ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS:
"O PLASTIFICADOR"
Por o encontrarmos tantas vezes
ali na Rua da Sofia, junto ao desaparecido
Infinito, a plastificar cartões, sentimo-lo tão familiar que até somos
levados a pensar que já faz parte do mobiliário urbano. Escrevo sobre o Raul
Simões Cacho. Tem 76 anos de idade. Há décadas que me lembro dele a atravessar o canal, nas Ruas Visconde
da Luz e Ferreira Borges, a empurrar um pequeno carro de duas rodas, com
brinquedos de madeira artesanais e outras bugigangas tão próprias do pequeno
mercado do Choupalinho, onde vende,
entre a rua e este local do outro lado do rio, há cerca de meio século.
Encontrei-o muito desanimado. “Hoje
só fiz dois cartões (a plastificar), a 3 euros cada um, porra! Aqui não faço
nada! No Choupalinho não se vende
nada! –neste sábado último, que até se costumava fazer qualquer coisa, fui a zero para casa. Como é que vou viver,
senhor? Ainda agora, para renovar o meu cartão de vendedor, fui à Câmara
Municipal e paguei 10 euros. Tive de pedir esta verba emprestada, que só vou
poder pagar quando receber a reforma.
Ali ao fundo, e aponta, está um cigano que não paga
nada para plastificar cartões como eu. Está mal! Se eu pago, porque razão
não tem ele a mesma obrigação? Sempre trabalhei a vida toda. Dão dinheiro a
toda a gente que nunca produziu nada para o país. Eu tenho de pagar tudo! Estão
a auxiliar quem nunca fez nada. Estão a roubar quem sempre trabalhou. Temos um
Governo de ladrões! Vivo com muita dificuldade. Recebo à volta de cinquenta
contos, pela moeda antiga –duzentos e
cinquenta euros- e mais um acréscimo da minha mulher, que já faleceu. Não
tenho vergonha de dizer que passo fome por não ter dinheiro para comer. Vivo
numa casa muito velhinha. Chove lá dentro como na rua. Já falei na Câmara, mas
lá não querem saber! Se eu fosse cigano, acredite, já estava arranjada. No
tempo de Salazar não havia esta pouca vergonha de agora. No tempo da outra senhora nunca passei fome. Agora só há ladrões, a começar pelos
gajos do Governo! Se eu mandasse, assistia quem está a passar mal. Ajudava quem
sempre trabalhou a vida inteira e criou riqueza para a Fazenda Nacional. Nunca
o faria para quem nunca fez nada. Você entende o que quero dizer?!”
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