terça-feira, 22 de março de 2011

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (36) -O ANJO CINZENTO DE DEUS-



                 


                                         I

 Corria o ano de 1941, andava António Lopes Ribeiro a ultimar os preparativos para estrear o filme “O Pai Tirano”, quando no interior do Portugal profundo, no seio de uma família pobre, nascia Maria da Luz. Fosse ou não pelo destino, fazendo analogia com o nome, era uma criança que, através da sua presença, parecia irradiar uma luminosidade extraordinária. Como qualquer outra miúda da sua idade, era terna e os seus cabelos finos em fios de ouro, emoldurando um rosto redondo de olhos meigos, davam-lhe um ar angelical.
Talvez pelos ventos da Segunda Grande Guerra e pela miséria associada, naquela casa portuguesa o amor não circulava com certeza. Fosse ou não por ser a última da prole de quatro irmãos, a verdade é que sua mãe adoeceu ainda Maria dava os primeiros passos. Tinha cinco anos quando o seu pai chamou de urgência o senhor vigário para lhe ministrar a extrema-unção. Perante a nuvem iminente de dor que estava prestes a abater-se naquele lar, Maria foi viver com os seus padrinhos na mesma rua. Estes eram católicos fervorosos e nenhum domingo dia do Senhor o seria se todos não fossem assistir à homilia semanal.
Então, sem explicação racional, sempre que durante o acto litúrgico, na Consagração, o padre dizia as palavras da forma sacramental e a seguir elevava a hóstia e o cálice para serem vistos pelos fiéis Maria da Luz desmaiava.
Entrou na escola primária e os chiliques continuaram a ser uma constante. Quando a meio da aula surgia o desfalecimento, pela proximidade do templo de Deus, levavam-na para o adro da igreja e davam-lhe água.
Com 14 ou 15 anos os sintomas de desmaio acentuaram-se. Na igreja, e mal o sacerdote elevava a hóstia ao céu, a adolescente perdia os sentidos e apenas os recobrava em casa.
O padrinho, médico de profissão e céptico de condição, preferia deixar no tempo a cura para esta estranha forma de vida. Por várias vezes, em receituário verbal, exclamava: “isto passa, demos tempo ao tempo, que o tempo se encarregará de temperar esse distúrbio psico-somático”.
Um dia, durante a noite, naquela casa austera, aconteceu uma coisa misteriosa e sem explicação: uns ais profundos e arrastados em vagas de sofrimento ecoaram por toda a habitação. Todos ficaram gelados pelo medo de surpresa. Até o gato persa, um pachorrento animal, perante tal manifestação sobrenatural, deu em arranhar fortemente o emadeirado do corredor e desandou em miar de agonia a grande velocidade em direcção ao sótão. O barulho era ensurdecedor. Perante o fenómeno o velho médico pareceu ficar apático e sem reacção.
Maria da Luz casou em 1962. Tinha então 21 anos. No novo lar, um prédio de vários andares, os barulhos instalaram-se tal-qualmente como os novos móveis e utensílios. De vez em quando, misturados em estalidos, ouviam-se ais e um troar lento de passos arrastados como se fosse o vento a entoar no canavial. O marido, João, pensava que tais ruídos provinham das mobílias recentemente adquiridas. Como os rumores persistissem passou a acreditar que provinham da alma do proprietário e senhorio recentemente falecido.
Pelo menos uma vez Maria lembra-se de uma intensa luz que cegava e ter surgido de repente à sua frente. Outra altura recorda de se sentir dentro de um túnel negro e a querer sugá-la. Entrar num cemitério estava fora de hipótese; mal transpusesse o portão de acesso sentia o seu corpo ser invadido por picadas dos pés à cabeça, como se estivesse a ser percorrida por um enxame de borboletas.
No andar inferior a família vizinha vivia em sobressalto. O marido, para tentar salvaguardar os filhos do ressoar na quietude da noite, chegava a dormir com eles para lhe garantir alguma serenidade e acalmia.

                                       II

 Em 1970, já com dois filhos, Maria e o marido João vieram para Coimbra. A mulher foi então trabalhar para um serviço público. Na instituição volta e meia desmaiava. Vinha uma ambulância, transportavam-na de urgência para o hospital, mas, depois de milhentos exames, nunca lhe encontravam nada que justificasse tais síncopes.
Começou a ser acompanhada por médicos particulares, que a mandavam fazer exames vários, entre outros, de electroencefalograma e tac, mas nunca acusavam nada. Para além disso, receitavam carradas de sacos de anti-depressivos, ansiolíticos e outros medicamentos que não surtiam qualquer efeito prático. Era como se olhassem para Maria e, perante a impotência, lhe dissessem: “toma lá mais estas drogas e vai-te embora!”
Sempre que desfalecia era tomada por forças descomunais e sem explicação humana. Algumas vezes latia como um cão. Outrossim tomava o andar arrastado de um velho centenário.
Com o avançar do tempo Maria da Luz passou a pressentir quando algo iria acontecer. A sua casa tornava-se pequena para os seus desconcertantes passeios de autómato e sem compreensão lógica. A sua família já não sabia o que haveria de fazer mais. Estava instalado o pânico e a angústia. Perante a pujança hercúlea com que era tomada, o marido e a filha já não tinham ânimo para aguentar tal pesado castigo divino. Sentia ser um anjo cinzento de Deus.
Entre a rotina do beijar o chão, ficar inanimada e ganhar uma força diabólica, sem contar o vai e vem para o hospital, um colega de trabalho, certamente mais sensível que a maioria, falou ao seu ouvido. Chamando-lhe a atenção para as repetidas quebras de sentidos e outras exteriorizações pouco comuns, confidenciou-lhe de que deveria procurar ajuda na parapsicologia. Estava lançada a luz na esperança de Maria da Luz.
O primeiro encontro que teve com uma “medium” foi em Miranda do Corvo. Durante três anos fez caminhada para a vila nos arrabaldes da serra da Lousã. Inversamente aos milhares de contos de reis, que em dinâmica se esvaíam por entre os dedos como água de nascente, a “doença” mantinha-se leda e queda sem alterações. A cura tardava e a fé cada vez diminuía a olhos de mágoa.
Como o tratamento não estava a resultar, segundo a presciente de Miranda, como não estava a conseguir fazer os trabalhos sozinha, era necessário atacar o mal por outras frentes. O melhor era irem a Viseu para, conjuntamente com um padre exorcista, se fazer um serviço de maior eficácia. Tratava-se tão-somente de “fechar a morada”.
Começaram a viajar para a cidade de Viriato. A mulher de poderes mediúnicos, por cada sessão, levava 30 mil escudos e as refeições. O pagamento ao clérigo era feito voluntariamente e conforme o que se quisesse dar. Para além disso, quando chegava a casa, Maria, se, por um lado, cada vez mais esgotada financeiramente, por outro, ainda levava um saco cheio de aplicações para usar no seu lar. Muitas vezes e ao longo de vários anos Luz tirou anéis de ouro dos dedos e entregou à “medium” como forma de pagamento pelos trabalhos.
Um dia, estava tão apoquentada e a lavrar em desespero que telefonou à mulher da presciência que a acompanhasse ao padre. Na vinda para Coimbra, a “mulher de fora” disse-lhe que tinha de ir à Figueira da Foz fazer uma expurgação ao mar. Depois dos labores de encomenda voltaram para Coimbra. Já em casa, cerca das 02h00 da manhã, Maria da Luz sentia ter o mar e com as ondas em rebentação dentro da sua cabeça. Em lamento profundo de dor, exclamava para o marido: “ai, João, estou a ficar louca!”. Nessa noite, sempre a piorar, rebolava-se no chão como uma cobra. Pegou numa imagem de Nossa Senhora de Fátima e, erguendo-a na janela, esteve prestes a atirá-la pela borda fora. Juntamente com o esposo partiram para Viseu para que o padre lhe valesse.
Depois de muitas idas e vindas a Viseu, finalmente o cura declarou que o que antes fora uma “morada aberta” agora era “morada fechada” porque a tinha encerrado com a chave do Sacrário. Durante tempos, muitos meses, andou bem.
Depois, sem quê nem porquê, as manifestações voltaram. Chegou a ir novamente ao sacerdote e acompanhada pelo marido. O vigário fazia umas rezas, ficava mais aliviada, mas quando chegava a Coimbra estava muito pior do que quando partiu. Chegou a ganhar altos febrões.
Progressivamente, deixou de acreditar em tudo o que a rodeava, menos nos desmaios continuados e outras exteriorizações que lhe aconteciam quando em transe.
Um dia veio a saber que a “medium” estava envolvida com um negro da cidade “praia da claridade” que tinha sido preso por fraude. Ambos foram a tribunal por vigarizarem um casal de emigrantes, em que o marido da luso-francesa acabou por morrer.

                                        III

 Como se o seu inferno de vida não tivesse fim, passou a ser seguida por um neurocirurgião em Coimbra. Comecou a fazer infiltrações à coluna a partir do cerebelo.
Melhoras não haviam nenhumas, antes pelo contrário. O companheiro de Maria em várias conversas com o médico referiu-lhe que a esposa estava cada vez pior. Agora transformava-se noutras pessoas. O médico, talvez para o calar, receitava-lhe montanhas de medicamentos.
A saúde física de Luz começou a diminuir e deixou de poder trabalhar. Durante vários meses esteve acamada. O médico aconselhava uma cirurgia à cabeça, embora salvaguardasse de que não haveria grande esperança de sucesso.
Apesar da sua grande debilidade, as revelações de índole psíquica continuavam. Várias vezes ficava em encantamento, com uma energia sobrenatural e dificilmente os entes chegados conseguiam contê-la.
Há cerca de um ano, e passados cerca de seis meses de estar acamada e com a operação marcada na clínica médica, num momento de grande aflição, em que estava gravemente exaurida, e julgando que a sua vida estava prestes a terminar, em súplica de dor, rogou ao marido: “por favor, vai à Internet e vê se encontras algum exorcista a quem possa recorrer”.
Mal escreveu “exorcista” apareceu-lhe o endereço do padre Humberto Rôlo, em São Frutuoso, a dois passos de Coimbra.
Embora um pouco cépticos pelas experiências anteriores foram ao seu encontro. Entre a vida que fugia e percorrer cerca de uma dezena de quilómetros, que importava isso?
Nesta aldeia junto ao rio Ceira, foi recebida e consultada por este presbítero da Igreja Ortodoxa.
Hoje, seguindo atentamente todo o preceituado recomendado por Humberto Rôlo, Maria da Luz, sem tomar mais qualquer medicamento, é uma mulher feliz. Nunca mais desmaiou, nem entrou em delírio e tomada por forças malignas. Sente que está tratada e voltou a encontrar a paz a que qualquer ser humano tem direito.
Em redobrado e sublinhado agradecimento, profere: “um bem-haja de todo o coração, e que Deus o abençoe, senhor Padre Humberto, por eu, finalmente, juntamente com a minha família, poder fazer a rotina da minha vida!”.


(HISTÓRIA REAL, CONTADA PELA AUTORA)
(FICA AQUI TAMBÉM A PÁGINA DO PADRE HUMBERTO RÔLO)

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