sábado, 18 de julho de 2009

DISCORRENDO SOBRE UMA SENTENÇA JUDICIAL


(IMAGEM DA WEB)




 Há dias, mais exactamente no dia 16 deste Julho, assisti à leitura da sentença de Vitália Ferreira (VF) no Tribunal de Coimbra. Esta senhora estava acusada de cinco crimes de difamação e ofensa a pessoa colectiva, deduzida por acusação particular por uma firma que, legitimamente, se sentiu ofendida e, avocando o seu direito, demandou VF.
Para que o leitor possa compreender melhor, num dos crimes de difamação, estavam em causa declarações de VF feitas a uma jornalista do Diário as Beiras e reproduzidas naquele diário da cidade em 19 de Janeiro último.
Sem entrar em grandes pormenores que, para aqui, considero despiciendos, em plena sala de audiências, ao ler a sentença, a juíza, nos seus considerandos, foi relatando a absolvição da ré em quatro crimes de difamação. Quando chegou ao quinto, de que VF ia acusada, disse isto: “Embora compreenda a sua luta por interesses legítimos” –razões que estiveram na base das presumíveis ofensas-, mas…excedeu-se”.
Disse ainda a juíza: “(…) que embora não ficasse totalmente provado de que a senhora (VF) tenha mesmo feito estas afirmações à jornalista, se elas (as afirmações) foram publicadas entre aspas, devemos partir do princípio de que realmente a senhora as fez. Por que razão iria a jornalista escrever uma coisa que a senhora não disse? O que teria ela a ganhar com isso?”.
Antes de prosseguir, gostaria de fazer duas ressalvas de interesses. A primeira, o que me leva a escrever este texto é apenas tentar (eu próprio) uma reflexão sobre a justiça, neste caso concreto, a sua aplicação. Não gostaria que este escrito fosse entendido como uma forma subliminar de influenciar quem que seja, porque não concordei com a sentença. Nada disso. A minha intenção é meramente de reflexão sobre este caso “sub iudice”.
A segunda ressalva: conheço as partes intervenientes neste processo de apuramento da verdade dos factos que deram origem à demanda. Ou seja, conheço pessoalmente a jornalista do Diário as Beiras, por quem tenho grande estima, e tenho a certeza absoluta de que, diariamente naquele jornal, faz um trabalho sério em busca de um jornalismo que se impõe na cidade. Leio diariamente o que escreve no órgão de comunicação onde trabalha. Acredito nela e no seu brio profissional.
Conheço também VF, embora sem grande familiaridade. Por ter uns familiares na Rua Padre António Vieira, tenho acompanhado, quer através dos jornais, quer na assembleia municipal, quer ainda no executivo da Câmara Municipal, os seus legítimos gritos de revolta contra uma situação infame que se prolonga há mais de um ano. Ou seja o barulho ensurdecedor emanado de um bar pertença da AAC, Associação Académica de Coimbra, e que, segundo as declarações dos meus familiares, não deixa dormir ninguém nas proximidades.
Tergiversando sobre uma sentença judicial, poderemos dizer que para que ela aconteça tem de estar reunidos vários pressupostos, como por exemplo, uma queixa contra alguém, por dano, na(s) polícia(s) ou Ministério Público. Haver um processo, em que são invocadas as razões do ofendido e agressor, e então, em clímax num palco de um qualquer tribunal, na falta de acordo inter-partes ou desistência do queixoso, o julgamento judicial, com o contraditório, na acareação ou confronto dos litigantes envolvidos no processo em apreço. Coadjuvado na procura da verdade pelo delegado do Ministério Público, Com base no desenvolvimento do julgamento, isto é, nas declarações prestadas pelo ofendido, agressor, testemunhas e alegações dos advogados de cada uma das partes e outros indícios considerados relevantes, o juiz, perante as provas apresentadas, vai formando uma presunção de inocência ou culpabilidade. Ou seja, a sentença, o destino do arguido, radica na convicção do “iudice”. Porém, como uma convicção é uma crença fundada em algo evidente, ou seja, é uma opinião subjectiva, é necessário convencer as partes das razões apresentadas para a decisão judicial. Isto é, é nas provas em análise que radica a convicção. Mas esta presunção deverá ser extensível às partes em confronto. Se assim não for, não convence. Por isso se diz que a justiça é a arte do convencimento.
Depois desta ressalva, voltemos então para a sentença da juíza e aplicada a VF. Para relembrar, a juíza disse: “…embora não ficasse totalmente provado de que a senhora tenha feito estas afirmações à jornalista, se elas (as afirmações) foram publicadas entre aspas, devemos partir do princípio de que realmente a senhora as fez. Por que iria a jornalista escrever uma coisa que a senhora não disse? O que teria ela a ganhar com isto?”.
E é aqui, quando a juíza profere solenemente, que “embora não ficasse totalmente provado de que a senhora tenha feito estas afirmações…”, que, quanto a mim, reside o busílis da questão. Se a “decidente”, em juízo de valor, não tivesse invocado a fragilidade dos meios de prova apresentada, esta questão não se punha. Ao chamá-la à colação, e sabendo nós que, “in dubio pro réu”, em caso de dúvida absolve-se o réu, aqui, nesta sentença, o princípio jurisdicional não foi aplicado.
E faço notar que não está em causa a idoneidade de VF ou a da jornalista. O que está em análise é, metaforicamente, uma balança com dois pratos. Num estão as provas apresentadas, no caso, a palavra de uma contra outra. Não houve testemunhas. Noutro prato da balança estão as convicções. Na balança, devem estar equilibrados ou o das provas deve pesar mais? Neste caso concreto, para a juíza, foi o lado da convicção que pesou mais.
Não devemos deixar de pensar que uma convicção sem prova sustentada é uma mera opinião avalizada, ou seja, de pouco vale. Porque, com toda a franqueza do mundo, embora não seja nem perdido nem achado nesta questão, se o leitor me interrogar o que penso das declarações de VF, se as teria proferido ou não, com toda a convicção, afirmo: acho que sim. Com o quadro de envolvência emotiva, é mais que certo que a senhora as tenha dito. Mas e o que vale a minha convicção? Nada.
Ao que parece, VF vai recorrer para o Tribunal da Relação. Talvez nessa altura se faça luz nesta sentença, que, quanto a mim, neste julgamento, o preceito foi subvertido: “in dubio pro reu”, na dúvida… condenou-se o réu.

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