segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

BAIXA: A CONSPIRAÇÃO DO ÓCIO



 Embora o processo de desaparecimento dos pequenos negócios já tivesse começado no início da década de 1990, nos últimos cinco anos tem havido uma razia a nível nacional. Como aqui laboro diariamente, embora em analogia, naturalmente que me irei debruçar sobre a Baixa de Coimbra. E antes de prosseguir na minha apreciação subjectiva, nada melhor que apresentar dados concretos que, para além de poder constituir tese para estudo, permitem uma melhor avaliação. Saliento que, apesar de poder conter alguns lapsos, os números que transcrevo foram apenas os que fui apreendendo e tomando conta no blogue. O que quer dizer que, em princípio, pecarão por defeito e nunca por excesso. Não contabilizei os estabelecimentos que foram negociados pela Empresa Metro Mondego e outros que claudicaram anteriormente. Não contei os que se encontram dentro dos pequenos centros comerciais na Baixa. Apenas os que estão virados para a via pública.
Num universo de presumivelmente 600 operadores económicos que existirão no perímetro considerado entre o Largo da Portagem, Avenidas Navarro e Fernão de Magalhães, Ruas da Sofia, Olímpio Fernandes, até ao Mercado Municipal, Corpo de Deus, Fernandes Tomás e início das Escadas de Quebra Costas. Eis então a informação relativa ao período entre Dezembro de 2007 e Dezembro de 2012:
1- 176 estabelecimentos sofreram alteração estatutária. Isto é, mudaram a actividade, passaram de mãos e ou fecharam;
2- 115 estabelecimentos encontram-se encerrados nesta data. Alegadamente, embora sem confirmação absoluta, 17 cerraram portas por insolvência;
3- 61 estabelecimentos, em funcionamento, ao longo destes 5 anos, embora com curto prazo de tempo, paulatinamente foram abrindo e encerrando. 46 lojas deste universo tiveram dois proprietários. Outras 15, durante o mesmo tempo, passaram uma vez única para outros empresários;
4- Neste final de Dezembro encerraram 6 lojas e uma mudou de sede.
Curiosidades: neste período de 5 anos nasceram 6 novos comércios, devido a novos projectos de (re)construção; uma loja foi transformada em igreja; uma estação de correios encerrou; uma esquadra de polícia foi transferida para outra zona; e uma dependência bancária foi fechada.
Depois deste quadro vou continuar. Uma constatação lógica se extrai: a Baixa, notoriamente, está a perder muitas lojas, sem que sejam reabertas. Muitas delas pelos exagerados valores de renda pedidos pelos seus proprietários. Sob anonimato, segundo um comerciante que ao mesmo tempo detém um negócio no centro histórico e um posto de venda numa grande superfície comercial, “adoro a Baixa, aliás, estou no centro comercial para tentar dar a conhecer esta do comércio tradicional, mas é impossível aguentar estas rendas. Enquanto lá, com um cliente com muito mais poder de compra e que adquire mesmo, se baixam continuamente os valores, aqui, ou se mantêm ou sobem. Para demonstrar aos senhorios que têm de reduzir os valores é uma luta titânica.”
Uma outra ilação, numa altura em que o desistir de actividade é diário no país e o desemprego cresce, como entender estas novas medidas fiscais? Numa altura em que se deveria incentivar o empreendedorismo, implementando medidas que estimulassem a criação de auto-emprego e que motivasse a que cada um pudesse criar o seu próprio sustento, o que faz o Governo? Com a obsessão de gerar receita, apertando as malhas do absurdo, abortando a vida antes de a ser, numa completa inversão de valores, penalizando o trabalho e a criação de riqueza, empurra os cidadãos para a malandrice, para o ócio. Com o argumento da fuga aos impostos e de todos contribuírem para o Orçamento Geral do Estado, está a condicionar o “peixe miúdo” no seu desenvolvimento embrionário. Largando da mão o graúdo e, implicitamente, beneficiando-o pelos seus meios incomparáveis de força financeira, dá a impressão de que quer mesmo extinguir o pequeno trabalhador individual.
Como se fosse uma nova vaga, e já não estivesse prescrito no regime de infracções tributárias –Lei 15/2001, de 5 de Junho-, com o argumento de obrigar o comprador a solicitar a prova de compra, enviam-se para o lixo milhares de máquinas registadoras apenas com a diferença de em vez de “venda a dinheiro” passarem a ditar “factura simplificada”. À custa do empobrecimento generalizado de pequenos operadores, condenando-os ao desânimo e à desistência, o Governo, num padrão completamente absurdo, injusto, iníquo, e de duvidosa legalidade, no sentido de que à custa do depauperado pequeníssimo, pequeno e médio empresário, através da lei, forçando a obrigação compulsiva sujeita a sanção, alavanca o consumo tendo em mente o enriquecimento sem causa –através do IVA a liquidar pelos novos equipamentos. Isto, para além de favorecer a melhoria financeira dos operadores de máquinas e “software” e tipografias.
Esta purga que estamos a assistir recorda-nos a perseguição feita há meia-dúzia de anos aos produtos regionais e tradicionais. Em nome da homogeneização e harmonização europeia, iam-se destruindo séculos de saber fazer. Será que ninguém vê que é pior a emenda que o soneto?


Sem comentários: