quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

"COMO É QUE FOI? COMO É QUE FOI?" (1)



 Hoje, entre as 10h00 e o meio-dia, a denominada “Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra” (OMRC) cantou as Janeiras no eixo entre o Largo da Portagem, passando pelas Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, e a Praça 8 de Maio. Quem lhe deu corpo foi o Paolo, o Lourenço, o Armando, o Emanuel, o Luís, a Fátima, a Celeste e este vosso escriba.
Antes que você faça a tradicional pergunta “como é que foi? Como é que foi?”, antecipando-me, digo-lhe que, tirando uma pequena nódoa, correu bem a dois níveis. No primeiro, enquanto espectáculo cénico e musical, decorreu benzinho. As pessoas paravam e ficavam assim um pouco para o especado a olhar. Nos seus rostos eram patentes traços de admiração; era como se interrogassem: “quem são estes malucos?”. O seu torpor introspectivo era interrompido pela Celeste Correia, a relações públicas para as questões financeiras da OMRC, “pode dar uma moeda por favor? É para ajudar os músicos de rua”. E o transeunte, como hipnotizado, sem tirar os olhos dos “8 magníficos malucos da melodia”, metia a mão no bolso e retirava uma moeda de euro e colocava-a no pequeno saco de pano, e que outrora serviu para ir ao pão. E a Celeste, ansiosa por cantar, que é o que mais gosta de fazer, corria a juntar-se ao grupo e ia apanhar a “canção das Janeiras” a meio, já no refrão: “Somos os Reis cá da terra, vassalos e sem peneiras, cantamos canções de amor, na tradição das Janeiras”.
No segundo nível, no tocante à verba conseguida, também não foi mau. Naquelas duas horas foram conseguidos 70 euros, que, divididos pelos sete –eu só passarei a receber quando formos famosos e ganharmos milhões-, rendeu 10 euros a cada um. Penso que sempre foi melhor resultado do que se estivessem a tocar sozinhos no mesmo tempo e na mesma rua. Houve um comerciante que ofereceu 10 euros e outros dois 5 cada um.
Continuando na descrição, a meio da Rua Ferreira Borges um grupo de turistas aproveitava e tirava fotos. A guia, como maestro em banda ensonada, bem tentava captar a sua atenção para um alçado de um prédio mas debalde. Os nipónicos não tiravam os olhos dos músicos do barrete vermelho.
Em frente ao café Nicola um conjunto de uma dezena e meia de crianças de um qualquer infantário, acompanhados por monitores, parou e as crianças ficaram a apreciar os modelos de “Pai Natal” que certamente lhes teriam sido induzidos lá em casa ou através da televisão.
E a música continuava, agora com outra melodia que se intitulava “Uma moeda com amor” e que rezava assim:

Não me dêem uma moeda,
sem um sorriso também,
sem alegria não passo,
sem dinheiro passo bem

Não me atirem uma moeda,
sem alguma humanidade,
afinal não sou pedinte,
sou um artista na cidade,
que precisa da moeda,
mas que traga dignidade,

Não me dêem uma moeda,
sem um sorriso também,
sem alegria eu não passo,
sem dinheiro passo bem,

Não me joguem uma moeda,
como se eu fosse alguém,
insensível ao amor,
e que não ama também,
sem amor eu não passo,
sem dinheiro passo bem.

Cerca do meio-dia estávamos na Praça 8 de Maio, junto à Igreja de Santa Cruz. Não fora as palavras segregacionistas de um comerciante e tudo teria corrido lindamente. É óbvio que há sempre uma ovelha negra num rebanho. Não há volta a dar-lhe. Faz parte da natureza. Aquelas frases insultuosas, sem contento e próprias de uma besta ao ser abordado pela Celeste para contribuir. Eram bem desnecessárias e até mereceriam uma lição, mas, pensando melhor, nem vale a pena. Seria perder tempo. “Burro velho não aprende línguas”. Como quem diz se não aprendeu a respeitar o seu semelhante na devida altura, não será agora, que está de pés para a cova, que vai aprender. Vale mais fazer-lhe uma oração de despedida. Quem não ficou pelos ajustes foi a Celeste: “já viste, ó Luís? Aquele estafermo a perguntar-me se não tínhamos vergonha de estar a pedir junto a uma igreja? Olha, disse-me das últimas que se possa imaginar! Referindo-se a todos nós, até disse que esta gente fosse lá para a terra deles pedir. Sabes o que é? Aquele animal irracional confunde um músico de rua com um pedinte. Filho da mãe! Olha que conseguiu irritar-me! Acreditas?”
Amanhã, se não houver alterações de última hora, entre as 9h30 e as 11h30, estaremos no Mercado Municipal D. Pedro V.

Sem comentários: