(Imagem da Web))
A queimar tempo, para deixar para
o fim dos telejornais, ontem, num anúncio mediático e pouco consentâneo com a
sua sobriedade, a raiar a parolice, o Tribunal Constitucional apresentou aos
portugueses as suas análises de constitucionalidade sobre vários artigos, que,
em fiscalização sucessiva, tinham sido pedidas por várias entidades, entre elas
o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Passadas umas horas, no dia
seguinte, pergunta-se: o que vai acontecer? Naturalmente que não tenho
competência para satisfazer a curiosidade dos leitores. Socorrendo-me de
artigos de outros especialistas, no mínimo, posso especular em síntese. Depois
do chumbo de quatro normas do Orçamento Geral do Estado (OGE), em vigor, estamos
melhor hoje? Penso que não. Depois da euforia virá a realidade factual. Alguém
vai ter de pagar o que se deve. E, sendo assim, a sensação é se ontem, antes da
publicitação, estávamos com uma gripe, hoje estamos com uma pneumonia. Se a
constipação de ontem, por ser grave, matou muitos portugueses e muitos mais
iriam morrer por causa dela, hoje com o espalhar da pandemia pneumónica, poderá
ser uma razia, em metáfora, a fazer lembrar 1920, em que morreram milhares de portugueses
devido à peste negra.
Poderemos ainda interrogar: mas
isso quer dizer que o Tribunal Constitucional decidiu bem com a normatividade
constitucional e mal com os interesses do país? Como nos quer fazer passar o órgão de cúpula do Partido Social Democrata? Nada disso. Esta lengalenga
partidária é para distrair os macacos que
andam de galho em galho. O Tribunal Constitucional apenas tem competência e
cabe-lhe, apenas e só, examinar as normas do ponto de vista da legalidade,
conforme os pedidos solicitados. Os interesses do país, na sua salvaguarda
enquanto económicos, cabe ao Governo responder por eles, para isso foi eleito –claro
que poderemos sempre perguntar se os interesses da Nação, intrinsecamente e
acima de tudo primeiro, não serão a defesa, na proteção do valor vida, dos seus
cidadãos?
Poderemos ainda interrogar, mas,
se hoje, do ponto de vista da responsabilidade estamos piores, serve-nos de alguma
coisa este acórdão? Ora bem, a meu ver, serve. Deixa-nos mais descansados. Apesar
de não vislumbrarmos terra à vista, dá-nos esperança. No meio de tanta
insensibilidade social, na obsessão de cumprir as obrigações a todo custo, sem
levar em conta o lançar na indigência milhares e milhares de portugueses, esta
deliberação, mostra a nu que a Constituição da República Portuguesa, enquanto fronteira do primado maior da legalidade, funciona como travão aos laivos ditatoriais dos
governos eleitos democraticamente. Volto a repetir, não resolve a dívida, mas
dá um tempo aos que pouco mais têm voz do que votar nas eleições para
reorganizarem a sua vida. Um Estado que, sem olhar a meios, espezinha e obriga os
seus súbditos a recorrer à mendicidade e ao suicídio, apenas se preocupando em
pagar o que deve aos credores, é uma organização falhada. É uma estrutura terrorista,
que, servindo os interesses dos eleitos, impõe o terror social a quem, pelo
contrário, deveria servir com lealdade. É aqui que o Tribunal Constitucional,
goste-se ou não, tem um papel fundamental na sociedade portuguesa.
E Cavaco Silva, o Presidente da
República, perante este revés, como é que fica? A meu ver, muito fragilizado.
Enquanto pilar fundamental do Estado, e representante máximo do povo português,
em face das dúvidas suscitadas anteriormente, tinha obrigação de pedir a
fiscalização preventiva e adiar a promulgação do OGE. Ao aprovar o OGE, passando
por cima da opinião de especialistas e permitindo a sua entrada em vigor, sem tomar
atenção aos apelos e clamores populares, abusou do seu direito. Argumentando
que o fez pelo soberano interesse do país não convenceu ninguém, ou pelo menos
só alguns. Há distância de quatro meses, agora, mais do que nunca, dá ideia de
que fez um frete ao governo, partido e ideologia que sempre militou e nunca
descolou.
E a oposição, nomeadamente Seguro
representando o Partido Socialista, como é que hoje aparece agora aos nossos
olhos? Um dirigente e uma alternativa oportunista, vazia de conteúdo altruísta,
que, tal como cangalheiro, apenas está à espera do ainda vivo fechar os olhos
para ganhar uns cobres com o funeral. O Partido Socialista, que ainda não curou
as chagas internas e externas causadas pelo anterior líder, surge aos nossos
olhos como alternância pouco sólida, apenas aceite porque não há melhor. É
assim uma espécie de segunda via, reverso da primeira, sem credibilidade para o
homem da rua e sem um quadro gerador de confiança e fé no futuro deste presente
tumultuoso e de horizonte imprevisível.
E já agora, e o Governo? Como é
que sai disto? Mal, muito mal. Creio que não lhe resta outro caminho do que a
demissão. Uma vez que foi eleito para quatro anos tem toda a legitimidade para
continuar a governar -se bem que haja vozes discordantes alegando que se perde a legitimidade democrática quando se apresenta um programa eleitoral e, após a eleição, se foge à promessa-, porém, se já antes se verificava um desligamento dos problemas reais, agora mais do que
nunca, irá usar o seu poder para esmifrar o que não conseguiu atropelando a Constituição. Para continuar, falta-lhe o respeito devido, a admiração e a confiança que se concede a
alguém que elegemos para nos representar. Quando se perde esta consideração
ganha-se rancor e desprezo por quem nos deveria caracterizar, defendendo os nossos interesses, e não o faz. Quando assim acontece, entra-se colectivamente num ostracismo apático, pouco saudável do ponto de vista anímico, e de consequências inimagináveis.
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