Imaginariamente, sou o presidente da Câmara Municipal de Coimbra. Às vezes há coisas do “camano”. Quem diria que eu, um anónimo e anódino cidadão, que, para além de “treinador de bancada” e escrever umas ferroadas em jeito de calinadas, nunca fez nada pela cidade. De repente, vejo-me sentado neste grande cadeirão, que, pelo peso institucional, pela responsabilidade dos que nele se sentaram, dá uma “cobreira” nos ombros e no corpo todo que nem sei o que fazer. É verdade que sempre tive umas ideias, mas uma coisa é ser crítico de sofá, outra é estar no terreno e querer colocá-las em prática e sentir obstáculos de todo o lado.
Pedir aos funcionários camarários para trabalharem mais, serem mais aplicados e atenciosos com os munícipes, sendo verdadeiros serventuários da causa pública –expliquei bem na reunião que nada tem a ver com “servilismo”- é como se estivesse a pedir-lhes a mulher emprestada. Olharam para mim como se eu fosse um lunático qualquer. Um deles, levantou-se, abanou o tronco, em posição de desafio, colocou as duas mãos em arco na cintura, como se fosse fazer uma “pega de caras”, esticou o pescoço, como a ganhar coragem, ainda passou a mão na melena, e diz: “ó senhor presidente, tenha paciência, o senhor pode ser um grande “idiota” –sem ofensa a V. Exª-, mas da teoria à prática vai um oceano, não sei se está a ver?...”
Quando reúno com os directores de serviço, a mesma coisa, sinto entre nós uma barreira intransponível de má vontade. Como se eu fosse o inimigo, aquele que quer acabar com velhos vícios implantados, a que chamam direitos adquiridos. Eu que escrevi tanto contra o Marinho e Pinto, na Ordem dos Advogados, parece castigo divino, sinto-me aqui como ele, uma “avis rara”, uma espécie de Cristo a apanhar pedradas de todo o lado. Se ainda ao menos conseguisse converter alguém à minha causa…mas está muito difícil.
É certo que estou para aqui com lamechices, mas, em boa verdade, sinto o calor humano das pessoas que se cruzam comigo na Baixa. Também faço questão de, sobretudo à hora do almoço, passear pelas ruas estreitas da baixinha. São abraços e beijinhos. Então as velhinhas são de mais. Até me oferecem flores. Claro que o raminho vem sempre acompanhado com um pedido oral, ora de uma casinha, ora de um “empregozinho” nos serviços da autarquia.
Mas estou para aqui a lamentar-me como todos fazem em Coimbra. Toda a gente se queixa, todo o mundo tem soluções, o problema é que não se vai além da ideia. E eu, igualmente, a choramingar como se estivesse a escrever um diário e até me esqueço que tenho de apresentar novas medidas políticas em prol da cidade.
A que vou apresentar aqui hoje, já ando a trabalhar nela há mais de uma semana, é extremamente importante para a Baixa. De acordo com o Ministério da Saúde, vou transferir o atendimento aos toxicodependentes da Caritas no Terreiro da Erva para outro local. É certo que ninguém os quer por perto, mas, uma coisa é de ver, no centro histórico é que não podem continuar. A sua presença concentrada, sobretudo junto à Rua Direita e Terreiro da Erva, dá uma imagem de completa desagregação, de bairro de lata, que não pode continuar. Além disso está a atrasar a requalificação daquele terreiro. Há empresas que querem avançar com projectos fundamentais para a Baixa e, assim, com este cenário de pobreza, não o fazem.
Estive a falar com o ministro da Saúde, e no hospital da Universidade vamos concentrar todos os serviços de apoio aos dependentes de drogas. Desde o CAT, Centro de Apoio à Toxicodependência, até aos serviços da Caritas. Salientei ao ministro da tutela o bom serviço que esta Instituição Particular de Serviço Social presta a estes utentes, que todos nós consideramos estranhos e ofensivos à nossa forma estandardizada de viver, no entanto, na nossa família, todos temos um igual.
Posso garantir-vos que todos estão de acordo em transferir este serviço de apoio. Agora é só esperar um pouco de tempo.
Tenho outras medidas de que gostava de vos apresentar, mas, desculpem, a Rosalinda, a minha secretária, está a ligar-me, segundo alega, tenho o Almeida Santos, o presidente do Partido Socialista, em linha. Parece que quer pedir a minha ajuda para reestruturar e pôr ordem na Concelhia e na Distrital do partido na cidade. Aquilo, por lá, ninguém se entende, parecem um bando de pardais à solta, com os bicos no ar, à espera que lhes caia do céu um suculento lugar ao sol . Como ele sabe que eu sou apartidário e gosto de dar uma mãozinha, seja onde for, não posso recusar. Desculpem…até mais logo. Vão-me lendo…
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