever nada. Mas, fazendo-o, tenho a certeza, também não fica mal dizer que partiu um homem ilustre, muito simples, sem vaidade, que marcou Coimbra numa época em que o futebol era jogado a feijões. Quase que se jogava por amor à camisola.
Gervásio morreu, Coimbra ficou mais pobre. Não sou saudosista. Nostálgico, sou de certeza. Mesmo assim, correndo o risco de me contradizer, tendo em conta com o que se passa hoje no desporto-rei, tenho alguma saudade pela forma como pessoas como o Gervásio conviviam entre nós com aquela simplicidade, no então Mandarim, sem peneiras nenhumas.
Bom, para terminar, só me resta entregar à família as minhas sentidas condolências. “That’s life”…

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