Hoje, sexta-feira, no segundo dia
de cantar as Janeiras na Baixa pela denominada “Orquestra de Músicos de Rua de
Coimbra” (OMRC) correu ainda melhor do que ontem. Faça o favor de ter calma que
eu vou contar tudo. Só lhe peço que não me pressione, que em “stress” não
funciono. Só lá vou com calma. Nada de rapidinhas.
Como já deve saber, graças ao
cuidado de Emília Martins, presidente da Direcção da Orquestra Clássica do
Centro, a nossa madrinha –só espero que não se esqueça de nós nos folares da
Páscoa-, fomos simpaticamente recebidos na autarquia pela vice-presidente e
vereadora da Cultura, Manuela Azevedo, e pelo assessor da presidência, Miguel
Pignatelli, onde cantámos as Janeiras para os dois. Vejam bem que a minha
Rainha da Cultura veio de propósito do Paço, da Rua Pedro Monteiro, para nos
receber na Câmara. É certo que poderia ter dispensado os funcionários da
edilidade durante 15 minutos para assistirem também ao espectáculo, mas,
estando nós em crise e sendo esta professora universitária uma querida –que até
já vai à bola comigo e lá no átrio até brincou com Miguel Pignatelli: “veja bem
Miguel, que o Quintans hoje até vem cantar para nós, nem sequer vem reclamar
nada!”- com franqueza, diga-me, leitor, com esta delicadeza toda, como é que eu
poderia articular alguma coisa? Um homem, mesmo sendo fraquito como eu, e às
vezes querendo parecer forte, até se comove até à alma. É ou não é? Com toda aquela
amabilidade, palavra de honra, juro pela minha mãezinha, até lhe dedicava uma
serenata só para ela. Estou a ficar mole, não estou? Que querem? É da idade,
pronto! Ah, é verdade, até já se me varria, Manuela Azevedo e Pignatelli deram
uma nota (de euros) cada um.
Continuando a descrever este
segundo dia, dali, da Praça 8 de Maio, partimos para o Mercado Municipal D.
Pedro V. Nesta popular praça fomos muito bem recebidos por todos. Alguns
vendedores de cara fechada como granito não se abriam nem com a minha promessa
de que quanto mais nos dessem melhor sorte teriam em dobro neste 2013. Sei lá,
se calhar não acreditaram em mim. Nem percebo bem por quê, se até dizia aquilo
muito sério e com convicção. Bom, o que interessou é que, em maioria, todos
comparticiparam. Engraçada esta minha constatação: as pessoas de rosto aberto,
de olhar brilhante e de felicidade, todas contribuíram. É como se entendessem
que, mesmo tendo pouco, ao dividir o seu magro pecúlio, estavam crentes de que
a sorte se encarregaria de os recompensar. Pessoalmente, acredito no aforismo
de que só cresce quem reparte. Não me perguntem onde fui buscar esta fé, mas
creio solenemente nesta máxima. Nesta manhã foi conseguido o dobro de ontem:
140 euros, que foi distribuído por sete músicos –já sabem que eu não alinho em
tostões. Quando ganharmos milhões vou ganhar com juros. É só uma questão de
tempo.
Hoje, contrariamente a ontem,
ninguém nos fez notar que era uma vergonha andar a pedir. Penso que todos
acharam graça. Aliás, contrariando o padre João Veríssimo, de S. Julião,
paróquia da Figueira da Foz, que afirma no Diário as Beiras de hoje de que “é
sempre humilhante estender a mão”, digo que não. A meu ver será inibitório e
nunca humilhante. Isto é, o acto de pedir, para quem pede, cria embaraço, gera
insegurança, provoca uma sensação de desconforto, no sentido do demérito. A
acção de pedir estimula a quem pede uma diminuição da sua igualdade, na
condição de pessoa, perante o outro, mas não humilha. Humilhar,
etimologicamente, significa rebaixar, vexar, tratar com desdém ou desprezo alguém
–ontem o comerciante ao reagir mal é que humilhou quem pedia. Ora, sendo assim,
a obra de pedir, para quem o faz, é apenas uma representação que lhe pode causar
incómodo e nada mais do que isso. Mas, atentemos, se pedirmos para outros este
sentimento não é sentido por quem solicita algo. Curiosamente, neste caso, a
sensação é de conforto, de altruísmo, por sentir que está a ser pro-activo, está
a contribuir para tornar mais feliz alguém que precisa e não é bafejado pela
graça, divina ou da natureza, de ter felicidade pela lacuna . Por outro lado,
já que falo no assunto, faz muita confusão, sobretudo a quem labuta arduamente
no dia-a-dia, que o pedir na rua não seja proibido e sancionado legalmente.
Vamos por partes, o acto de pedir, para além de ser uma manifestação da
vontade, enquanto reflexo humano, é essencialmente um direito natural –não tão
profundo como o respirar, por exemplo, mas quase. Logo, enquanto instintivo,
nunca poderia ser adoptado. No extremo, para o ser, teria de ser feito um
cardápio para a permissão. Por exemplo, um indivíduo que repentinamente
sofresse um ataque de pânico poderia ou não pedir ajuda? Por aqui já se verá a
dificuldade em interditar um gesto que, acima de tudo, é um paradigma de
humildade e, já agora, excluindo os vendilhões do templo, tão repetido na
Bíblia e defendido pela religião Católica-romana. No paradoxo, ou nem por isso,
deveria ser impedida a fraude –ou seja, quem se faz passar por deficiente e não
é-, mas como provar? Então na impossibilidade de probatório, deve optar-se pela
liberdade de cada um fazer o que entende -incluindo quem dá- ainda que seja
mal-entendido pela maioria. O facto também de as comunidades se terem tornado
mais individualistas e perderem o espírito de “reserva mental”, enquanto defesa
do todo na condenação de certos costumes arbitrários não ilegais, contribuiu
para estes estado de desvalorização do trabalho enquanto tarefa digna para
ganhar o sustento e facilitismo para auferir dinheiro através do ócio.
É certo que as ditaduras proíbem a
solicitação do óbolo, mas, tal como outras liberdades, é outra questão. Num
sistema democrático, de liberdade, no absurdo –ou nem tanto assim, por que há
países que o fazem- pode multar-se quem dá. Tenho muitas dúvidas nesta medida.
O acto de dar, tal como quem pede, é uma acção da “voluntas”, da vontade, mas
intrinca também num direito natural, que é: “quem me pode impedir de distribuir
o que é meu por quem me apetece, desde que não prejudique os meus consanguíneos directos?”. É certo que nem sempre a lei caminha
paralelamente à moral. Basta lembrar a proibição de alimentar animais na via
pública. Estou convencido que nunca houve alguém que se debruçasse sobre esta dissidência
e os multados nunca levaram a sua impugnação a instâncias superiores. Se
levassem, provavelmente, ganhariam facilmente esta questão. Trata-se de um
direito natural. Ninguém pode proibir outro de matar a fome a qualquer ser
vivo. Por outro lado ainda, corroborando a minha tese, a lei até obriga o apoio
à vítima –e aqui teríamos de entrar nos labirintos etimológicos e, dissecando,
interrogar: quem pode ser considerado vítima?
Alonguei-me, não foi? Que querem?
O culpado disto tudo foi o senhor Padre João Veríssimo, que não conheço, mas
deu-me aqui o “leitmotiv” para explanar a minha via filosófica. Obrigado senhor
Padre.
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