Hoje, entre as 10h00 e o
meio-dia, a denominada “Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra” (OMRC) cantou
as Janeiras no eixo entre o Largo da Portagem, passando pelas Ruas Ferreira
Borges e Visconde da Luz, e a Praça 8 de Maio. Quem lhe deu corpo foi o Paolo,
o Lourenço, o Armando, o Emanuel, o Luís, a Fátima, a Celeste e este vosso
escriba.
Antes que você faça a tradicional
pergunta “como é que foi? Como é que foi?”, antecipando-me, digo-lhe que,
tirando uma pequena nódoa, correu bem a dois níveis. No primeiro, enquanto
espectáculo cénico e musical, decorreu benzinho. As pessoas paravam e ficavam
assim um pouco para o especado a olhar. Nos seus rostos eram patentes traços de
admiração; era como se interrogassem: “quem são estes malucos?”. O seu torpor
introspectivo era interrompido pela Celeste Correia, a relações públicas para
as questões financeiras da OMRC, “pode dar uma moeda por favor? É para ajudar
os músicos de rua”. E o transeunte, como hipnotizado, sem tirar os olhos dos “8
magníficos malucos da melodia”, metia a mão no bolso e retirava uma moeda de
euro e colocava-a no pequeno saco de pano, e que outrora serviu para ir ao pão.
E a Celeste, ansiosa por cantar, que é o que mais gosta de fazer, corria a juntar-se
ao grupo e ia apanhar a “canção das Janeiras” a meio, já no refrão: “Somos os Reis cá da terra, vassalos e sem peneiras, cantamos canções de amor, na
tradição das Janeiras”.
No segundo nível, no tocante à
verba conseguida, também não foi mau. Naquelas duas horas foram conseguidos 70
euros, que, divididos pelos sete –eu só passarei a receber quando formos
famosos e ganharmos milhões-, rendeu 10 euros a cada um. Penso que sempre foi
melhor resultado do que se estivessem a tocar sozinhos no mesmo tempo e na
mesma rua. Houve um comerciante que ofereceu 10 euros e outros dois 5 cada um.
Continuando na descrição, a meio
da Rua Ferreira Borges um grupo de turistas aproveitava e tirava fotos. A guia,
como maestro em banda ensonada, bem tentava captar a sua atenção para um alçado
de um prédio mas debalde. Os nipónicos não tiravam os olhos dos músicos do
barrete vermelho.
Em frente ao café Nicola um
conjunto de uma dezena e meia de crianças de um qualquer infantário, acompanhados
por monitores, parou e as crianças ficaram a apreciar os modelos de “Pai Natal” que certamente
lhes teriam sido induzidos lá em casa ou através da televisão.
E a música continuava, agora com
outra melodia que se intitulava “Uma moeda com amor” e que rezava assim:
Não me dêem uma
moeda,
sem um sorriso
também,
sem alegria não
passo,
sem dinheiro passo
bem
Não me atirem uma moeda,
sem alguma
humanidade,
afinal não sou
pedinte,
sou um artista na
cidade,
que precisa da moeda,
mas que traga
dignidade,
Não me dêem uma
moeda,
sem um sorriso
também,
sem alegria eu não
passo,
sem dinheiro passo
bem,
Não me joguem uma
moeda,
como se eu fosse
alguém,
insensível ao amor,
e que não ama também,
sem amor eu não
passo,
sem dinheiro passo
bem.
Cerca do meio-dia estávamos na
Praça 8 de Maio, junto à Igreja de Santa Cruz. Não fora as palavras
segregacionistas de um comerciante e tudo teria corrido lindamente. É óbvio que
há sempre uma ovelha negra num rebanho. Não há volta a dar-lhe. Faz parte da natureza. Aquelas frases insultuosas, sem contento e próprias de uma besta ao ser abordado pela Celeste para contribuir. Eram bem desnecessárias e até
mereceriam uma lição, mas, pensando melhor, nem vale a pena. Seria perder
tempo. “Burro velho não aprende línguas”. Como quem diz se não aprendeu a respeitar
o seu semelhante na devida altura, não será agora, que está de pés para a cova,
que vai aprender. Vale mais fazer-lhe uma oração de despedida. Quem não ficou
pelos ajustes foi a Celeste: “já viste, ó Luís? Aquele estafermo a perguntar-me
se não tínhamos vergonha de estar a pedir junto a uma igreja? Olha, disse-me das
últimas que se possa imaginar! Referindo-se a todos nós, até disse que esta
gente fosse lá para a terra deles pedir. Sabes o que é? Aquele animal
irracional confunde um músico de rua com um pedinte. Filho da mãe! Olha que
conseguiu irritar-me! Acreditas?”
Amanhã, se não houver alterações
de última hora, entre as 9h30 e as 11h30, estaremos no Mercado Municipal D.
Pedro V.
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