Os centros urbanos, em metáfora,
são um lago onde convivem harmoniosamente todas as espécies piscícolas, Há os peixões, aquelas castas que, residindo
em luxuosas cavernas do fundo, descendem de grandes famílias que sempre
governaram a mancha de água já desde pelo menos um século para trás. Quando
emitem sons todo o universo local se coloca em sentido e a maioria bate barbatanas
às suas manifestações sonoras, mesmo que anedóticas e patéticas. Lá no tanque,
encontramos os seus apelidos na universidade da biodiversidade, na biblioteca
de algas marinhas, nos funcionários do paço regedor da vida animal e que gere
os destinos da peixaria.
Depois há os peixitos, aquele grupo que só conta enquanto alimento e mão-de-obra
para os peixões. Como formigas em
verão de estio, atrelados com alguns filhos, vêmo-los esfalfados a atravessar o
lago de um lado para o outro, num rodopio incessante em busca de alimento. Algumas vezes rebuscando as migalhas caídas
dos opíparos repastos da classe soberana.
Para além de serem os primeiros a cair no arrasto, aquando da faina dos predadores,
porque estão mais expostos, este agrupamento também serve para votar e eleger
sempre os mesmos na autocracia da mancha líquida de história retorcida e sem narrativa
reconhecida.
E no meio destas duas classes há
então os híbridos, aqueles que, para
além de andarem permanentemente de boca aberta como se estivessem continuamente
a pedir comida, não servem para nada. Não trabalham, não votam, não bajulam.
Mesmo desprezados por todos, pela classe dominante e pela classe dominada, como
tábua de mandamentos, prestam apenas para marcar as fronteiras entre a senilidade e o
bom senso e o remedeio e a miséria. Apelidados por todos de loucos, estranhamente
são livres. Não conhecem horários, dormem em qualquer recanto das profundezas do
lençol de água, mesmo que imundas, e, ainda mais extraordinário, sorriem,
sorriem como recém-nascidos livres de preocupações.
Estranhe-se também como é que eu
querendo escrever sobre o senhor Mendes, personagem de mistério e que apelidei
de Furamundos, dei uma volta ao figurativo
interior da terra apenas para dizer que pessoas como ele, cromos e projecções
de nós, e que existem em todas as comunidades, têm um encanto natural.
Dificilmente conseguimos passar ao lado das suas interessantes formas de estar e
(com)viver a pulular pela cidade, nem que seja, pelo menos, com um olhar
fugidio.
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“O dia do Armagedon”; “O Euleutério ensandeceu e ninguém sabe”; “O Anjo Cinzento de Deus”; “O Onzeiro”; “Perdido entre a Carneirada; “Um amor para toda a vida”; “O Homem que papava livros”; “O velho café do Teatro Avenida”
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"O Carlitos... multifunções"
"Vagabundo de nós"
"Os novos bárbaros"
"Uma constatação curiosa"
"Uma imagem por acaso.."
"Bom dia pessoal"
"De que rirá o Cristo Negro?"
"Este é o mundo real da Baixa"
"Um abraço de criança crescida"
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