quinta-feira, 11 de abril de 2013

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "UMA ENTREVISTA, POR ACASO", deixo também as crónicas "ENCERROU UM CAFÉ NO MEU BAIRRO"; "REFLEXÃO: A (A)FUNDAÇÃO DA CREDIBILIDADE"; e "BARALHAR E DAR DE NOVO".



UMA ENTREVISTA, POR ACASO

 Como tantas vezes, e diariamente, num destes dias cruzei-me com o Mário à hora do almoço ali junto à igreja de São Tiago. De repente, sem nada combinado, estamos a falar do lixo que estava mesmo aos nossos pés e na falta de cuidado que os comerciantes da Baixa têm na estima que deveriam ter (e não têm) pela zona onde ganham a vida. Ora, o Mário Garcia Afonso é um reputado fotógrafo que, para além de estar ligado a várias publicações, conhece a cidade por dentro e por fora. Ou seja, enquanto citadino conimbricense, estando imbricado na massa populacional, consegue aperceber-se dos defeitos e virtudes que a urbe suporta. Enquanto fotógrafo, como outsider, transcende-se e tem uma perceção independente, talqualmente como se tivesse chegado hoje ao burgo no comboio matutino.
 E assim, sem nada programado, puxo do bloco de notas e toma lá Mário que estás a ser entrevistado para O Despertar. Fala Mário:

“A cidade está de cócoras para a Universidade e de joelhos perante a Rainha Santa. A sabedoria está lá em cima, presume-se, mas não mata a fome aos residentes na cidade. Rezar à Padroeira a mesma coisa: também não retira a sensação incómoda do estômago. Consequência disso? Tudo o que Coimbra tem agora as outras cidades também tem, mas com uma diferença: não deixam cair o seu comércio como aqui. Olha aqui à volta… só lojas encerradas. Mete dó ver isto! É preciso estimular o investimento. É preciso colocar a cidade a trabalhar na criação de emprego. Lisboa é cada vez mais como antigamente: está tudo lá centralizado e o resto é paisagem. É interessante ver que Coimbra deixou de ter o peso que tinha. Deslocalizou-se tudo para outras cidades vizinhas, como Aveiro, Leiria. A nossa cidade perdeu a centralidade. Coimbra já foi a capital do reino. D. Afonso Henriques não escolheu estar sepultado em Santa Cruz por acaso. Aqui decidiu deixar os seus restos mortais porque reconheceu as potencialidades de Coimbra. A dimensão do país, sendo pequeno, acaba por ser redutora. Todos os serviços, na decisão, estão centralizados em Lisboa. Falta generosidade às pessoas de Coimbra, e outros que vieram de fora e aqui se estabeleceram, ganharam a vida, conquistaram estatuto. Alguns só dizem mal e não se movem um milímetro para mudar seja o que for. Sangraram a cidade e agora, que está nas lonas, estão a abandoná-la. Falta cidadania ativa e espírito crítico. Como quem está lá em baixo, em Lisboa, têm uma visão global e redutiva da cidade dos estudantes. Pensam que isto é uma aldeia grande, que é uma localidade única. São Martinho, Vale de Canas, Tentúgal, para eles é tudo Coimbra. Olham apenas para o todo sem levar em conta os pormenores, a sua idiossincrasia. Esquecem que esta cidade tem muitos polos de interesses diferenciados.
Ao ver como a cidade é tratada de fora sinto-me triste, frustrado, impotente por não ter meios para mudar as coisas. Coimbra perdeu importância por não ter dois clubes a militar na primeira divisão. Ninguém se importa com a Académica. Para não falar do completo desinteresse a que estão votados o Olivais e o Santa Clara, que já foram grandes clubes de muita glória e agora ninguém fala deles. Deram grandes alegrias à cidade. A cidade, nas pessoas que cá vivem, não dá valor ao seu passado, à sua história, que, no fundo, é a sua essência, a sua alma. Sem roturas, gostava que no geral o comércio se revitalizasse. Dói-me o coração ver esta Baixa assim. Gostava de ver a pouca indústria que a Lusa Atenas tem a produzir, a criar emprego. Por exemplo, gostava de ver a Fábrica da Cerveja (Topázio e Onix), na Pedrulha, transformada num polo museológico. Porque foi abandonada daquela maneira? Será que não veem que ali está a nossa alma? A Câmara Municipal deveria ter um papel preponderante na divulgação da memória da cidade. Não pode continuar a perder de vista o essencial e dar demasiada importância ao acessório.
Aqui na Baixa, não vale a pena continuar a reconstruir as fachadas sem recuperar o miolo dos prédios –isto é um modelo que grassa em todas as cidades do país. Está mal. Se calhar é o paradigma dos portugueses: mostrar apenas a frente e esconder as traseiras.
O que se está a passar nestes centros urbanos deveria fazer pensar. Num completo abandono, deixa-se esboroar o que resta para depois ser comprado ao desbarato. Depois da recuperação do edificado assistimos ao aburguesamento. Quem para cá vem viver não tem nada a ver com quem aqui nasceu e sempre viveu. Estão a tirar a alma aos centros históricos. Retiram os traços populares. Enfim, mas noutra impossibilidade, ao menos que restaurem isto. Acredito na recuperação da Baixa, da Alta e da zona de Santa Clara –todos juntos, verdadeiramente são o Centro Histórico da cidade. Mas, se calhar, só vou ver esta mudança para o tempo dos meus netos… se cá estiver. Sei lá?!”


ENCERROU UM CAFÉ NO MEU BAIRRO

 Há cerca de vinte anos encerrou a primeira mercearia no meu bairro. Eu não me importei com isso. Para além de eu não ser merceeiro, em boa verdade eu julgava haver demasiadas vendas do género. E mais, de vez em quando o senhor Mendes, o tendeiro, até embirrava comigo quando lhe pedia um quilo de açúcar fiado. Isto para mais de já estar farto daqueles móveis antigos e sempre acompanhados daquele cheiro intenso a bacalhau. A seguir foi a loja de ferragens do Ganilho, do Augusto Neves e outras. Também não quis saber. De certo modo até me senti vingado. Os filhos da mãe abusavam no preço do quilo dos pregos e, para mim, eram antipáticos. Não me importei. Afinal até havia outras lojas de ferro cá na zona. Depois foi o supermercado Colmeia que eu frequentava, ali na rua principal. Não me deu grande abalo. Aliás, até interiormente fiquei contente, os gajos carregavam à bruta no custo da fruta. Outros seguiram o fenéreo, e depois? Tivesse eu dinheiro que não faltava onde o gastar e pequenos mercados para fazer compras.
Passado um tempo, na rua dos bazares, uns a seguir aos outros, começaram a fechar todos os estabelecimentos de brinquedos. Sei lá, o Bazar do Porto, de Lisboa, de Coimbra, foi tudo à vida. E que me importava isso a mim? Ora, ora! Era certo que lá comprei todos os divertimentos para os meus filhos mas agora eles já estavam crescidos. Aqueles museus interativos de brincadeira infantil não faziam falta nenhuma. E não me importei.
O velho café, aquele das tertúlias, o Arcádia, encerrou e passou para um pronto-a-vestir. Não deixei de dormir por causa disso. Eu nem lá ia! Até digo mais, com o seu desaparecimento até fiquei aliviado. Nunca fui à bola com os tipos que o frequentavam. Tinham a mania da superioridade. Até pareço estar a vê-los: eretos, pera e barbicha, grandes bigodaças e pelo na benta. Sempre me irritou aquela maneira altiva dos doutores. Já antes tinham fechado os cafés Internacional, a Brasileira, a Central e outros ainda. Eu tinha alguma coisa com isso? O tempo foi passando e reparei que o quiosque onde comprava o jornal diariamente encerrou. Não dei grande importância ao assunto. Sinceramente até andava a pensar em deixar de comprar periódicos. Para que ando eu a encher o cú aos tipos da imprensa que, em pagamento de martírio, estão sempre a bombardear-me com más notícias? Além de mais, se esta tabacaria fechou havia outras. Aquilo não me causou dores na carapinha. Soube depois que claudicou a mais importante livraria cá do burgo, a Atlântida. Não sei bem, mas creio que já durava há uma catrafada de décadas. Não me importei nada. Raramente compro um livro. Para quê? São caríssimos! E depois é cada tijolo que até me apetece mandá-los à cabeça da minha sogra. Cerrou portas aquela loja e outras que foram na fila? Não liguei patavina. Não me faziam falta nenhuma. Há sempre outras e outras ainda que, depois da morte desta, nascerão. Fechou o estabelecimento de artigos decorativos o Neves & Companhia, na rua de cima. Nem perdi um segundo a pensar nisso. Depois foram atrás a Crislex, o Saul Morgado e a Casa Bonjardim. Não me faziam falta nenhuma. Havia comércio a mais! Eu queria lá saber disso?! Até era bom para os que ficavam. Começaram a desaparecer as casas de artigos elétricos cá do bairro e comecei a ter alguma dificuldade em encontrar um componente para o meu computador. Mas também não me causou engulho. Em qualquer altura pego no meu popó e vou comprar ao centro comercial mais próximo.
Reparei que começaram progressivamente a encerrar todas as casas de música, que vendiam discos e cd’s. Não quis saber. Eu até fazia uns download’s gratuitos na Internet. Que tinha eu a ver com isso?
Esta semana encerrou o meu café; aquele onde ia beber a bica todos os dias; era lá que ia comer o meu bolinho ao lanche e ler o jornal à borliú. Era um café da rua estreita, não sei se conheciam este pequeno estabelecimento. Se calhar não! Quase de certeza de que não. Foi então que comecei a ficar preocupado. De repente, constatei que não tenho mais nenhum bar com as mesmas caraterísticas na minha zona. Mas agora é tarde para começar a ralar-me. O proprietário já lá vai e nem quer que lhe falem da sua (má) experiência na hotelaria.
Será que ainda vou a tempo de evitar que encerrem outras casas comerciais cá no meu bairro? Sim, o melhor é começar já. É que lembrei-me agora: eu também sou comerciante e provavelmente irei a seguir.


REFLEXÃO: A (A)FUNDAÇÃO DA CREDIBILIDADE

 A semana passada fomos surpreendidos com uma notícia do jornal i, plasmada na Internet, que titulava o seguinte: “Fundação Bissaya Barreto. Presidente recebe 11 mil euros.”
No seguimento da peça jornalística poderia ler-se: “A presidente da Fundação Bissaya Barreto - IPSS de Coimbra que em 2011 recebeu 4,3 milhões de subvenções públicas - aufere 11 400 euros brutos de salário mensal, cerca do dobro do ordenado do primeiro-ministro e dos gestores das grandes empresas públicas. A fundação é a quinta maior beneficiária de fundos do Estado, segundo um ranking divulgado pelo “Público” em Fevereiro, baseado em dados de 2011 da Inspeção-geral de Finanças (à frente estão quatro universidades).”
Curioso, ou talvez nem tanto, é o facto de nenhum dos nossos jornais locais ter pegado neste tema. Não agarraram os periódicos mas foco eu. É um escândalo. Uma sem vergonhice. Num tempo em que os Portugueses percorrem uma via-sacra –furtando o título a um excelente trabalho inserido na revista do Diário de Notícias (DN) deste último domingo- é de elementar obrigação (e direito) trazer este tema à colação e discussão. Numa época em que a maioria dos cidadãos “em retrato de um pais que muitos desconhecem e deviam conhecer –estou a citar o excelente trabalho do DN. Porque amanhã podem ser eles. Porque amanhã pode ser cada um de nós. Precariedade. Desemprego. Empresas que fecham. Pessoas que são obrigadas a entregar as casas ao banco. Gente carregada de dívidas. E créditos. Que se vê na rua. Sem dinheiro para alimentar os filhos. Pais de crianças com necessidades especiais com outros dramas para lá do óbvio.”
Talvez valha a pena pensar nisto.


BARALHAR E DAR DE NOVO

 A queimar tempo, para deixar para o fim dos telejornais, na sexta-feira última, num anúncio mediático e pouco consentâneo com a sua sobriedade, a raiar a parolice, o Tribunal Constitucional apresentou aos portugueses as suas análises de constitucionalidade sobre vários artigos, que, em fiscalização sucessiva, tinham sido pedidas por várias entidades, entre elas o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Passadas umas horas, e nos dias subsequentes, perguntava-se: o que vai acontecer? Naturalmente que não tenho competência para satisfazer a curiosidade dos leitores. Socorrendo-me de artigos de outros especialistas, no mínimo, posso especular em síntese. Depois do chumbo de quatro normas do Orçamento Geral do Estado (OGE), em vigor, estamos melhor no dia seguinte? Penso que não. Depois da euforia virá a realidade factual. Alguém vai ter de pagar o que se deve. E, sendo assim, a sensação é se ontem, antes da publicitação, estávamos com uma gripe, hoje estamos com uma pneumonia. Se a constipação de ontem, por ser grave, matou muitos portugueses e muitos mais iriam desaparecer por causa dela, com o espalhar da pandemia pneumónica, poderá ser uma razia, em metáfora, a fazer lembrar 1920, em que morreram milhares de portugueses devido à peste negra.
Poderemos ainda interrogar: mas isso quer dizer que o Tribunal Constitucional decidiu bem com a normatividade constitucional e mal com os interesses do país? Como nos quer fazer passar o órgão de cúpula do Partido Social Democrata? Nada disso. Esta lengalenga partidária é para distrair os macacos que andam de galho em galho. O Tribunal Constitucional apenas tem competência e cabe-lhe, apenas e só, examinar as normas do ponto de vista da legalidade, conforme os pedidos solicitados. Os interesses do país, na sua salvaguarda enquanto económicos, são da responsabilidade do Governo responder por eles, para isso foi eleito –claro que poderemos sempre perguntar se as conveniências da Nação, intrinsecamente e acima de tudo primeiro, não serão a defesa, na proteção do valor vida, dos seus cidadãos?
Poderemos ainda interrogar, mas, se agora, do ponto de vista dos encargos estamos piores, serve-nos de alguma coisa este acórdão? Ora bem, a meu ver, serve. Deixa-nos mais descansados. Apesar de não vislumbrarmos terra à vista, dá-nos esperança. No meio de tanta insensibilidade social, na obsessão de cumprir as obrigações a todo custo, sem levar em conta o lançar na indigência milhares e milhares de portugueses, esta deliberação, mostra a nu que a Constituição da República Portuguesa, enquanto fronteira do primado maior da legalidade, funciona como travão aos laivos ditatoriais dos governos eleitos democraticamente. Volto a repetir, não resolve a dívida, mas dá um tempo aos que pouco mais têm voz do que votar nas eleições para reorganizarem a sua vida. Um Estado que, sem olhar a meios, espezinha e obriga os seus súbditos a recorrer à mendicidade e ao suicídio, apenas se preocupando em pagar o que deve aos credores, é uma organização falhada. É uma estrutura terrorista, que, servindo os interesses dos eleitos, impõe o pânico social a quem, pelo contrário, deveria servir com lealdade. É aqui que o Tribunal Constitucional, goste-se ou não, tem um papel fundamental na sociedade portuguesa.
E Cavaco Silva, o Presidente da República, perante este revés, como é que fica? A meu ver, muito fragilizado. Enquanto pilar fundamental do Estado, e representante máximo do povo português, em face das dúvidas suscitadas anteriormente, tinha obrigação de pedir a fiscalização preventiva e adiar a promulgação do OGE. Ao aprovar, passando por cima da opinião de especialistas e permitindo a sua entrada em vigor, sem tomar atenção aos apelos e clamores populares, abusou do seu direito. Argumentando que o fez pela soberana vantagem do país não convenceu ninguém, ou pelo menos só alguns. Há distância de três meses, agora, mais do que nunca, dá ideia de que fez um frete ao governo, partido e ideologia que sempre militou e nunca descolou.
E a oposição, nomeadamente Seguro representando o Partido Socialista (PS), como é que hoje aparece agora aos nossos olhos? No meu entender, um dirigente e uma alternativa oportunista, vazia de conteúdo altruísta, que, tal como cangalheiro, apenas está à espera do ainda vivo fechar os olhos para ganhar uns cobres com o funeral. O PS, que ainda não curou as chagas internas e manifestações de sofrimento externas causadas pelo anterior líder, surge aos nossos olhos como alternância pouco sólida, apenas aceite porque não há melhor. É assim uma espécie de segunda via, reverso da primeira, sem credibilidade para o homem da rua e sem um quadro gerador de confiança e fé no futuro deste presente tumultuoso e de horizonte imprevisível.
E já agora, e o Governo? Como é que sai disto? Mal, muito mal. Creio que não lhe resta outro caminho do que a demissão a curto prazo. Uma vez que foi eleito para quatro anos tem toda a legitimidade para continuar a governar -se bem que haja vozes discordantes alegando que se perde a legitimidade democrática quando se apresenta um programa eleitoral e, após a conquista da autoridade, fugindo à promessa, se faz o oposto. Porém, se já antes, da sua parte, se verificava um desligamento dos problemas reais, agora, mais do que nunca, é de supor, irá usar o seu poder para esmifrar o que não conseguiu e, mais uma vez, atropelando a Constituição. Para continuar, falta-lhe o respeito devido, a admiração e a confiança que se concede a alguém que elegemos para nos representar. Quando se perde esta consideração ganha-se rancor e desprezo por quem nos deveria caracterizar, defendendo os nossos interesses, e não o faz. Quando assim acontece, entra-se coletivamente num ostracismo apático, pouco saudável do ponto de vista anímico, e de consequências inimagináveis.


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