sábado, 6 de abril de 2013

BARALHAR E DAR DE NOVO

(Imagem da Web))

 A queimar tempo, para deixar para o fim dos telejornais, ontem, num anúncio mediático e pouco consentâneo com a sua sobriedade, a raiar a parolice, o Tribunal Constitucional apresentou aos portugueses as suas análises de constitucionalidade sobre vários artigos, que, em fiscalização sucessiva, tinham sido pedidas por várias entidades, entre elas o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Passadas umas horas, no dia seguinte, pergunta-se: o que vai acontecer? Naturalmente que não tenho competência para satisfazer a curiosidade dos leitores. Socorrendo-me de artigos de outros especialistas, no mínimo, posso especular em síntese. Depois do chumbo de quatro normas do Orçamento Geral do Estado (OGE), em vigor, estamos melhor hoje? Penso que não. Depois da euforia virá a realidade factual. Alguém vai ter de pagar o que se deve. E, sendo assim, a sensação é se ontem, antes da publicitação, estávamos com uma gripe, hoje estamos com uma pneumonia. Se a constipação de ontem, por ser grave, matou muitos portugueses e muitos mais iriam morrer por causa dela, hoje com o espalhar da pandemia pneumónica, poderá ser uma razia,  em metáfora, a fazer lembrar 1920, em que morreram milhares de portugueses devido à peste negra.
Poderemos ainda interrogar: mas isso quer dizer que o Tribunal Constitucional decidiu bem com a normatividade constitucional e mal com os interesses do país? Como nos quer fazer passar o órgão de cúpula do Partido Social Democrata? Nada disso. Esta lengalenga partidária é para distrair os macacos que andam de galho em galho. O Tribunal Constitucional apenas tem competência e cabe-lhe, apenas e só, examinar as normas do ponto de vista da legalidade, conforme os pedidos solicitados. Os interesses do país, na sua salvaguarda enquanto económicos, cabe ao Governo responder por eles, para isso foi eleito –claro que poderemos sempre perguntar se os interesses da Nação, intrinsecamente e acima de tudo primeiro, não serão a defesa, na proteção do valor vida, dos seus cidadãos?
Poderemos ainda interrogar, mas, se hoje, do ponto de vista da responsabilidade estamos piores, serve-nos de alguma coisa este acórdão? Ora bem, a meu ver, serve. Deixa-nos mais descansados. Apesar de não vislumbrarmos terra à vista, dá-nos esperança. No meio de tanta insensibilidade social, na obsessão de cumprir as obrigações a todo custo, sem levar em conta o lançar na indigência milhares e milhares de portugueses, esta deliberação, mostra a nu que a Constituição da República Portuguesa, enquanto fronteira do primado maior da legalidade, funciona como travão aos laivos ditatoriais dos governos eleitos democraticamente. Volto a repetir, não resolve a dívida, mas dá um tempo aos que pouco mais têm voz do que votar nas eleições para reorganizarem a sua vida. Um Estado que, sem olhar a meios, espezinha e obriga os seus súbditos a recorrer à mendicidade e ao suicídio, apenas se preocupando em pagar o que deve aos credores, é uma organização falhada. É uma estrutura terrorista, que, servindo os interesses dos eleitos, impõe o terror social a quem, pelo contrário, deveria servir com lealdade. É aqui que o Tribunal Constitucional, goste-se ou não, tem um papel fundamental na sociedade portuguesa.
E Cavaco Silva, o Presidente da República, perante este revés, como é que fica? A meu ver, muito fragilizado. Enquanto pilar fundamental do Estado, e representante máximo do povo português, em face das dúvidas suscitadas anteriormente, tinha obrigação de pedir a fiscalização preventiva e adiar a promulgação do OGE. Ao aprovar o OGE, passando por cima da opinião de especialistas e permitindo a sua entrada em vigor, sem tomar atenção aos apelos e clamores populares, abusou do seu direito. Argumentando que o fez pelo soberano interesse do país não convenceu ninguém, ou pelo menos só alguns. Há distância de quatro meses, agora, mais do que nunca, dá ideia de que fez um frete ao governo, partido e ideologia que sempre militou e nunca descolou.
E a oposição, nomeadamente Seguro representando o Partido Socialista, como é que hoje aparece agora aos nossos olhos? Um dirigente e uma alternativa oportunista, vazia de conteúdo altruísta, que, tal como cangalheiro, apenas está à espera do ainda vivo fechar os olhos para ganhar uns cobres com o funeral. O Partido Socialista, que ainda não curou as chagas internas e externas causadas pelo anterior líder, surge aos nossos olhos como alternância pouco sólida, apenas aceite porque não há melhor. É assim uma espécie de segunda via, reverso da primeira, sem credibilidade para o homem da rua e sem um quadro gerador de confiança e fé no futuro deste presente tumultuoso e de horizonte imprevisível.
E já agora, e o Governo? Como é que sai disto? Mal, muito mal. Creio que não lhe resta outro caminho do que a demissão. Uma vez que foi eleito para quatro anos tem toda a legitimidade para continuar a governar -se bem que haja vozes discordantes alegando que se perde a legitimidade democrática quando se apresenta um programa eleitoral e, após a eleição, se foge à promessa-, porém, se já antes se verificava um desligamento dos problemas reais, agora mais do que nunca, irá usar o seu poder para esmifrar o que não conseguiu atropelando a Constituição. Para continuar, falta-lhe o respeito devido, a admiração e a confiança que se concede a alguém que elegemos para nos representar. Quando se perde esta consideração ganha-se rancor e desprezo por quem nos deveria caracterizar, defendendo os nossos interesses, e não o faz. Quando assim acontece, entra-se colectivamente num ostracismo apático, pouco saudável do ponto de vista anímico, e de consequências inimagináveis.


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