quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

LEIA O DESPERTAR


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "BAIXA: A CONSPIRAÇÃO DO ÓCIO", deixo também as crónicas "O FUTURISTA HOMEM DAS CASTANHAS"; e  "REFLEXÃO: EM BUSCA DO PARAÍSO".



BAIXA: A CONSPIRAÇÃO DO ÓCIO

 Embora o processo de desaparecimento dos pequenos negócios já tivesse começado no início da década de 1990, nos últimos cinco anos tem havido uma razia a nível nacional. Como aqui laboro diariamente, embora em analogia, naturalmente que me irei debruçar sobre a Baixa de Coimbra. E antes de prosseguir na minha apreciação subjetiva, nada melhor que apresentar dados concretos que, para além de poder constituir tese para estudo, permitem uma melhor avaliação. Saliento que, apesar de poder conter alguns lapsos, os números que transcrevo foram apenas os que fui apreendendo e tomando conta no blogue. O que quer dizer que, em princípio, pecarão por defeito e nunca por excesso. Não contabilizei os estabelecimentos que foram negociados pela Empresa Metro Mondego e outros que claudicaram anteriormente. Não contei os que se encontram dentro dos pequenos centros comerciais na Baixa. Apenas os que estão virados para a via pública.
Num universo de presumivelmente 600 operadores económicos que existirão no perímetro considerado entre o Largo da Portagem, Avenidas Navarro e Fernão de Magalhães, Ruas da Sofia, Olímpio Fernandes, até ao Mercado Municipal, Corpo de Deus, Fernandes Tomás, início das Escadas de Quebra Costas e Alegria. Eis então a informação relativa ao período entre dezembro de 2007 e dezembro de 2012:

1- 176 estabelecimentos sofreram alteração estatutária. Isto é, mudaram a atividade, passaram de mãos e ou fecharam;
2- 115 estabelecimentos encontram-se encerrados nesta data e nesta zona comercial. Alegadamente, embora sem confirmação absoluta, 17 cerraram portas por insolvência;
3- 61 estabelecimentos, em funcionamento, ao longo destes 5 anos, embora com curto prazo de tempo, paulatinamente, em processo repetido, foram encerrando e abrindo de novo. 46 lojas deste universo tiveram dois proprietários. Outras 15, durante o mesmo tempo, passaram uma vez única para outros empresários;

4- Neste final de dezembro encerraram 6 lojas e uma mudou de sede.


Curiosidades: neste período de 5 anos nasceram 6 novos comércios, devido a novos projetos de (re)construção; um espaço comercial foi transformado em igreja; uma estação de correios encerrou; uma esquadra de polícia foi transferida para outra zona; e uma dependência bancária foi fechada.
Depois deste quadro vou continuar. Uma constatação lógica se extrai: a Baixa, notoriamente, está a perder muitas lojas, sem que sejam reabertas. Muitas delas pelos exagerados valores de renda pedidos pelos seus proprietários. Sob anonimato, segundo um comerciante que ao mesmo tempo detém um negócio no centro histórico e um posto de venda numa grande superfície comercial, “adoro a Baixa, aliás, estou no centro comercial para tentar dar a conhecer esta do comércio tradicional, mas é impossível aguentar estas rendas. Enquanto lá, com um cliente com muito mais poder de compra e que adquire mesmo, se baixam continuamente os valores, aqui, ou se mantêm ou sobem. Para demonstrar aos senhorios que têm de reduzir os valores é uma luta titânica.”
Uma outra ilação, numa altura em que o desistir de atividade é diário no país e o desemprego cresce, como entender estas novas medidas fiscais? Numa altura em que se deveria incentivar o empreendedorismo, implementando medidas que estimulassem a criação de autoemprego e que motivasse a que cada um pudesse criar o seu próprio sustento, o que faz o Governo? Com a obsessão de gerar receita, apertando as malhas do absurdo, abortando a vida antes de a ser, numa completa inversão de valores, penalizando o trabalho e a criação de riqueza, empurra os cidadãos para a malandrice, para o ócio. Com o argumento da fuga aos impostos e de todos contribuírem para o Orçamento Geral do Estado, está a condicionar o “peixe miúdo” no seu desenvolvimento embrionário. Largando da mão o graúdo e, implicitamente, beneficiando-o pelos seus meios incomparáveis de força financeira, dá a impressão de que quer mesmo extinguir o pequeno trabalhador individual.
Como se fosse uma nova vaga, e já não estivesse prescrito no regime de infrações tributárias –Lei 15/2001, de 5 de Junho-, com o fundamento de obrigar o comprador a solicitar a prova de compra, enviam-se para o lixo milhares de máquinas registadoras apenas com a diferença de em vez de “venda a dinheiro” passarem a ditar “fatura simplificada”. À custa do empobrecimento generalizado de pequenos operadores, condenando-os ao desânimo e à desistência, o executivo, num padrão completamente absurdo, injusto, iníquo, e de duvidosa legalidade, no sentido de que à custa do depauperado pequeníssimo, pequeno e médio empresário, através da lei, forçando a obrigação compulsiva sujeita a sanção, alavanca o consumo tendo em mente o enriquecimento sem causa –através do IVA a liquidar pelos novos equipamentos. Isto, para além de favorecer a melhoria financeira dos operadores de máquinas e “software” e tipografias.
Esta purga que estamos a assistir recorda-nos a perseguição feita há meia-dúzia de anos aos produtos regionais e tradicionais. Em nome da homogeneização e harmonização europeia, iam-se destruindo séculos de saber fazer. Será que ninguém vê que é pior a emenda que o soneto?


O FUTURISTA HOMEM DAS CASTANHAS

Há cerca de dois meses que passámos a vê-lo junto ao Banco de Portugal, no Largo da Portagem, a assar castanhas num futurista veículo de uma nova vaga e diferente de todos os que presenciámos até agora.
Quando demos por acabadas muitas profissões em vias de desaparecimento, numa lição para todo este progresso desenfreado, eis que, como Fénix renascida das cinzas, aí estão elas a reconquistar o seu território perdido. As crises têm estas coisas boas, obrigam-nos a olhar para o passado e a procurar instrumentos empurrados para as calendas do tempo.
O nosso novo vizinho chama-se Miguel Louro. É da Figueira da Foz e todos os dias percorre a distância entre o mar e este porto de abrigo que é a cidade de Coimbra. Era Radiologista Industrial, uma espécie de apóstolo contra o pecado nas soldaduras de tubos na indústria. Como nasceu e cresceu a ouvir a família a falar de pipocas, gelados, tremoços, pistácios e castanhas assadas –como vendedoras, foram os labores da avó e da mãe-, desde menino que sentiu um fascínio especial por este género de venda ambulante. Quando a sua profissão começou a falhar, em solilóquio, disse para si mesmo: “nem é tarde nem é cedo! É a hora, Miguel!”. Desenhou e mandou construir o novo modelo de assar castanhas. Mesmo sem alterações, custou-lhe cerca de 3000 euros. Quando foi com o veículo à Inspeção Sanitária nem queriam acreditar no protótipo que estava patente: nunca tinham visto nada assim. “Por cá, no país, não há nada como isto”, enfatiza com orgulho de projetista inovador.


REFLEXÃO: EM BUSCA DO PARAÍSO

 A semana passada, na Baixa, todos comentámos o facto de o Gabinete de Atendimento a Toxicómanos (GAT), da Cáritas, no Terreiro da Erva, ter encerrado sobretudo numa altura em que o número de dependentes cresce a um ritmo assustador.
Vamos tentar avaliar esta questão a dois níveis. No primeiro, interrogamos como é que o Estado, atuando a jusante a apanhar os cacos comportamentais e tentando minorar os efeitos de uma catástrofe social anunciada, todos os anos mantém num limbo a (in)decisão de apoiar ou não e apenas toma uma deliberação em cima do termo contratual dos muitos postos de organizações nacionais? Que certamente estes patrocínios devem obedecer a uma ponderação cuidada, parece-me, estaremos todos de acordo. O que não estará bem será o facto de as regras não serem suficientemente claras para possibilitarem eficiência em planos de, pelo menos, médio-prazo.
Na última década, as instituições de apoio a sem-abrigo e outros diferenciados grupos de adictos cresceram no país como cogumelos em terreno fértil. Ao que se julga saber, muitas delas limitam-se a fazer um trabalho de sinalização e mantendo o situacionismo, distribuindo géneros, quando o seu objeto, ainda que num campo extremamente difícil de obter resultados positivos, deve ser sempre a recuperação destes indivíduos caídos nas malhas da desgraça. Ou seja, numa completa inversão de valores, em vez de acautelar fomentam o facilitismo. Numa população altamente egocêntrica e, como defesa, habituada ao disfarce e à dependência de outros, onde a seriedade e a disciplina rareia, extremamente frágil materialmente mas psicologicamente preparada para sobreviver a qualquer custo em qualquer ambiente mesmo hostil, as políticas sociais devem ser avaliadas em todos os ângulos possíveis e imaginários. Mesmo assim, levando em conta esta justificação, não se entende as normas seguidas.
Tentando analisar num segundo nível, somos também tomados de muitas interrogações. A começar por que razão se continua a não se atuar a montante, isto é, apostando na prevenção, que reside na essência da educação, formando pais, colocando psicólogos nas escolas, dando condições dignas de trabalho aos professores? Porque continuamos, atabalhoadamente a juntar retalhos de vidas destroçadas, a tentar tardiamente remediar o irrecuperável a jusante? Será que o deficit orçamental pode justificar todos os cortes cegos, sobretudo em áreas essenciais como a saúde pública?
O que falhou nestes últimos 38 anos para, por um lado, termos conseguido alcançar um desenvolvimento retratado num bem-estar nunca antes igualado, mas, por outro, em completo paradoxo, aumentarmos incomensuravelmente as sensações de insegurança e infelicidade, projetadas em depressões, e em consequência no número de dependentes de fármacos, de álcool e de outras variantes toxicodependentes? Saliento que não estou focado apenas nesta última década e no processo devastador que a crise económica tem desencadeado na sociedade.
Citando Vitor Hugo, de que o progresso é uma engrenagem que, no seu avançar, esmaga sempre alguém, em silogismo, poderemos especular que este é o preço a pagar?

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