terça-feira, 16 de novembro de 2010

PERDIDO ENTRE A CARNEIRADA

(IMAGEM DA WEB)



 Quando me lembro dele, imediatamente, faço analogia com uma mota. Ele é velocidade, som e eficácia. Manuel António tem cerca de 75 anos, mas olhando para a sua agilidade física e mental, penso que o tempo passou tão rápido na sua vida que não lhe deixou marca. Tem a graça e a sensibilidade de uma macieira em flor na Primavera e a força de um velho sobreiro no montado.
Manuel é natural de Ponte da Barca. É lá que as suas reminiscências se perdem nos anéis da intemporalidade. Tem a certeza que os seus genes estão ligados a um grande viajante dos Descobrimentos: Fernão de Magalhães.
António foi até há poucos anos professor universitário em Coimbra, onde tem casa e sempre se dividiu entre uma necessidade profissional e um amor por uma terra onde a sua história familiar está escrita no calcário das ruelas e a casa senhorial da sua quinta com capela.
Desde que se jubilou, juntamente com Maria, médica, também já aposentada e da mesma idade, praticamente passam quase todo o ano na “Barca”, como costumam dizer em coro. Só quando o frio gelado de inverno começa a minar os ossos é que o nosso casal vem para Coimbra, porque aqui o frio é menos frio e mais condescendente com quem o ama de menos.
Há dois anos, para se manter activo e ao mesmo tempo ajudar a limpar os terrenos da quinta que circundam a sua casa brasonada. Pensou em comprar duas ovelhas. Se melhor o pensou, melhor partiu para acção de pastorícia e falou ao seu caseiro dessa intenção. Por sorte ou azar, que a seu tempo classificaremos, o serventuário, por acaso, até sabia de duas ovelhas prenhas que estavam em venda em Oleiros, a cerca de cinco quilómetros da vila sede de município e sub-região do Minho-Lima.
Pegou na sua carrinha e foi falar com o vendedor. Certificou-se de que estavam legalizadas, tinham brinco e estavam vacinadas, pagou ao agricultor e levou-as para casa no seu transporte próprio.
“No dia seguinte fui à Câmara Municipal de Ponte da Barca ao departamento de apoio ao agricultor. Enviaram-me para o Grémio da Lavoura em Arcos de Valdevez onde me escrevi como sócio. Esta inscrição custou-me cerca de 100 euros. Aqui tive a minha primeira surpresa. Por ignorância, eu transportara as duas ovelhas na minha carrinha de caixa-aberta. Ali fiquei a saber que se as quisesse transportar a pé teria que ser por veredas e sendas dos campos em redor. Jamais o poderia fazer em transporte próprio e muito menos ser eu a conduzi-las. Estava obrigado a alugar uma furgoneta especial para transporte de animais ruminantes. No caso de decidir transportá-las por estrada municipal teriam de ser conduzidas por um pastor profissional e encartado.
Perante a minha atrapalhação de ignorância, certamente pela sensibilidade do funcionário do grémio, nem sei como, mas lá me livrei da primeira multa. Deram-me umas folhas para preencher todos os meses. As chamadas folhas de existência mensal.
Passado pouco tempo, talvez dias, ouvimos bater com muita força no portão, quase que o deitavam abaixo, e até pensámos: ai, meu Deus, querem ver que aconteceu alguma coisa de grave? Com este frenesim, só pode ser mesmo uma aflição! Fomos abrir e deparámo-nos com uma equipa de duas pessoas: vinham vacinar as duas ovelhas. Deixaram um papel para eu ir pagar cerca de 15 euros aos Arcos.
Passados meses nasceu um carneiro de uma das ovelhas –afinal só uma é que vinha “cheia”. Foi crescendo e, logo que pude, fui aos Arcos e dei nota que tinha nascido um novo elemento no pequeno rebanho. Naturalmente que acrescentei mais uma cabeça de gado na folha mensal de existências.
Passados cerca de seis meses veio uma nova equipa de duas pessoas para vacinar o novo elemento nascido e colocar o brinco na orelha. Mais uma vez deixaram um talão para irmos pagar ao grémio dos Arcos.
O raio do carneiro era bruto que nem um bisonte. Batia em tudo. Parecia possuído pelo demónio. Marrava nos meus netos e punha tudo abaixo no que encontrasse à frente.
Começámos a ficar fartos desta “marração” toda e pensámos em vermo-nos livres da carneirada. Chamámos um possível interessado. Quando ele olhou para as orelhas dos animais e viu o brinco disse imediatamente que não os queria. O comprador, perante as despesas que lhe acarretaria o abate, disse taxativamente que não as queria nem dadas. Aconselhou-me a continuar com os animais mais uns quatro anos. Mas como é que eu podia continuar com aquele martírio? O estafermo do carneiro, sempre que nos abeirávamos, bufava que parecia um dragão. Para cúmulo, foi então que nasceu um outro irmão da besta. Ficou doido, parecia demente da cornadura. Devia ter sido os ciúmes, não sei; queria, a todo o momento, assim que a apanhava solta, saltar para cima da mãe. Separámo-lo das restantes cabeças de gado. Deu em berrar, noite e dia, que parecia que estava a morrer. Não deixava dormir ninguém.
Foi um ano de sofrimento e martírio. E como é que nos iríamos libertar desta situação?
A partir daí foi uma odisseia para me ver livre dos animais. Se não os conseguisse vender a um negociante registado era obrigado a mantê-los vivos. E se, por acaso, um deles morresse tinha de contactar imediatamente o grémio para este enviar um veterinário para fazer a sua autópsia. É lógico que os custos seriam à minha conta.
Foi então, já passados muitos meses, quando eu até estava na disposição de dar o rebanho todo e sem olhar à despesa, que consegui vendê-lo a alguém que precisava de comprar animais legalizados para obter um subsídio.
Foi um monte de canseiras. Foi um poço de dispêndio de dinheiro. Nunca mais na vida quero saber de ovelhas ou carneiros. Tenho pena, pelo rapar da erva, arranjavam-me o quintal todo. Mas, para além do brutamontes que me calhou em azar, com esta burocracia, fica-te carneirada para nunca mais!”


(HISTÓRIA REAL)

1 comentário:

Jorge Neves disse...

É caso para dizer, carneiros unidos, jamais serão vencidos!