No sábado, a notícia no Diário de
Coimbra caiu que nem um meteorito no Centro Histórico: “Toxicodependentes
perderam Gabinete de apoio na Baixa”. Especulando, será de supor que, tal como
quando chove o comerciante que vende guarda-chuvas fica contente e o transeunte
sente uma arrelia, também aqui alguém teria chorado e outros cantaram de contentamento.
Contra todas as premonições catastróficas, esta organização de apoio e por
conta da Cáritas reabriu hoje.
Quem por aqui calcorreia estes
becos e vielas sabe que os operadores comerciais e as forças policiais, na maioria,
não vêem com bons olhos a instalação desta estrutura importantíssima no apoio
aos adictos, nomeadamente toxicodependentes e alcoólicos, aos sem-abrigo e
prostitutas. Ou seja, já conhecemos a sua opinião generalizada. E a outra parte,
os utentes, já alguém se deu ao trabalho de a escutar? Conheço o “João” –vou chamar-lhe
assim que ele não se importa- há muitos e muitos anos. Fosse lá por Karma ou
por outra coisa qualquer, a verdade é que este rapaz trocou uma vida,
aparentemente dita normalizada onde tinha tudo para ser feliz, por outra sem
eira nem beira e a dormir onde calha. Encontrei-o à hora do almoço de hoje,
terça-feira, junto ao GAT, Gabinete de Apoio a Toxicodependentes, no Terreiro da Erva. Depois do
tradicional cumprimento, de supetão, atirei-lhe a pergunta: diz-me lá, João, ao
que parece, a Cáritas já reabriu este espaço hoje. O que achas do encerramento?
-Olha meu, encerrar isto é muito
mau! Pode ser uma tragédia, um flagelo, “tás” a ver? Pensas que pelo facto de
isto fechar o pessoal vai embora? Só pensa assim quem não sabe nada de nós, nem
nunca procurou saber. Para eles somos lixo… humano. Não somos gente. Ninguém se
importa. Só olham ao seu interesse e nada mais. É aqui que estão os nossos
amigos. Há cerca de uma década que frequentamos o GAT. Se persistissem no seu
encerramento tudo continuaria igual. É um erro pensar o contrário. Com uma
agravante: iria haver muito mais criminalidade e mais mortes. Com isto aberto
ainda vão sabendo, mais ou menos, quantos somos, como vivemos e as nossas
necessidades. Dão-nos uma palavra de conforto e esperança… “tás” a ver, meu?
Encerrar esta coisa é um contra-senso. E numa altura em que as farmácias já não
trocam seringas? Consegues imaginar esta zona em redor da Rua Direita toda
pejada de agulhas pelo chão? Consegues? Estes gajos são uns tolos, meu! E a
Câmara? Não terá nada a dizer? Cá para mim a autarquia, como velejador
experiente, limita-se a surfar a onda sem fazer nada pelos danos colaterais.
Durante a manhã fizeram aí uma
reunião aberta –agora estão apenas 5 técnicos e vão estar com horário reduzido.
Anteriormente eram 8 e, incluindo fins-de-semana, estavam diariamente abertos
entre as 9h30 e as 23h00. Até chorei de felicidade, meu! Chorei por ver estas
pessoas, que nos tratam bem, outra vez cá. Chorei por aqueles que perderam o
emprego –tu conheces-me, sabes que não sou exemplo para ninguém, mas aqui
dentro, dentro do peito, bate um
coração, meu! Ao que sei a Cáritas está a fazer um grande esforço para
manter isto de portas abertas. Foi dito na reunião que os resultados de uma nova
candidatura ainda não saíram. Por isso, ao que entendi, não se sabe muito bem o
futuro disto. Como está, está mal, meu! Deveria haver capacidade para prever…
não sei se me entendes, meu! Todos os anos é sempre igual. Abrem sempre os
concursos de candidatura em cima do encerramento, e é o mesmo no todo nacional.
Já viste a insegurança que quem cá trabalha deve sentir? Isto é tudo muito
estranho, meu!”
1 comentário:
Obrigado pelo apoio e pelas palavras de compreensão. Continua a ser uma voz que rema contra a maré e contra a opinião populista.
Enviar um comentário